Missa do 23º dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 35,4-7a; Tiago 2,1-5; Marcos 7,31-37.
É muito conhecida a figura dos três
macaquinhos: um tapando os olhos; outro, os ouvidos, e o outro, a boca. Ela
representa um provérbio budista: “Não veja o mal, não ouça o mal, não fale o
mal”. Se esse ensinamento tem validade para não sermos propagadores do mal na sociedade
humana, a imagem dos três macaquinhos pode hoje representar também o mal do
individualismo, do fechamento sobre si mesmo e da indiferença para com o
próximo: “Não veja o próximo, não ouça o próximo, não fale com o próximo”, uma
atitude que nos adoece e nos desumaniza.
A cura deste homem surdo, que falava com
dificuldade, nos recorda que há uma relação direta entre ouvir e falar: só
aprende a falar quem consegue ouvir. Exatamente porque estamos no mês da
Bíblia, é oportuno recordar que o discípulo é aquele que primeiro escuta a
Palavra de Deus, para depois se tornar capaz de levar uma palavra de conforto à
pessoa abatida: “O Senhor Deus me deu língua de discípulo para que soubesse
levar ao cansado uma palavra de conforto. Toda manhã ele me desperta, sim,
desperta o meu ouvido para que eu ouça como os discípulos” (Is 50,4).
Já foi dito que, no mundo atual, ninguém
escuta ninguém. Consequentemente, cada vez mais ninguém fala com ninguém. O
maior estrago acontece nas famílias: seja devido aos horários de trabalho e de
estudo, seja devido à correria da vida, não existe tempo dedicado à escuta:
pais não escutam seus filhos e estes não escutam seus pais, mesmo porque cada
um, no momento em que poderiam dialogar, “vai” para o seu celular, substituindo
o escutar e o falar com aquele que está no mesmo ambiente por escutar e falar
com quem está fora do ambiente.
A primeira cura de que necessitamos é
aquela que se refere à escuta: escutar nossa própria consciência, onde Deus nos
fala; escutar os sentimentos que habitam em nosso coração; escutar o nosso
corpo, que quando não é ouvido por bem, se faz ouvir por mal (doença); escutar
as pessoas com as quais convivemos, cujas atitudes comunicam muito mais do que
as palavras; enfim, escutar a vida que nos fala por meio dos acontecimentos. Ao
mesmo tempo, precisamos tapar os ouvidos para tantas coisas que nos adoecem, nos
fazem mal e nos afastam da nossa própria verdade.
A segunda cura de que necessitamos é
aquela que se refere ao falar. Se é verdade que as palavras podem ferir, também
é verdade que podem curar. Às vezes o silêncio é uma forma de agredir o outro. Alguém
disse: “Conversem! Conversem sempre! Sobre tudo! Porque o silêncio são pedras,
e pedras se tornam muros, e muros dividem”. É preciso comunicar o que se sente,
e não esperar que o outro adivinhe o que estamos sentindo. “A cura vem pela
fala” (Freud). Importante lembrar também que o falar não é feito somente
através de palavras, mas de gestos, atitudes, toques: abraçar, beijar, tocar,
acariciar...
Para curar o homem surdo, que falava
com dificuldade, “Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão” (Mc
7,33). Embora o motivo principal seja o fato de que Jesus não queria
transformar aquela cura num “espetáculo” para chamar a atenção sobre si mesmo,
há aqui uma indicação importante para nós: a cura da minha surdez começa quando
eu me afasto do barulho externo da multidão de vozes que fala comigo,
impedindo-me de ouvir o meu próprio interior. A multidão de mensagens, de
imagens e de vídeos das redes sociais, além de nos intoxicar, nos torna surdos
para a voz da sanidade que precisa ser ouvida dentro de nós e nos ajudar a nos
concentrar naquilo que de fato é essencial para a nossa vida.
Após afastar-se da multidão com o
homem, Jesus “colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a
língua dele” (Mc 7,33). Jesus tocou nos ouvidos e na língua do homem que não
ouvia e praticamente não falava. A vida de um relacionamento começa a morrer, começa
a atrofiar, quando não existe mais o toque. Nunca como hoje nossos dedos tocam
tanto em telas, mas não nas pessoas com as quais convivemos. Nós nos esquecemos
de que precisamos ser tocados para saber que existimos.
Eis a terceira atitude de Jesus: “Olhando
para o céu, suspirou e disse: ‘Efatá!’, que quer dizer: ‘Abre-te!’ Imediatamente
seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem
dificuldade” (Mc 7,34-35). O olhar de Jesus para o céu nos lembra que para Deus
nada é impossível. Como afirmou o salmista hoje: o nosso Deus “faz justiça aos
que são oprimidos; ele dá alimento aos famintos, é o Senhor quem liberta os
cativos. O Senhor abre os olhos aos cegos o Senhor faz erguer-se o caído”
(Sl 146,7-8). Através de seu Filho Jesus, o Pai veio sanar a criação, adoecida
pelo pecado; Ele veio pronunciar sobre tudo o que está fechado em nós o seu “Abra-se!”.
“Efatá!”; “Abra-se!”. Não se feche na
sua dor, na sua solidão, no seu isolamento. Abra-se àquilo que Deus está lhe
dizendo, àquilo que a vida está lhe chamando a realizar! Abra-se para ouvir as
pessoas à sua volta! Abra-se para falar não só o que você sente, mas também
para levar palavras de conforto à pessoa cansada, abatida, deprimida: “Dizei às
pessoas deprimidas: ‘Criai ânimo, não tenhais medo!’” (Is 35,4). Abra-se ao amanhã,
ao futuro, à esperança, àquilo que Deus deseja realizar em você! Não se feche
na sua dor, mas mantenha o seu horizonte aberto àquilo que a vida está lhe
trazendo. Não se feche em si mesmo, mas abra-se a tantas pessoas que estão
precisando dos seus ouvidos e das suas palavras!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
Nenhum comentário:
Postar um comentário