quinta-feira, 19 de setembro de 2024

VOCÊ CONSEGUE AMAR A SUA INSIGNIFICÂNCIA?

 Missa do 25º dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 2,12.17-20; Tiago 3,16 – 4,3; Marcos 9,30-37.

            Todo ser humano tem necessidade de ser reconhecido. Quando somos ignorados ou tratados com indiferença, sofremos. O problema é: que preço estamos dispostos a pagar para sermos reconhecidos e aceitos pelas pessoas? Se considerarmos que vivemos numa sociedade de valores invertidos, o nosso reconhecimento e a nossa aceitação dependem de sermos como a maioria é, e isso compromete a nossa fidelidade a Deus. Sendo assim, precisamos escolher qual preço pagar: o preço de sermos desprezados pelas pessoas, mas valorizados por Deus, ou o preço de ganharmos a aceitação das pessoas, com a condição de nos afastarmos de Deus e da verdade da sua Palavra.

            O livro da Sabedoria nos revela o alto preço que a pessoa de Deus paga por não ser igual à maioria: “Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir” (Sb 2,12). Quem deseja viver segundo o Evangelho vai incomodar os que não aceitam a verdade do mesmo, e o preço desse incômodo não é apenas o ser excluído ou ser tratado com indiferença, mas o ser perseguido e atacado, na tentativa de convencer a pessoa a desistir de se configurar a Jesus e se tornar como a maioria é: “Vamos pô-lo à prova com ofensas e torturas, para ver a sua serenidade e provar a sua paciência” (Sb 2,19). Essas ofensas e torturas são muito comuns nos ambientes de trabalho; quando não, acontecem na própria família ou entre os “amigos”.

Se essa é a condição de quem deseja se configurar a Jesus Cristo, a questão é saber o quanto o cristão consegue suportar ser desprezado pelos homens e se manter fiel às promessas de Deus; o quanto ele consegue manter-se firme na sua fé, como o salmista: “Quem me protege e me ampara é meu Deus; é o Senhor quem sustenta minha vida!” (Sl 54,6).

A inversão de valores, própria de um mundo cada vez mais pagão como o nosso, encontra espaço até mesmo dentro das igrejas. A carta de São Tiago hoje nos revela que as igrejas estão tão doentes quanto o nosso mundo: “Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más” (Tg 3,16). Inveja e rivalidade são sentimentos e atitudes próprias de ambientes onde as pessoas brigam por reconhecimento. Desse modo, o serviço que a pessoa abraçou em favor da comunidade se corrompe em “cargo”, em “lugar de poder”. Essa deformação do Evangelho não está presente somente no Clero (carreirismo), nem é “privilégio” da nossa Igreja, mas está presente em todas as igrejas; mais ainda, pode estar presente em qualquer grupo humano. Portanto, também em nossas pastorais e movimentos, há muitos fiéis contaminados com o vírus da inveja e da rivalidade.  

            Convidando as igrejas a um sério exame de consciência, São Tiago pergunta: “De onde vêm as guerras? De onde vêm as brigas entre vós? Não vêm, justamente, das paixões que estão em conflito dentro de vós?” (Tg 4,1). É vergonhoso constatar que nas nossas comunidades ocorrem eventualmente “guerras” e “brigas”, tudo por causa de algo mal resolvido dentro da pessoa: a necessidade de ser reconhecida, de ocupar um “cargo” de destaque; a perversão do “servir” em “ter poder” sobre os outros, exatamente como os discípulos de Jesus, que discutiam entre si sobre qual deles era o maior (cf. Mc 9,34).

            A denúncia profética de São Tiago revela o quão doente pode ser tornar uma comunidade de cristãos: “Cobiçais, mas não conseguis ter. Matais e cultivais inveja, mas não conseguis êxito. Brigais e fazeis guerra, mas não conseguis possuir” (Tg 4,2). Quando as igrejas se tornam tão doentes quanto o mundo, como podem as mesmas ser instrumentos de salvação para a humanidade? Todas essas atitudes mundanas – cobiça, matar o outro com palavras ou através do ódio e da inimizade, brigas e guerras para derrubar quem está no “poder” –, só conseguem um resultado: o descrédito da própria igreja; pior ainda, o descrédito do Evangelho e do próprio Jesus Cristo.

            A inversão de valores e o comportamento pagão são tão nocivos que podem corromper até mesmo a oração dos cristãos: “Pedis, (...), mas não recebeis, porque pedis mal. Pois só quereis esbanjar o pedido nos vossos prazeres” (Tg 4,3). Aqui vale um sério exame de consciência: o que eu peço na minha oração visa unicamente o meu bem-estar pessoal ou o bem dos meus irmãos, da minha igreja? Meus pedidos estão reduzidos às minhas necessidades (ou seriam “ambições”?) materiais, ou eu peço bênçãos espirituais para a salvação de todo ser humano?

            Ao ter consciência de que seus discípulos estavam discutindo sobre quem deles seria o maior, o mais importante, Jesus lançou-lhes um desafio: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!” (Mc 9,35). Aqui Jesus vira do avesso a nossa necessidade de reconhecimento! Suas palavras são um convite a sairmos da prisão dessa necessidade doentia de sermos reconhecidos como importantes! Ser o “último” e o “servo” de todos significa não alimentar o nosso ego, que sempre deseja estar no centro das atenções.

Mais do que falar com os discípulos, Jesus tem uma atitude pedagógica: toma uma criança, coloca-a no meio deles e a abraça, dizendo que naquela criança está Ele e também o Pai que o enviou. A criança, na cultura judaica, era a pessoa mais desprezível e insignificante da família e da sociedade. Portanto, Jesus está nos desafiando a colocar no centro de nós mesmos não o nosso ego e a sua necessidade doentia de se sentir importante, mas a nossa própria insignificância. Ao abraçar aquela criança Jesus está nos convidando a abraçar e a amar o nosso ser insignificante perante um mundo de valores invertidos. Enfim, quem quiser se encontrar com o Filho e com o Pai, nunca os encontrará na grandiosidade, mas na pequenez; nunca naquilo que o mundo e as próprias igrejas consideram importantes, mas naquilo que ambos desprezam e consideram insignificantes. Esse é o papel do Evangelho: virar do avesso os contra valores que nos adoecem e ferem nosso convívio com as pessoas.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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