Missa do 25º dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 2,12.17-20; Tiago 3,16 – 4,3; Marcos 9,30-37.
Todo ser humano tem necessidade de
ser reconhecido. Quando somos ignorados ou tratados com indiferença, sofremos. O
problema é: que preço estamos dispostos a pagar para sermos reconhecidos e
aceitos pelas pessoas? Se considerarmos que vivemos numa sociedade de valores
invertidos, o nosso reconhecimento e a nossa aceitação dependem de sermos como
a maioria é, e isso compromete a nossa fidelidade a Deus. Sendo assim,
precisamos escolher qual preço pagar: o preço de sermos desprezados pelas
pessoas, mas valorizados por Deus, ou o preço de ganharmos a aceitação das
pessoas, com a condição de nos afastarmos de Deus e da verdade da sua Palavra.
O livro da Sabedoria nos revela o
alto preço que a pessoa de Deus paga por não ser igual à maioria: “Armemos
ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo
de agir” (Sb 2,12). Quem deseja viver segundo o Evangelho vai incomodar os que
não aceitam a verdade do mesmo, e o preço desse incômodo não é apenas o ser
excluído ou ser tratado com indiferença, mas o ser perseguido e atacado, na
tentativa de convencer a pessoa a desistir de se configurar a Jesus e se tornar
como a maioria é: “Vamos pô-lo à prova com ofensas e torturas, para ver a sua
serenidade e provar a sua paciência” (Sb 2,19). Essas ofensas e torturas são
muito comuns nos ambientes de trabalho; quando não, acontecem na própria
família ou entre os “amigos”.
Se essa é a condição de quem deseja se
configurar a Jesus Cristo, a questão é saber o quanto o cristão consegue
suportar ser desprezado pelos homens e se manter fiel às promessas de Deus; o
quanto ele consegue manter-se firme na sua fé, como o salmista: “Quem me
protege e me ampara é meu Deus; é o Senhor quem sustenta minha vida!” (Sl
54,6).
A inversão de valores, própria de um
mundo cada vez mais pagão como o nosso, encontra espaço até mesmo dentro das
igrejas. A carta de São Tiago hoje nos revela que as igrejas estão tão doentes
quanto o nosso mundo: “Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e
toda espécie de obras más” (Tg 3,16). Inveja e rivalidade são sentimentos e
atitudes próprias de ambientes onde as pessoas brigam por reconhecimento. Desse
modo, o serviço que a pessoa abraçou em favor da comunidade se corrompe em “cargo”,
em “lugar de poder”. Essa deformação do Evangelho não está presente somente no
Clero (carreirismo), nem é “privilégio” da nossa Igreja, mas está presente em
todas as igrejas; mais ainda, pode estar presente em qualquer grupo humano.
Portanto, também em nossas pastorais e movimentos, há muitos fiéis contaminados
com o vírus da inveja e da rivalidade.
Convidando as igrejas a um sério
exame de consciência, São Tiago pergunta: “De onde vêm as guerras? De onde vêm
as brigas entre vós? Não vêm, justamente, das paixões que estão em conflito
dentro de vós?” (Tg 4,1). É vergonhoso constatar que nas nossas comunidades
ocorrem eventualmente “guerras” e “brigas”, tudo por causa de algo mal
resolvido dentro da pessoa: a necessidade de ser reconhecida, de ocupar um “cargo”
de destaque; a perversão do “servir” em “ter poder” sobre os outros, exatamente
como os discípulos de Jesus, que discutiam entre si sobre qual deles era o
maior (cf. Mc 9,34).
A denúncia profética de São Tiago
revela o quão doente pode ser tornar uma comunidade de cristãos: “Cobiçais, mas
não conseguis ter. Matais e cultivais inveja, mas não conseguis êxito. Brigais
e fazeis guerra, mas não conseguis possuir” (Tg 4,2). Quando as igrejas se
tornam tão doentes quanto o mundo, como podem as mesmas ser instrumentos de
salvação para a humanidade? Todas essas atitudes mundanas – cobiça, matar o
outro com palavras ou através do ódio e da inimizade, brigas e guerras para
derrubar quem está no “poder” –, só conseguem um resultado: o descrédito da
própria igreja; pior ainda, o descrédito do Evangelho e do próprio Jesus
Cristo.
A inversão de valores e o
comportamento pagão são tão nocivos que podem corromper até mesmo a oração dos
cristãos: “Pedis, (...), mas não recebeis, porque pedis mal. Pois só quereis
esbanjar o pedido nos vossos prazeres” (Tg 4,3). Aqui vale um sério exame de
consciência: o que eu peço na minha oração visa unicamente o meu bem-estar
pessoal ou o bem dos meus irmãos, da minha igreja? Meus pedidos estão reduzidos
às minhas necessidades (ou seriam “ambições”?) materiais, ou eu peço bênçãos
espirituais para a salvação de todo ser humano?
Ao ter consciência de que seus
discípulos estavam discutindo sobre quem deles seria o maior, o mais importante,
Jesus lançou-lhes um desafio: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o
último de todos e aquele que serve a todos!” (Mc 9,35). Aqui Jesus vira do
avesso a nossa necessidade de reconhecimento! Suas palavras são um convite a
sairmos da prisão dessa necessidade doentia de sermos reconhecidos como
importantes! Ser o “último” e o “servo” de todos significa não alimentar o
nosso ego, que sempre deseja estar no centro das atenções.
Mais do que falar com os discípulos,
Jesus tem uma atitude pedagógica: toma uma criança, coloca-a no meio deles e a
abraça, dizendo que naquela criança está Ele e também o Pai que o enviou. A
criança, na cultura judaica, era a pessoa mais desprezível e insignificante da
família e da sociedade. Portanto, Jesus está nos desafiando a colocar no centro
de nós mesmos não o nosso ego e a sua necessidade doentia de se sentir importante,
mas a nossa própria insignificância. Ao abraçar aquela criança Jesus está nos
convidando a abraçar e a amar o nosso ser insignificante perante um mundo de
valores invertidos. Enfim, quem quiser se encontrar com o Filho e com o Pai,
nunca os encontrará na grandiosidade, mas na pequenez; nunca naquilo que o
mundo e as próprias igrejas consideram importantes, mas naquilo que ambos
desprezam e consideram insignificantes. Esse é o papel do Evangelho: virar do
avesso os contra valores que nos adoecem e ferem nosso convívio com as pessoas.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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