Missa do 24º. Dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 50,5-9a; Tiago 2,14-18; Marcos 8,27-35.
Entre duas possibilidades – ganhar ou
perder, ser feliz ou sofrer, ser forte como um leão ou frágil como um cordeiro –
dificilmente alguém escolheria a segunda opção. A coisa mais natural do ser
humano é fugir da dor, desviar-se de dificuldades e desejar uma vida longe de
problemas. No entanto, para cada um de nós, a vida se apresenta como ela é, e
não como nós gostaríamos que ela fosse. Viver é lidar com dor, e a melhor forma
de entender isso é estar consciente de que “se não está em suas mãos mudar uma
situação que te causa dor, sempre poderá escolher a atitude com que encara esse
sofrimento” (Victor Frankl).
Jesus foi uma pessoa feliz e, no entanto,
a sua vida nunca foi vivida a partir de uma estratégia calculada para se manter
o mais distante possível da dor. Muito pelo contrário; ele sempre foi de
encontro à dor de quem sofria – “homem sujeito à dor, familiarizado com o
sofrimento” (Is 53,3) – e não se desviou da dor que lhe coube enfrentar. Isso
fica claro na expressão “eu devo”. Diferente de nós, que na busca do próprio
bem-estar nos movemos quase sempre na direção do “eu quero”, Jesus entendeu que
o sentido da sua vida estava na fidelidade à missão para a qual Ele veio ao
mundo. Por isso, sempre que foi necessário, Ele submeteu o “eu quero” ao “eu
devo”.
Sempre que a dor entra em nossa vida, é
para nos ensinar algo. O Servo do Senhor entendeu isso, ao afirmar: “O Senhor
abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás” (Is 50,5). Quanto mais
nós resistimos em aprender, mais a dor se intensifica em nós, e o nosso grande
desafio é não voltar atrás, isto é, não abandonar a missão que somos
simplesmente porque a fidelidade a essa missão está doendo neste momento. Assim
como o Servo do Senhor, precisamos fortalecer a nossa confiança no fato de que “o
Senhor Deus é meu Auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo” (Is 50,7).
Assim como o salmista, devemos nos manter firmes na oração, repetindo quantas
vezes for preciso: “Prendiam-me as cordas da morte, apertavam-me os laços do
abismo; invadiam-me angústia e tristeza: eu então invoquei o Senhor ‘Salvai, ó
Senhor, minha vida!’... Libertou minha vida da morte, enxugou de meus olhos o
pranto e livrou os meus pés do tropeço” (Sl 115,3-4.8).
Sempre que a dor entra em nossa vida,
traz consigo uma pergunta: “Quem é Jesus, para você?”: ele é o Leão no qual
você se espelha para ser uma pessoa forte e vencedora, ou o Cordeiro que te
convida a abraçar o seu “eu devo”? Quando Jesus tornou os discípulos conscientes
do seu “eu devo”, Pedro o tomou “à parte e começou a repreendê-lo” (Mc 8,32). Nós
também repreendemos Deus, quando Ele permite a dor em nossa vida. Quem Ele
pensa que é, para nos tirar aquilo que nos deu? Por que Ele não elimina o mal
do mundo uma vez por todas? Como pode um Deus que é amor deixar a humanidade
exposta a tanta dor, como atualmente? Por que Ele escolheu deixar o seu Filho
único morrer numa cruz, ao invés de destruir todo tipo de cruz que faz a
humanidade sofrer?
Diante da atitude de Pedro, que estava
dizendo indiretamente aos outros discípulos que é preciso desviar-se da dor da
cruz o quanto for possível, Jesus foi firme com ele: “Vá para trás de mim,
Satanás!” – o lugar do discípulo não é na frente do Mestre, dizendo como Ele
deve proceder, mas atrás, aprendendo com Ele como lidar com a dor da cruz.
Desviar-se do seu “eu devo” em nome de uma felicidade egoísta, de um prazer
momentâneo, de um bem-estar ilusório, é cair nas mentiras de Satanás, o qual
nos promete uma vida sem dor. Toda propaganda de uma vida sempre feliz, sem
nenhuma dor, é satânica, diabólica, mentirosa.
Jesus nos deixa perplexos, ao dizer para
Pedro: “Tu não pensas como Deus, e sim como os homens” (Mc 8,33). Para Deus, a
vida comporta luz e sombra, alegria e tristeza, ganho e perda, vitória e
fracasso; para nós, homens, a vida só vale a pena quando o polo negativo é
eliminado e só desfrutamos do positivo. Para Deus, mais importante do que ter
um “como” viver – o máximo de facilidade e o mínimo de dificuldade – é ter uma “razão”
para viver. Em outras palavras, o sentido da vida não está em não sofrer, mas
em manter-se fiel à tarefa que a vida está lhe pedindo para abraçar neste
momento, ainda que isso comporte dor para você. Parafraseando Nietzsche, quem
tem uma razão para viver, quem tem uma missão a cumprir, quem tem um sentido
para viver, suporta qualquer dor que essa missão comporte. Foi assim que Jesus
enfrentou a cruz. É assim que Ele convida você a enfrentar a sua.
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