Missa do 6. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 15,16-21; 1Coríntios 2,6-10; Mateus 5,20-32 (texto resumido).
Algumas
pessoas acreditam que quando você nasce, o seu destino já está traçado, ou
seja, tudo já está predeterminado; você tem apenas que cumprir o seu destino.
No entanto, a Palavra de Deus que ouvimos hoje nos mostra justamente o
contrário: quando você nasce, a vida está diante de você como um caderno em
branco. Sua história e seu destino serão escritos a partir da sua liberdade de
fazer escolhas e de tomar decisões. É essa liberdade que aparece em destaque na
leitura do Eclesiástico: “Diante de ti, Ele (Deus) colocou o fogo e a água; para o que quiseres, tu podes estender a mão. Diante do homem estão a vida e a morte, o bem e o mal; ele receberá aquilo que preferir” (15,17-18). Em outras palavras, o que
define a sua vida, o seu destino, não são as coisas que acontecem com você, mas
a maneira como você escolhe lidar com aquilo que lhe acontece.
Jesus
também entende que a coisa mais preciosa que temos é a nossa liberdade de nos
posicionar diante de tudo aquilo que nos afeta. Justamente porque somos livres,
nós podemos escolher entre simplesmente reagir ao que nos acontece ou escolher
como queremos lidar com aquilo que nos acontece. Um exemplo muito claro: a
raiva. Ela surge em nós sem a nossa escolha, mas como consequência de uma
injustiça ou um “ataque” que sofremos por parte de alguém. Embora nós
consideremos a raiva como um pecado, ela é apenas uma emoção, uma espécie de
instinto de defesa que surge em nós quando estamos sendo feridos por alguém.
A
reação mais natural, instintiva, da nossa raiva é “matar” quem está nos
atacando, nos prejudicando. Jesus nos torna conscientes de que esse “matar” se
expressa em nossas palavras, carregadas de raiva ou mesmo de ódio. Essa raiva
tem que ser enfrentada. Cada um de nós tem que decidir o que fazer com ela: ou deixá-la
nos transformar em “assassinos” (essa pessoa para mim morreu!), ou usá-la como
força para nos posicionar diante da pessoa e ter um diálogo franco com ela, para
que repense suas atitudes. Quando não resolvemos a raiva que está dentro de
nós, ela se transforma numa prisão: nós prendemos a pessoa que nos feriu dentro
de nós e ficamos bebendo todos os dias o veneno do ressentimento.
Jesus
entende que a religião – a nossa busca de comunhão com Deus – passa necessariamente
pela nossa reconciliação com a pessoa que nos feriu. Não existe verdadeiro
encontro com Deus quando a pessoa decide romper definitivamente sua comunhão
com o próximo: “(...) vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão. Só então vai apresentar a tua oferta” (Mt 5,24). Quando nós tentamos usar
a nossa religião para nos manter afastados de quem nos feriu, Deus nos
pergunta: “Onde está teu irmão?” (Gn 4,9), isto é, “quando é que você vai
encarar a raiva que está dentro de você?”.
Enquanto
a raiva nos distancia das pessoas, o desejo nos aproxima delas. Todos nós temos
nossa afetividade e nossa sexualidade. Elas estão inscritas em nossa natureza
humana e falam conosco o tempo todo, tornando-nos conscientes de que não somos
nós que escolhemos sentir desejo por uma pessoa, embora caiba a nós a responsabilidade
de nos posicionar diante desse desejo. Enquanto a nossa geração é incentivada a
deixar-se arrastar pelas emoções, ignorando a própria consciência, Jesus nos recorda
que o pecado não está no sentir, mas no consentir. Uma coisa é sentir atração
por uma pessoa – nós não escolhemos isso; outra coisa é consentir que o desejo
nos leve a traçar uma estratégia para termos a pessoa para nós.
“O
que os olhos não veem, o coração não sente”. O desejo entra em nós pelos olhos,
e aqui precisamos distinguir o olhar acidental do olhar proposital: ver uma
pessoa que por acaso passou na minha frente é muito diferente de procurar fotos
e vídeos dela na Internet. Quando o meu olhar é acidental, a minha liberdade em
escolher como lidar com o que estou sentindo permanece firme e intacta, mas
quando o meu olhar é intencional, a minha liberdade fica comprometida. Não dá
para brincar com fogo e não querer se queimar. Não dá pra “emparedar” a nossa
liberdade e achar que na hora H nós conseguimos controlar nosso desejo e não
pecar.
Em
nome do fortalecimento da nossa liberdade, Jesus nos propõe dar cortes em nós
mesmos, o que significa frustrar o nosso desejo. Precisamos aprender a
identificar as ocasiões de pecado, a tomar consciência de onde fica o nosso
ponto fraco e a não brincar com ele. Cada um precisa saber aonde costuma cair e
evitar dar espaço para a queda. É na frustração do desejo que se revela o
quanto somos maduros ou imaturos: uma pessoa afetivamente imatura é incapaz de
dizer “não” a si mesma; não aceitando perder nenhuma ocasião de prazer, ela não
alcança nenhum objetivo na vida, porque comporta-se como uma folha seca que o
vento do desejo arrasta para onde quer.
Enfim,
Jesus nos alerta para o estrago que é uma vida regida pelo desejo de gozar, de
desfrutar, de ser feliz de maneira egoísta: a destruição dos relacionamentos, a
destruição da família. Não existe vínculo de amor que sobreviva ao egoísmo e à
imaturidade de quem não sabe dizer “não” a si mesmo, em lugar de dizer “sim” a
um projeto de vida chamado casamento, família. Se o adultério hoje tem se
tornado regra e não exceção é devido à infantilização dos adultos que escolhem
se comportar como adolescentes que não sabem como lidar com suas paixões e
pulsões. O não aceitar ferir-se, frustrando seu próprio desejo, tem como
consequência o ferir a família, o casamento, seu e da outra pessoa.
A
disseminação do adultério no mundo atual não é sinal de uma sociedade livre da “pressão”
ou do “controle” da religião, mas de uma sociedade formada por pessoas cuja
sexualidade foi reduzida ao erótico, sem nenhuma vontade de tornar-se “amor que
tudo desculpa, tudo acredita, tudo espera e tudo suporta” (cf. 1Cor 13,7). A
recomposição do casamento e da família, assim como a redenção da nossa afetividade
e da nossa sexualidade, passam por uma necessária purificação do nosso olhar,
por um diálogo sério com os nossos desejos e sentimentos, e pelo fortalecimento
da nossa liberdade. Quando pararmos de sabotá-la, de emparedá-la, ela surgirá
como caminho de cura e reconstrução de nós mesmos e dos nossos relacionamentos.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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