Missa da Transfiguração do Senhor. Palavra de Deus: Daniel 7,9-10.13-14; 2Pedro 1,16-19; Mateus 17,1-9.
A cada dia que nos olhamos no
espelho, nos damos conta dos sinais de desfiguração. Sim; com o passar do
tempo, vamos nos desfigurando: os cabelos vão ficando brancos, as rugas vão
surgindo, os neurônios vão morrendo, as forças vão diminuindo, os limites vão
aparecendo. A ciência, a tecnologia e a indústria dos cosméticos inventam uma
série de produtos e técnicas para, quem sabe, retardar – muito mais do que
isso, disfarçar, na tentativa de negar – o processo de desfiguração em nós. Mas
não há nada que impeça a desfiguração de nos atingir.
Mas a desfiguração física, corporal
ou biológica não é nada, quando nos recordamos de que, “embora em nós, o homem exterior
vá caminhando para a sua ruína, o homem interior se renova dia a dia...; pois o
que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno” (2Cor 4,16.18). Em
outras palavras, não é com a desfiguração externa que devemos nos preocupar,
mas com a interna: a desfiguração da nossa fé, da nossa esperança, do nosso
amor, do nosso sentido de vida; a desfiguração de valores como fidelidade,
honestidade, solidariedade, decência, empatia, compaixão etc.
Não há dúvida de que existem fatos que
nos desfiguram emocional e espiritualmente: a doença ou a morte de uma pessoa
que amamos, os conflitos na vida familiar ou no ambiente de trabalho, as más
notícias, as injustiças sociais, a violência e a criminalidade etc. Resumindo,
toda experiência de sofrimento pode gerar desfiguração em nossa alma. Para
quantos de nós a imagem de Deus se desfigurou, depois de um acontecimento
doloroso? “Nos momentos mais felizes eu dizia: ‘Jamais hei de sofrer qualquer
desgraça!’ Honra e poder me concedia a vossa graça, mas escondestes vossa
face e perturbei-me” (Sl 29,7-8 – versão Liturgia das Horas). Uma dor intensa
costuma “esconder” a face de Deus de nós; é quando a imagem que tínhamos d’Ele
se desfigura dentro de nós.
Mas os textos bíblicos de hoje não
nos falam de desfiguração, e sim de transfiguração. Se toda e qualquer
experiência de desfiguração joga uma sombra escura em nossa vida, devemos olhar
para a face luminosa de Cristo, nosso Senhor; sua face transfigurada, resplandecente
da glória de Deus. Assim como fez com o profeta Daniel, Deus Pai nos faz
enxergar a história humana para além da sua atual desfiguração. Enquanto os reinos
humanos desfiguram a Terra e a vida de muitas pessoas, o Pai nos convida a
erguer os olhos e contemplar o seu trono, confiando que é Ele quem dirige a
história. Enquanto os reinos humanos agridem a vida, como animais brutais e
selvagens, o Pai entrega ao seu Filho o poder de humanizar a Terra. Justamente
por isso, Jesus vai assumir para si o título de “Filho do homem”, Aquele que
vem transfigurar as relações humanas.
Enquanto “Filho do homem”, Jesus entrou em
contato com todo tipo de dor que desfigura a vida do ser humano neste mundo.
Ele se deixou afetar pela desfiguração dos doentes, dos pecadores, dos
desesperados, dos condenados pela política e pela religião da sua época. Ao
mesmo tempo, Jesus sofreu a desfiguração suprema da morte de cruz: “(...) ele
não tinha mais figura humana e sua aparência não era mais a de um homem” (Is
52,14). Eis aí a descrição de extrema desfiguração que Jesus sofreu na cruz.
Consciente de que deveria enfrentar tal desfiguração, Jesus subiu à montanha
para rezar, levando consigo Pedro, Tiago e João, os mesmos apóstolos que, mais
tarde, veriam o rosto de Jesus desfigurado de agonia, no horto das Oliveiras
(cf. Mt 26,36-46).
“E foi transfigurado diante deles; o seu rosto
brilhou como o sol
e as suas roupas ficaram brancas como a luz” (Mt
17,2). A transfiguração que se operou em Jesus não foi provocada por ele, mas
pelo Pai. O Pai quis que seu Filho experimentasse antecipadamente a força da
Páscoa, para dar ao próprio Jesus e a nós, seus discípulos, a certeza de que aquilo
que nos aguarda no final do nosso caminho terreno não é a desfiguração da
morte, mas a transfiguração da ressurreição. Se hoje celebramos a
transfiguração de Jesus é para nos lembrar que “o mesmo Deus que disse: ‘Do
meio das trevas brilhe a luz!’, foi ele mesmo quem reluziu em nossos corações,
para fazer brilhar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de
Cristo. Trazemos, porém, esse tesouro em vasos de barro” (2Cor 4,6-7).
Nós, discípulos de Jesus, carregamos a luz da sua
transfiguração dentro de vasos de barro. Quem olha para nós vê apenas o vaso de
barro que somos, enquanto ignora o tesouro da transfiguração que portamos conosco, garantia da nossa ressurreição corporal (cf. Fl 3,20-21).
Quem não deve ignorar esse tesouro somos nós, que ainda temos um combate a
combater, enquanto percorremos trechos escuros em nossa vida pessoal e social,
situações de desfiguração, tendo o Evangelho da transfiguração de Jesus “como
lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a
estrela da manhã” (2Pd 1,19) em nossos corações!
Ao final dessa reflexão, podemos nos perguntar: quais
atitudes nossas desfiguram a vida à nossa volta e quais a transfiguram?
Atitudes que desfiguram: isolamento, egoísmo, indiferença para com os outros, a
decisão de silenciar ao invés de dialogar, fugir daquilo que nos cabe
enfrentar, tempo excessivo nas redes sociais, a decisão em não perdoar etc.
Atitudes que transfiguram: a decisão em dialogar e em perdoar, aproximar-se e
estar com os outros, envolver-se em causas sociais, confiar ao Pai nossas
angústias e preocupações diariamente pela oração, não girar em torno de si, interessar-se
em ajudar os outros etc.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
Nenhum comentário:
Postar um comentário