quinta-feira, 13 de abril de 2023

UMA FÉ FERIDA PARA FALAR ÀS PESSOAS FERIDAS

Missa do 2. dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 2,42-47; 1Pedro 1,3-9; João 20,19-31.

 

            Estamos diante da primeira aparição do Cristo ressuscitado aos seus discípulos. Ele os encontra trancafiados pelo medo: “Estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou...” (Jo 20,19). Por medo de serem feridos ou decepcionados novamente, muitos fecharam a porta da sua vida para o amor, para um novo relacionamento afetivo. Por medo de verem seu filho sofrer e, quem sabe, ser morto pela violência do mundo, casais decidiram fechar a porta para a fecundidade, optando por não terem filhos. Por medo de enfrentar a vida com seus desafios, muitos adolescentes e jovens se fecham na ansiedade, no pânico, na depressão (adoecimento psíquico). Por medo de dialogar com o mundo, muitos evangelizadores vivem seu ministério fechados em suas próprias igrejas, não levando o Evangelho aonde ele deveria chegar, por ordem de Jesus.

            A boa notícia é que o Senhor ressuscitado atravessa nossas portas fechadas! Nenhum fechamento nosso o impede de ter acesso a nós e nos ajudar a enfrentar os nossos medos: “Jesus entrou e pondo-se no meio deles, disse: ‘A paz esteja convosco’. Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor” (Jo 20,19-20). A paz que o Ressuscitado nos concede, nasce da luta (mãos e o lado feridos da cruz) travada para tornar melhor a nós mesmos e ao mundo. Essa paz não depende de que as coisas à nossa volta nos sejam favoráveis, mas nasce da convicção de que a nossa vida está nas mãos do Pai. Seus desígnios de amor e de salvação se cumprirão, ainda que alguns acontecimentos momentâneos pareçam negar essa verdade.

            Talvez muitos se perguntem por que não sentem essa paz que o Ressuscitado concede à sua Igreja. Santo Inácio de Loyola discerniu que a paz só surge em nós quando escolhemos viver segundo a vontade de Deus. Toda vez que nos afastamos dessa vontade, perdemos nossa paz; toda vez que alinhamos nosso coração ao que Deus pede de nós naquele determinado momento, voltamos a sentir paz. Além disso, a paz também depende da consciência e do respeito aos nossos limites, o que significa dizer “não” ao nosso próprio ego e, sobretudo, às pessoas que não respeitam nossos limites.   

            Além de nos trazer paz, o Ressuscitado nos concede o dom do Espírito Santo. Ele já havia sido prometido a nós antes de Jesus morrer na cruz (cf. Jo 14,15-17.26; 15,26; 16,7-11). Segundo o próprio Jesus, o Espírito Santo é nosso advogado, defensor, a força do alto que nos sustenta em nossas lutas (sobretudo espirituais), Aquele que nos conduzirá à verdade plena. Só através do Espírito Santo podemos experimentar o Ressuscitado junto de nós, assim como a presença do Pai em nós. Enfim, como afirma o apóstolo Paulo, devemos saber que não recebemos um espírito de medo, mas de força (cf. 2Tm 1,7). Ele é a garantia da nossa ressurreição (cf. Ef 1,13-14; Rm 8,11).

            Mas esse oitavo dia após a Páscoa tem ainda uma outra razão de ser: nossa fé está ferida. Tomé não estava com os outros discípulos quando Jesus veio... “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25). Tomé exige uma revelação particular, uma experiência pessoal. Não lhe basta o testemunho da Igreja (anúncio da Palavra). Isso é compreensível e acontece com qualquer um de nós. Todos nós precisamos ter um encontro pessoal com Jesus. O problema é que ninguém pode produzir no outro o dom da fé. Esse dom só pode ser concedido pelo Pai: “Ninguém vem a mim, se o Pai que me enviou não o atrair” (Jo 6,44).

            Jesus não nega a Tomé o que ele sente que necessita para crer, mas lhe faz uma advertência: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel” (Jo 20,27). Não seja incrédulo! Não condicione a sua fé ao ver, ao entender, ao tocar, ao sentir. Não se escandalize pelo fato de sua fé ser uma fé ferida, pois eu, ressuscitado, trago em meu corpo glorificado as feridas da minha cruz. Minha Igreja é uma Igreja ferida, porque só uma Igreja ferida pode se compadecer e se colocar junto às pessoas feridas. Eu, o seu Senhor e Salvador, sou um Deus ferido, porque só um Deus ferido pode salvar uma humanidade ferida. Só uma pessoa que passou pela dor tem uma palavra significativa para falar a quem está na dor.

            Muitas situações ferem a nossa fé. Pais foram feridos pela morte do filho; casais foram feridos pelo fim do relacionamento; filhos foram feridos pela separação dos seus pais; crianças foram feridas pela ausência paterna ou materna, ou, pior ainda, por abusos sexuais; famílias são diariamente feridas pela dependência química, pela agressão física ou verbal, pelo empobrecimento e pela fome; as novas gerações estão feridas pelo adoecimento provocado pelo vício nas redes sociais; escolas estão feridas por ideologias extremistas; enfim, nossa sociedade está ferida pelo ódio e pela crença na força destrutiva das armas.  

            Diante das feridas da nossa fé, devemos saber que estamos “guardados para a salvação que deve manifestar-se nos últimos tempos. Isto é motivo de alegria para vós, embora seja necessário que agora fiqueis por algum tempo aflitos, por causa de várias provações” (1Pd 1,5-6). Mesmo sem ver Jesus ressuscitado, nós cremos na sua presença junto a nós. “Isto será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa, pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação” (1Pd 1,9). Por isso, agradeçamos ao Ressuscitado por falar ao Tomé que habita em cada um de nós. Além disso, acolhamos a sua advertência: “Acreditaste, porque me viste? Felizes os que creram sem terem visto!” (Jo 20,29).

Não, eu não andei, sobre as águas não andei. Nem pude transpor as montanhas com minha fé. Não, eu não te vi, como tantos dizem ver. Eu não te senti, como dizem te sentir. Mas mesmo assim estou aqui insistindo em te encontrar. Vivo não pelo que os olhos podem ver, mas vivo por acreditar. E eu sei...

Sei que tu estás aqui, sei que estás perto de mim, Jesus, Jesus!

Não eu não achei as respostas que busquei. E ninguém me viu como só Você me vê. Mas mesmo assim estou aqui insistindo em te encontrar. Vivo não pelo que os olhos podem ver, mas vivo por acreditar. E eu sei, eu sei...

 

https://www.youtube.com/watch?v=s5ZbfqV3ZIM (Vivo por acreditar – Gil Monteiro).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

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