quinta-feira, 3 de agosto de 2023

O TESOURO DA TRANSFIGURAÇÃO FOI COLOCADO DENTRO DE VASOS DE BARRO

 Missa da Transfiguração do Senhor. Palavra de Deus: Daniel 7,9-10.13-14; 2Pedro 1,16-19; Mateus 17,1-9.

 

            A cada dia que nos olhamos no espelho, nos damos conta dos sinais de desfiguração. Sim; com o passar do tempo, vamos nos desfigurando: os cabelos vão ficando brancos, as rugas vão surgindo, os neurônios vão morrendo, as forças vão diminuindo, os limites vão aparecendo. A ciência, a tecnologia e a indústria dos cosméticos inventam uma série de produtos e técnicas para, quem sabe, retardar – muito mais do que isso, disfarçar, na tentativa de negar – o processo de desfiguração em nós. Mas não há nada que impeça a desfiguração de nos atingir.

            Mas a desfiguração física, corporal ou biológica não é nada, quando nos recordamos de que, “embora em nós, o homem exterior vá caminhando para a sua ruína, o homem interior se renova dia a dia...; pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno” (2Cor 4,16.18). Em outras palavras, não é com a desfiguração externa que devemos nos preocupar, mas com a interna: a desfiguração da nossa fé, da nossa esperança, do nosso amor, do nosso sentido de vida; a desfiguração de valores como fidelidade, honestidade, solidariedade, decência, empatia, compaixão etc.  

            Não há dúvida de que existem fatos que nos desfiguram emocional e espiritualmente: a doença ou a morte de uma pessoa que amamos, os conflitos na vida familiar ou no ambiente de trabalho, as más notícias, as injustiças sociais, a violência e a criminalidade etc. Resumindo, toda experiência de sofrimento pode gerar desfiguração em nossa alma. Para quantos de nós a imagem de Deus se desfigurou, depois de um acontecimento doloroso? “Nos momentos mais felizes eu dizia: ‘Jamais hei de sofrer qualquer desgraça!’ Honra e poder me concedia a vossa graça, mas escondestes vossa face e perturbei-me” (Sl 29,7-8 – versão Liturgia das Horas). Uma dor intensa costuma “esconder” a face de Deus de nós; é quando a imagem que tínhamos d’Ele se desfigura dentro de nós.

            Mas os textos bíblicos de hoje não nos falam de desfiguração, e sim de transfiguração. Se toda e qualquer experiência de desfiguração joga uma sombra escura em nossa vida, devemos olhar para a face luminosa de Cristo, nosso Senhor; sua face transfigurada, resplandecente da glória de Deus. Assim como fez com o profeta Daniel, Deus Pai nos faz enxergar a história humana para além da sua atual desfiguração. Enquanto os reinos humanos desfiguram a Terra e a vida de muitas pessoas, o Pai nos convida a erguer os olhos e contemplar o seu trono, confiando que é Ele quem dirige a história. Enquanto os reinos humanos agridem a vida, como animais brutais e selvagens, o Pai entrega ao seu Filho o poder de humanizar a Terra. Justamente por isso, Jesus vai assumir para si o título de “Filho do homem”, Aquele que vem transfigurar as relações humanas.

               Enquanto “Filho do homem”, Jesus entrou em contato com todo tipo de dor que desfigura a vida do ser humano neste mundo. Ele se deixou afetar pela desfiguração dos doentes, dos pecadores, dos desesperados, dos condenados pela política e pela religião da sua época. Ao mesmo tempo, Jesus sofreu a desfiguração suprema da morte de cruz: “(...) ele não tinha mais figura humana e sua aparência não era mais a de um homem” (Is 52,14). Eis aí a descrição de extrema desfiguração que Jesus sofreu na cruz. Consciente de que deveria enfrentar tal desfiguração, Jesus subiu à montanha para rezar, levando consigo Pedro, Tiago e João, os mesmos apóstolos que, mais tarde, veriam o rosto de Jesus desfigurado de agonia, no horto das Oliveiras (cf. Mt 26,36-46).  

“E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz” (Mt 17,2). A transfiguração que se operou em Jesus não foi provocada por ele, mas pelo Pai. O Pai quis que seu Filho experimentasse antecipadamente a força da Páscoa, para dar ao próprio Jesus e a nós, seus discípulos, a certeza de que aquilo que nos aguarda no final do nosso caminho terreno não é a desfiguração da morte, mas a transfiguração da ressurreição. Se hoje celebramos a transfiguração de Jesus é para nos lembrar que “o mesmo Deus que disse: ‘Do meio das trevas brilhe a luz!’, foi ele mesmo quem reluziu em nossos corações, para fazer brilhar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo. Trazemos, porém, esse tesouro em vasos de barro” (2Cor 4,6-7).

Nós, discípulos de Jesus, carregamos a luz da sua transfiguração dentro de vasos de barro. Quem olha para nós vê apenas o vaso de barro que somos, enquanto ignora o tesouro da transfiguração que portamos conosco, garantia da nossa ressurreição corporal (cf. Fl 3,20-21). Quem não deve ignorar esse tesouro somos nós, que ainda temos um combate a combater, enquanto percorremos trechos escuros em nossa vida pessoal e social, situações de desfiguração, tendo o Evangelho da transfiguração de Jesus “como lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a estrela da manhã” (2Pd 1,19) em nossos corações!

Ao final dessa reflexão, podemos nos perguntar: quais atitudes nossas desfiguram a vida à nossa volta e quais a transfiguram? Atitudes que desfiguram: isolamento, egoísmo, indiferença para com os outros, a decisão de silenciar ao invés de dialogar, fugir daquilo que nos cabe enfrentar, tempo excessivo nas redes sociais, a decisão em não perdoar etc. Atitudes que transfiguram: a decisão em dialogar e em perdoar, aproximar-se e estar com os outros, envolver-se em causas sociais, confiar ao Pai nossas angústias e preocupações diariamente pela oração, não girar em torno de si, interessar-se em ajudar os outros etc.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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