Missa do 2. dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 2,42-47; 1Pedro 1,3-9; João 20,19-31.
Estamos
diante da primeira aparição do Cristo ressuscitado aos seus discípulos. Ele os
encontra trancafiados pelo medo: “Estando
fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os
discípulos se encontravam, Jesus entrou...” (Jo 20,19).
Por medo de serem feridos ou decepcionados novamente, muitos fecharam a porta
da sua vida para o amor, para um novo relacionamento afetivo. Por medo de verem
seu filho sofrer e, quem sabe, ser morto pela violência do mundo, casais
decidiram fechar a porta para a fecundidade, optando por não terem filhos. Por medo
de enfrentar a vida com seus desafios, muitos adolescentes e jovens se fecham
na ansiedade, no pânico, na depressão (adoecimento psíquico). Por medo de
dialogar com o mundo, muitos evangelizadores vivem seu ministério fechados em
suas próprias igrejas, não levando o Evangelho aonde ele deveria chegar, por
ordem de Jesus.
A
boa notícia é que o Senhor ressuscitado atravessa nossas portas fechadas! Nenhum
fechamento nosso o impede de ter acesso a nós e nos ajudar a enfrentar os
nossos medos: “Jesus entrou e pondo-se no meio deles, disse: ‘A paz esteja
convosco’.
Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os
discípulos se alegraram
por verem o Senhor” (Jo 20,19-20). A paz que o Ressuscitado
nos concede, nasce da luta (mãos e o lado feridos da cruz) travada para tornar
melhor a nós mesmos e ao mundo. Essa paz não depende de que as coisas à nossa
volta nos sejam favoráveis, mas nasce da convicção de que a nossa vida está nas
mãos do Pai. Seus desígnios de amor e de salvação se cumprirão, ainda que
alguns acontecimentos momentâneos pareçam negar essa verdade.
Talvez muitos se perguntem por que não
sentem essa paz que o Ressuscitado concede à sua Igreja. Santo Inácio de Loyola
discerniu que a paz só surge em nós quando escolhemos viver segundo a vontade
de Deus. Toda vez que nos afastamos dessa vontade, perdemos nossa paz; toda vez
que alinhamos nosso coração ao que Deus pede de nós naquele determinado momento,
voltamos a sentir paz. Além disso, a paz também depende da consciência e do
respeito aos nossos limites, o que significa dizer “não” ao nosso próprio ego e,
sobretudo, às pessoas que não respeitam nossos limites.
Além de nos trazer paz, o Ressuscitado
nos concede o dom do Espírito Santo. Ele já havia sido prometido a nós antes de
Jesus morrer na cruz (cf. Jo 14,15-17.26; 15,26; 16,7-11). Segundo o próprio
Jesus, o Espírito Santo é nosso advogado, defensor, a força do alto que nos
sustenta em nossas lutas (sobretudo espirituais), Aquele que nos conduzirá à
verdade plena. Só através do Espírito Santo podemos experimentar o Ressuscitado
junto de nós, assim como a presença do Pai em nós. Enfim, como afirma o
apóstolo Paulo, devemos saber que não recebemos um espírito de medo, mas de
força (cf. 2Tm 1,7). Ele é a garantia da nossa ressurreição (cf. Ef 1,13-14; Rm
8,11).
Mas
esse oitavo dia após a Páscoa tem ainda uma outra razão de ser: nossa fé está
ferida. Tomé não estava com os outros
discípulos quando Jesus veio... “Se eu não vir a marca dos
pregos em suas mãos,
se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25). Tomé
exige uma revelação particular, uma experiência pessoal. Não lhe basta o testemunho
da Igreja (anúncio da Palavra). Isso é compreensível e acontece com qualquer um
de nós. Todos nós precisamos ter um encontro pessoal com Jesus. O problema é
que ninguém pode produzir no outro o dom da fé. Esse dom só pode ser concedido
pelo Pai: “Ninguém vem a mim, se o Pai que me enviou não o atrair” (Jo 6,44).
Jesus não nega a Tomé o que ele
sente que necessita para crer, mas lhe faz uma advertência: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende
a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas
incrédulo, mas fiel”
(Jo 20,27). Não seja incrédulo! Não condicione a sua fé ao ver, ao entender, ao
tocar, ao sentir. Não se escandalize pelo fato de sua fé ser uma fé ferida,
pois eu, ressuscitado, trago em meu corpo glorificado as feridas da minha cruz.
Minha Igreja é uma Igreja ferida, porque só uma Igreja ferida pode se compadecer
e se colocar junto às pessoas feridas. Eu, o seu Senhor e Salvador, sou um Deus
ferido, porque só um Deus ferido pode salvar uma humanidade ferida. Só uma
pessoa que passou pela dor tem uma palavra significativa para falar a quem está
na dor.
Muitas situações ferem a nossa fé. Pais
foram feridos pela morte do filho; casais foram feridos pelo fim do
relacionamento; filhos foram feridos pela separação dos seus pais; crianças
foram feridas pela ausência paterna ou materna, ou, pior ainda, por abusos sexuais;
famílias são diariamente feridas pela dependência química, pela agressão física
ou verbal, pelo empobrecimento e pela fome; as novas gerações estão feridas
pelo adoecimento provocado pelo vício nas redes sociais; escolas estão feridas
por ideologias extremistas; enfim, nossa sociedade está ferida pelo ódio e pela
crença na força destrutiva das armas.
Diante
das feridas da nossa fé, devemos saber que estamos “guardados para a salvação
que deve manifestar-se nos últimos tempos. Isto é motivo
de alegria para vós, embora seja necessário que
agora fiqueis por algum tempo aflitos, por causa de
várias provações”
(1Pd 1,5-6). Mesmo sem ver Jesus ressuscitado, nós cremos na sua presença junto
a nós. “Isto será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa, pois obtereis aquilo em que
acreditais:
a vossa salvação” (1Pd 1,9). Por isso, agradeçamos ao
Ressuscitado por falar ao Tomé que habita em cada um de nós. Além disso,
acolhamos a sua advertência: “Acreditaste, porque me
viste?
Felizes os que creram sem terem visto!” (Jo 20,29).
Não,
eu não andei, sobre as águas não andei. Nem pude transpor as montanhas com
minha fé. Não, eu não te vi, como tantos dizem ver. Eu não te senti, como dizem
te sentir. Mas mesmo assim estou aqui insistindo em te encontrar. Vivo não pelo
que os olhos podem ver, mas vivo por acreditar. E eu sei...
Sei
que tu estás aqui, sei que estás perto de mim, Jesus, Jesus!
Não
eu não achei as respostas que busquei. E ninguém me viu como só Você me vê. Mas
mesmo assim estou aqui insistindo em te encontrar. Vivo não pelo que os olhos
podem ver, mas vivo por acreditar. E eu sei, eu sei...
https://www.youtube.com/watch?v=s5ZbfqV3ZIM
(Vivo por acreditar – Gil Monteiro).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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