Missa do 22º dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 20,7-9; Romanos 12,1-2; Mateus 16,21-27.
“A dor e o sofrimento, assim como a morte, devem ser eliminados da existência
humana”. Esse tipo de discurso está presente na ciência, nas propagandas
mentirosas de novos medicamentos da indústria farmacêutica, nas teorias de
psicologias baratas de felicidade e, sobretudo, nas pregações de muitos falsos
profetas do nosso tempo. A verdade é que todo ser humano tem uma repulsa
natural diante da dor, do sofrimento e da morte. Sabendo disso, o mercado vende
livros, remédios, aparelhos e qualquer coisa que possa manter as pessoas
escravas da ilusão de que é possível passar pela vida sem terem que sofrer. E,
no entanto, nunca como hoje tivemos uma humanidade tão doente, uma vida tão
atribulada e pessoas tão incapazes de lidar com a dor e o sofrimento.
O
evangelho da semana passada terminou com essas palavras: “Jesus proibiu
severamente aos discípulos de falarem que ele era o Cristo (Messias)” (Mt
16,20). Qual a razão dessa proibição “severa” por parte de Jesus? Uma só: a
expectativa ilusória de que o Messias viria ao mundo para libertar
definitivamente o seu povo de todo tipo de sofrimento. Essa expectativa aparece
hoje claramente na pessoa de Pedro que, ao tomar consciência de que Jesus, o
Cristo, devia “sofrer muito, ser morto e ressuscitar no terceiro dia”, rejeitou
imediatamente essa verdade: “Então Pedro tomou Jesus à parte e começou a
repreendê-lo, dizendo: ‘Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te
aconteça!’” (Mt 16,22).
Os papéis se inverteram! Ao invés de Pedro orientar-se na vida pela palavra de
Jesus, achou-se no direito de “repreender Jesus”! “Por acaso dirá a argila
àquele que a molda: ‘Que estás fazendo? A tua obra não está completa!”? (Is
45,9). Não foram poucas as vezes – e nem o serão! – em que nós repreendemos
Deus por Ele não impedir a dor em nossa vida. A versão moderna da repreensão de
Pedro: “Deus não permita tal coisa!” é: ‘Deus criou você para ser feliz, para
vencer, para ser uma pessoa bem sucedida!’. Mas, será mesmo que a única razão
pela qual nascemos é para sermos felizes, entendendo felicidade como ausência
total de dor, de sofrimento e de morte? Deixemos Jesus responder...
“Vai para longe, satanás!” (Mt 16,23). Segundo Jesus, toda pessoa que entende que a vida só vale a pena quando se pode ser feliz e não se tem que lidar com nenhum tipo de sofrimento, essa pessoa é satânica, diabólica, justamente porque o diabo é o pai da mentira, e a maior mentira que existe é fazer propaganda de uma vida em que não haja possiblidade alguma de dor ou de sofrimento. Portanto, tudo o que o mundo vende como promessa de felicidade constante e ausência de dor – remédio, tecnologia, igreja ou religião – é satânico, diabólico, porque mentiroso!
O grande erro de Pedro, e da maioria de nós, é este: “Tu não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!” (Mt 16,23). Os homens entendem a vida como busca de prazer e de felicidade, vivendo em função de si mesmos, sem se importarem com os outros; Deus entende a vida como doação, como o abraçar uma tarefa em função do bem da humanidade, ainda que tal tarefa comporte algum tipo de dor, de sofrimento. A pergunta que move o ego do ser humano é: “Onde está a minha felicidade?”. A pergunta que move o coração de Deus é: “Onde está o teu irmão?” (Gn 4,9). Enquanto os homens entendem que a vida só vale a pena se não houver nela nenhum tipo de sofrimento, Deus entende que o sentido da vida está em você aprender a enfrentar o sofrimento que faz parte da sua vocação, isto é, da tarefa para a qual você nasceu: tornar a humanidade melhor com a sua própria existência.
Tenhamos consciência disso: o mundo em que vivemos nos colocou a todos debaixo da ditadura da felicidade, segundo a qual, você tem que estar feliz 24 horas por dia. Em nome dessa ditadura, os pais procuram agradar os filhos, ao invés de educá-los. Esses filhos, por sua vez, sendo constantemente poupados de frustração, se tornarão adultos incapazes de lidar com a vida, o que fará deles pessoas potencialmente suicidas. Tenhamos consciência de que a dor e o sofrimento nem sempre serão uma opção em nossa vida; opção será sempre a liberdade que temos de escolher como vamos lidar com eles. Enfim, tenhamos consciência do que acabou de nos dizer o apóstolo Paulo: “Não vos conformeis com o mundo, mas transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e de julgar, para que possais distinguir o que é da vontade de Deus” (Rm 12,2). A vontade de Deus não é que você sofra, mas que você não fuja do sofrimento que lhe cabe enfrentar como parte da sua história de vida; sobretudo, como consequência da sua fidelidade à verdade, à justiça e à sua própria vocação.
Pe. Paulo Cezar Mazzi