Missa do 1º dom. da Quaresma. Palavra de Deus: Gênesis 2,7-9; 3,1-7; Romanos 5,12-19; Mateus 4,1-11.
No
mundo de hoje ainda é possível falar em pecado? Quando levamos em conta que a
maioria das pessoas está correndo atrás da sua sobrevivência, enquanto que uma
minoria corre atrás da satisfação dos seus caprichos egoístas, falar sobre
pecado parece não ter serventia alguma. Mesmo dentro das nossas igrejas, a
ideia de pecado não encontra um consenso. Enquanto alguns pregadores insistem
no pecado reduzindo-o ao campo moral individual, outros insistem na sua dimensão
social quando, na realidade, ele é os dois.
No
salmo 51,6 encontramos uma definição clara do que seja o pecado: “Foi contra vós, só contra vós, que eu pequei, e pratiquei o que é mau
aos vossos olhos!”. Não somos nós quem definimos o que é ou não pecado, mas o
próprio Deus. Pecado é toda atitude nossa que é má aos seus olhos, ou seja,
aquilo que não é correto, nem justo, nem bom, segundo a maneira de Deus
entender a vida. Portanto, a pergunta que devemos nos fazer não é se tal
situação é boa ou não para nós, mas como Deus a vê; se ela vai fazer bem a nós e
aos outros, ou se vai causar mal a ambos.
“A mulher viu
que seria bom comer da árvore, pois era atraente para os
olhos
e desejável para se alcançar conhecimento. E colheu um fruto,
comeu e deu também ao marido, que estava com ela, e ele comeu” (Gn 3,6). O pecado é exatamente isso: atraente e desejável.
Ele nunca se apresenta a nós sob a aparência de mal, de sofrimento ou de injustiça,
mas sob a aparência de algo que nos atrai e seduz, principalmente, sob a
aparência de algo que nos fará bem, ainda que seja um bem provisório ou
enganador. Em outras palavras, ninguém peca procurando ser infeliz. É
justamente o contrário: nós pecamos porque queremos ser felizes, ainda que essa
felicidade tenha como consequência a infelicidade de outras pessoas ou, num
âmbito maior, da própria criação.
Segundo
o apóstolo Paulo, todo pecado produz morte na pessoa que peca e no mundo em que
ela se encontra: “O pecado entrou no mundo por um só homem. Através do pecado, entrou a morte. E a morte
passou para todos os homens, porque todos pecaram” (Rm
5,12). O relato bíblico do pecado de Adão e Eva é simbólico: quer apenas servir
de espelho para que cada um de nós se veja e reveja suas atitudes. Todos nós,
seres humanos, temos a tendência a buscar aquilo que nos interessa, aquilo que
ainda não experimentamos e ainda não temos. É uma tendência nossa não aceitar
os limites que Deus nos impõe e reclamar que Ele poderia nos ter dado mais.
Principalmente no mundo atual, nós estamos de olho naquilo que (ainda) não
temos – o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal – ao invés de
enxergarmos e valorizarmos aquilo que temos – podemos comer do fruto de todas
as demais árvores! É assim que funciona o consumismo e é assim que introduzimos
problemas desnecessários em nossa vida.
Mas,
em meio a tudo isso, temos uma boa notícia! O Evangelho nos ensina que nós
temos a liberdade de não pecar, e a chave está na forma como lidamos com as
tentações que nos levam a pecar. “O Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo” (Mt 4,1). Assim começa a Quaresma de Jesus
e a nossa: o Espírito Santo, que é o Espírito da Verdade, quer provocar um
encontro entre nós e as nossas tentações, para aprendermos a exercitar a nossa
liberdade de filhos de Deus. O Espírito Santo quer nos ensinar a lidar com as
nossas carências (“transformar pedras em pão”); quer também nos devolver a
consciência de que somos responsáveis pela forma como conduzimos a nossa vida (“atire-se
daqui para baixo”); quer, enfim, nos libertar da dependência do maior de todos
os ídolos deste mundo, que é o dinheiro (“eu te darei tudo isso”).
Diante
da fome que Jesus sente, por causa do jejum de quarenta dias, o diabo o tenta a
resolvê-la de forma mágica, transformando pedras em pães. Sempre haverá alguma
área da nossa vida onde não estamos plenamente satisfeitos. O que faremos com
essa insatisfação? Jogaremos fora os nossos valores em nome de preencher o
buraco que sentimos dentro de nós, ou entenderemos que, mais importante do que
buscar a satisfação de todas as nossas necessidades, precisamos aprender a
suportar ausências em nome de um projeto de vida, de um ideal, de um valor que
dá sentido à nossa vida?
Diante
da mania que nós, seres humanos, temos de agir por impulso, sem pensar nas
consequências, ou responsabilizando Deus, a vida, os outros ou o Universo, pela
nossa “falta de sorte”, o Espírito Santo nos coloca diante de Jesus, que
escolheu viver sua vida com responsabilidade, não abusando da sua condição de
Filho de Deus. Ter um comportamento autodestrutivo e, depois das consequências
do mesmo, clamar a Deus que nos tire da situação em que nós mesmos nos
colocamos é ser irresponsável. Não dá pra caminhar na vida semeando confusão,
ao mesmo tempo em que pedimos a Deus que nos ajude a experimentar serenidade e
paz.
Mas
a maior das tentações se encontra aqui: “Eu lhe darei tudo isso” (Mt 4,9a). Quem
é que hoje nos faz essa promessa de termos tudo o que queremos? O dinheiro.
Quem tem muito dinheiro compra tudo o que deseja. O único problema é o preço
que se paga por isso: “Se você se ajoelhar diante de mim, para me adorar” (Mt
4,9b). Quantas pessoas você conhece que estão ajoelhadas, caídas, prostradas, sendo
sugadas na sua saúde física e emocional, para ganhar mais dinheiro do que já
têm, pagando o preço de perderam a saúde, a família e a própria alma, uma vez
que não têm tempo para cuidar do espiritual? Quanta destruição provocada pelas
guerras, pelo tráfico de drogas, pela corrupção política, pelo desmatamento,
pela poluição dos rios, pela exposição à morte de povos indígenas, tudo isso
por um único motivo: ganhar mais dinheiro...
Os defensores da Teologia da
Prosperidade gostam de afirmar que, na Bíblia, existem mais de 2.500 promessas
de prosperidade material. No entanto, eles se esquecem, ou fazem de conta que não
sabem, que quem prometeu a Jesus toda a riqueza e toda a glória do mundo foi o
diabo, e não o Pai. Se não queremos nos tornar filhos do diabo, não nos
esqueçamos daquilo que o Espírito Santo disse por meio do apóstolo Paulo: “A
raiz de todos os males é o amor ao dinheiro” (1Tm 6,10). O dinheiro é, em si
mesmo, diabólico. A única forma de exorcizá-lo é utilizá-lo para diminuir as
desigualdades sociais, de forma que todos tenham um trabalho digno, um salário
justo e pão* em suas mesas.
*
“As raízes da fome estão, especialmente, na distribuição iníqua da renda e das
riquezas, que se concentram nas mãos de poucos, deixando, na pobreza, enormes
contingentes populacionais nas periferias urbanas e nas áreas rurais... Entregue
à lógica do jogo de concorrência que lhe é própria, o mercado premia os fortes
e pune os fracos, aumenta o desemprego e oferece remuneração tão baixa aos
trabalhadores e à maioria dos aposentados que não lhes permite adquirir
alimento para uma subsistência saudável” (Texto base da Campanha da
Fraternidade 2023, n.54, p.35).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi