quinta-feira, 5 de setembro de 2024

FECHAR-SE É ADOECER; ABRIR-SE É CURAR-SE!

 Missa do 23º dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 35,4-7a; Tiago 2,1-5; Marcos 7,31-37.

 

É muito conhecida a figura dos três macaquinhos: um tapando os olhos; outro, os ouvidos, e o outro, a boca. Ela representa um provérbio budista: “Não veja o mal, não ouça o mal, não fale o mal”. Se esse ensinamento tem validade para não sermos propagadores do mal na sociedade humana, a imagem dos três macaquinhos pode hoje representar também o mal do individualismo, do fechamento sobre si mesmo e da indiferença para com o próximo: “Não veja o próximo, não ouça o próximo, não fale com o próximo”, uma atitude que nos adoece e nos desumaniza.

A cura deste homem surdo, que falava com dificuldade, nos recorda que há uma relação direta entre ouvir e falar: só aprende a falar quem consegue ouvir. Exatamente porque estamos no mês da Bíblia, é oportuno recordar que o discípulo é aquele que primeiro escuta a Palavra de Deus, para depois se tornar capaz de levar uma palavra de conforto à pessoa abatida: “O Senhor Deus me deu língua de discípulo para que soubesse levar ao cansado uma palavra de conforto. Toda manhã ele me desperta, sim, desperta o meu ouvido para que eu ouça como os discípulos” (Is 50,4).

Já foi dito que, no mundo atual, ninguém escuta ninguém. Consequentemente, cada vez mais ninguém fala com ninguém. O maior estrago acontece nas famílias: seja devido aos horários de trabalho e de estudo, seja devido à correria da vida, não existe tempo dedicado à escuta: pais não escutam seus filhos e estes não escutam seus pais, mesmo porque cada um, no momento em que poderiam dialogar, “vai” para o seu celular, substituindo o escutar e o falar com aquele que está no mesmo ambiente por escutar e falar com quem está fora do ambiente.

A primeira cura de que necessitamos é aquela que se refere à escuta: escutar nossa própria consciência, onde Deus nos fala; escutar os sentimentos que habitam em nosso coração; escutar o nosso corpo, que quando não é ouvido por bem, se faz ouvir por mal (doença); escutar as pessoas com as quais convivemos, cujas atitudes comunicam muito mais do que as palavras; enfim, escutar a vida que nos fala por meio dos acontecimentos. Ao mesmo tempo, precisamos tapar os ouvidos para tantas coisas que nos adoecem, nos fazem mal e nos afastam da nossa própria verdade.  

A segunda cura de que necessitamos é aquela que se refere ao falar. Se é verdade que as palavras podem ferir, também é verdade que podem curar. Às vezes o silêncio é uma forma de agredir o outro. Alguém disse: “Conversem! Conversem sempre! Sobre tudo! Porque o silêncio são pedras, e pedras se tornam muros, e muros dividem”. É preciso comunicar o que se sente, e não esperar que o outro adivinhe o que estamos sentindo. “A cura vem pela fala” (Freud). Importante lembrar também que o falar não é feito somente através de palavras, mas de gestos, atitudes, toques: abraçar, beijar, tocar, acariciar...

            Para curar o homem surdo, que falava com dificuldade, “Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão” (Mc 7,33). Embora o motivo principal seja o fato de que Jesus não queria transformar aquela cura num “espetáculo” para chamar a atenção sobre si mesmo, há aqui uma indicação importante para nós: a cura da minha surdez começa quando eu me afasto do barulho externo da multidão de vozes que fala comigo, impedindo-me de ouvir o meu próprio interior. A multidão de mensagens, de imagens e de vídeos das redes sociais, além de nos intoxicar, nos torna surdos para a voz da sanidade que precisa ser ouvida dentro de nós e nos ajudar a nos concentrar naquilo que de fato é essencial para a nossa vida.   

            Após afastar-se da multidão com o homem, Jesus “colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele” (Mc 7,33). Jesus tocou nos ouvidos e na língua do homem que não ouvia e praticamente não falava. A vida de um relacionamento começa a morrer, começa a atrofiar, quando não existe mais o toque. Nunca como hoje nossos dedos tocam tanto em telas, mas não nas pessoas com as quais convivemos. Nós nos esquecemos de que precisamos ser tocados para saber que existimos.

Eis a terceira atitude de Jesus: “Olhando para o céu, suspirou e disse: ‘Efatá!’, que quer dizer: ‘Abre-te!’ Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade” (Mc 7,34-35). O olhar de Jesus para o céu nos lembra que para Deus nada é impossível. Como afirmou o salmista hoje: o nosso Deus “faz justiça aos que são oprimidos; ele dá alimento aos famintos, é o Senhor quem liberta os cativos. O Senhor abre os olhos aos cegos o Senhor faz erguer-se o caído” (Sl 146,7-8). Através de seu Filho Jesus, o Pai veio sanar a criação, adoecida pelo pecado; Ele veio pronunciar sobre tudo o que está fechado em nós o seu “Abra-se!”.

“Efatá!”; “Abra-se!”. Não se feche na sua dor, na sua solidão, no seu isolamento. Abra-se àquilo que Deus está lhe dizendo, àquilo que a vida está lhe chamando a realizar! Abra-se para ouvir as pessoas à sua volta! Abra-se para falar não só o que você sente, mas também para levar palavras de conforto à pessoa cansada, abatida, deprimida: “Dizei às pessoas deprimidas: ‘Criai ânimo, não tenhais medo!’” (Is 35,4). Abra-se ao amanhã, ao futuro, à esperança, àquilo que Deus deseja realizar em você! Não se feche na sua dor, mas mantenha o seu horizonte aberto àquilo que a vida está lhe trazendo. Não se feche em si mesmo, mas abra-se a tantas pessoas que estão precisando dos seus ouvidos e das suas palavras!

  

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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