Missa da Vigília Pascal. Palavra de Deus: Gênesis 1,1.26-31a; Êxodo 14,15-15,1; Isaías 55,1-11; Romanos 6,3-11; Mateus 28,1-10
“Eu
espero, Senhor, eu espero com toda a minha alma, esperando tua palavra; minha
alma aguarda o Senhor mais que os guardas pela aurora” (Sl 130,5-6). Estas
palavras do salmista revelam o significado desta noite: estamos em Vigília,
estamos participando da Mãe de todas as vigílias, esperando pela Palavra da
ressurreição; estamos esperando pelo Senhor ressuscitado mais do que os vigias
esperam pela aurora, isto é, pelo fim da noite e pelo nascimento do novo dia.
Esta
é a noite de todas as noites, a grande noite da Páscoa. Nesta noite, o Senhor
se dirige a nós como se dirigiu a Israel na noite da saída do Egito: “Diga aos
filhos de Israel que se ponham em marcha” (Ex 14,15). Por que Deus quer que nos
coloquemos em marcha? Porque somos um povo pascal, porque somos pessoas
pascais, porque a cada dia devemos fazer uma passagem: a passagem da escravidão
para a liberdade, do pecado para a graça, da morte para a vida. Mas como
colocar-se em marcha? Como fazer a passagem, se o caminho está obstruído, se
diante de nós há um imenso mar, uma imensa dificuldade que nos parece
impossível de atravessar, de vencer?
É
a Palavra do Senhor que nos abre o caminho, para que possamos passar. Quando
Israel estava no exílio da Babilônia (séc. VI aC), e não via mais como passar,
como sair da desolação em que se encontrava, Deus dirigiu a sua Palavra àquele
povo para lembrá-lo de que Ele é o Criador, Aquele que fez todas as coisas e as
mantém com o poder da sua Palavra (cf. Gn 1,1–2,2), Aquele que iniciou sua obra
em cada um de nós, e a quem nos dirigimos pedindo: “Senhor, eu vos peço: não
deixeis inacabada esta obra que fizeram vossas mãos” (Sl 138,8). Por isso, a
imagem do paraíso, descrita na primeira leitura, não é saudade de um passado
que não voltará mais, mas esperança de um futuro que será criado por Deus, que
tem por desígnio restaurar todas as coisas em seu Filho Jesus (cf. Ef 1, 9-10;
Cl 1,19-20).
O
texto bíblico que ilumina especialmente esta noite de Páscoa é a libertação de
Israel do Egito, uma libertação sofrida e obtida graças à parceria entre Moisés
e Deus, uma forma de nos tornar conscientes de que nós só podemos ser libertos
quando nos dispomos a fazer a nossa parte, confiando que Deus fará a d’Ele para
nos retirar da situação de escravidão e morte e nos levar para uma situação de
liberdade e vida.
A
passagem pelo mar Vermelho nos lembra que não existe passagem sem luta, sem
enfrentar o medo e a dor. Mas nós nunca estamos sozinhos nesta passagem: Deus
está conosco! É Ele quem nos faz passar! Como fez com Israel, Ele se coloca
junto a nós, na imagem da nuvem, tenebrosa para os egípcios, mas luminosa para
os israelitas. Sempre que você se propõe a passar da morte para a vida, vai
sentir-se perseguido por uma nuvem de medo e de ameaça, tentando convencê-lo de
que a passagem não vai dar certo, a travessia não vai funcionar. Não preste
atenção a essa nuvem tenebrosa que está atrás de você. Mantenha o seu olhar na
nuvem luminosa, que é o próprio Deus a sustentar seus passos na travessia que
você está fazendo. A Páscoa é obra d’Ele em sua vida, e Ele nunca começa uma
obra, para depois abandoná-la pela metade (cf. Fl 1,6).
Esse
mesmo Deus e Senhor nos faz um convite: ‘Quem está com sede, venha para as
águas! Quem está com fome, venha comer! Não é necessário pagar pela bebida, nem
pela comida, porque a minha salvação é dom, é graça, e não mérito de alguma
pessoa!’ Para ser salvo, basta ter sede, basta ter fome; não é preciso
dinheiro, nem mérito, nem uma vida irrepreensível. Somente é preciso se dispor
a buscar o Senhor todos os dias: “Buscai o Senhor, enquanto pode ser achado;
invocai-o, enquanto ele está perto” (Is 55,6). Além disso, é preciso
compreender que a maneira de Deus agir em nossa vida muitas vezes nada tem a
ver com as nossas expectativas: “Meus pensamentos não são como os vossos
pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos” (Is 55,8). Mesmo
não compreendendo a maneira de Deus agir em nosso favor ou em favor da
humanidade, é importante confiar na sua palavra, pois Ele garante: “... a
palavra que sair de minha boca: não voltará para mim vazia; antes, realizará
tudo que for de minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi, ao enviá-la”
(Is 55,11).
São
Paulo apóstolo nos lembra, nesta noite pascal, que a força da Páscoa de Cristo
nos foi concedida no momento do nosso batismo. Graças ao batismo, nós pudemos
nos tornar semelhantes a Jesus Cristo na sua morte, para que um dia nos
tornemos semelhantes a ele na sua ressurreição. Viver como batizados significa assumir
o compromisso de fazer morrer em nós o nosso velho homem, aquelas atitudes que
nos mantém presos ao nosso pecado. Se queremos ressuscitar com Cristo para uma
vida nova, primeiro é preciso morrer com Ele, crucificando o nosso pecado.
Somente quando aceitamos nos identificar com Cristo por uma morte semelhante à
sua é que podemos nos identificar com Ele por uma ressurreição semelhante à
Sua. Sem a nossa disposição em fazer morrer o nosso pecado, não podemos experimentar
a alegria da ressurreição de Cristo.
Nesta
noite de vigília o Evangelho nos transporta para “depois do sábado”. Depois do
grande silêncio de Deus, da Sua aparente indiferença para com o sofrimento de
todos os crucificados do nosso tempo, tem início uma nova semana. Mas nós nos
perguntamos: Como recomeçar a vida depois que a morte sepultou consigo as
nossas esperanças?
As duas mulheres vão ver o sepulcro
são surpreendidas por um grande tremor de terra. Quantos tremores de terra já nos
surpreenderam ao longo da vida? Como falar de ressurreição diante desses
“tremores de terra” que abalam a nossa fé? Mas o forte tremor de terra que as
mulheres ouviram foi o sinal claro da intervenção de Deus na morte de Jesus: o
anjo do Senhor desceu e retirou a pedra que lacrava o sepulcro, não para que
Jesus saísse, e sim para que as mulheres pudessem entrar e constatar que Ele
não estava ali, pois havia ressuscitado: “Sei que procurais Jesus, que foi
crucificado. Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde ver o lugar
em que ele estava” (Mt 28,5-6).
Na maioria das vezes, nós
interpretamos os tremores de terra como experiências onde somos soterrados,
onde grandes pedras caem sobre nós e esmagam nossos sonhos, sepultando nossas
esperanças. Mas quando o nosso Deus permite que o chão da nossa vida se abale
não é para nos fazer sentir medo. Pelo contrário. Tanto o anjo do Senhor quanto
o próprio Jesus ressuscitado disseram às mulheres: “Não tenham medo!” Deus só
permite os “tremores de terra” quando eles nos ajudam a despertar do sono da
morte, quando eles quebram aquilo que se endureceu dentro de nós, quando eles
arrebentam as grandes pedras que nós mesmos colocamos ou permitimos que os
outros colocassem na entrada da nossa própria sepultura, onde permanecemos
enterrados junto com os nossos medos.
Nesta Vigília Pascal o Senhor
Ressuscitado vem ao encontro de cada um de nós, como foi ao encontro das mulheres,
e nos diz: “Alegrai-vos! Não tenhais medo!” A morte vai continuar a existir,
mas ela não tem mais poder sobre nós. Ela pode apenas ferir o nosso corpo, mas
não pode matar a nossa fé, a nossa esperança e o nosso amor. Diante de todos os
tremores que possam acontecer na história da humanidade, nós prosseguimos
confiantes em nossa travessia, em nosso seguimento de Jesus Cristo, morto e
ressuscitado, levando em nosso coração a Palavra do seu Deus e nosso Deus, do
seu Pai e nosso Pai: “Podem os montes recuar e as colinas abalar-se, mas minha
misericórdia não se apartará de ti, nada fará mudar a aliança de minha paz, diz
o teu misericordioso Senhor” (Is 54,10).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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