quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

EU VIVO COMO UM CRISTÃO OU COMO UM PAGÃO?

 Missa do 7. dom. comum. Palavra de Deus: Levítico 19,1-2.17-18; 1Coríntios 3,16-23; Mateus 5,38-48.

 

            Quantas pessoas você já bloqueou, cancelou ou excluiu dos seus contatos nas suas redes sociais (Whatsapp, Facebook, Instagram)? Cancelar, excluir ou bloquear pessoas tornou-se muito comum, nas redes sociais. É uma atitude que fazemos sem nenhum peso na consciência: basta que a pessoa manifesta um pensamento contrário ao nosso; basta que ela emita uma opinião diferente da nossa ou que faça uma crítica a alguma postagem nossa.

            De onde vem essa incapacidade de conviver com o diferente? Da própria Internet. Ela está programada de tal forma que, ao identificar nossos gostos, preferências e opiniões, nos envia automaticamente conteúdos que confirmam o nosso ponto de vista e jamais nos mostre o contrário. Desse modo, quem tem uma tendência para a esquerda, só vai receber conteúdos “de esquerda”; quem tem uma tendência para a direita, só vai receber conteúdos “de direita”. O resultado disso se chama “bolha”: nós ficamos dialogando sempre com pessoas que pensam igual a nós e nos tornamos incapazes de dialogar e conviver com quem pensa diferente de nós. A “bolha” nos fecha em nossa visão de mundo e nos impede de alargar a nossa compreensão a respeito da realidade que nos cerca, que é sempre muito maior do que aquilo que conseguimos enxergar.

            A incapacidade de conviver ou de ouvir aquele que pensa diferente de nós tem um nome: ódio. O ódio é um muro que nós levantamos para nos separar da pessoa que não faz parte da nossa bolha, seja essa bolha a cor da nossa pele, a nossa condição social, a orientação da nossa sexualidade, o nosso time de futebol, o nosso partido político, a nossa igreja, a nossa visão de mundo etc. Se, então, o ódio tem se tornado comum em nosso dia a dia, Deus nos alerta, na sua Palavra: “Não tenhas no coração ódio contra teu irmão. Repreende o teu próximo, para não te tornares culpado de pecado por causa dele. Não procures vingança, nem guardes rancor... Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,17-19).

            Para nós, que vivemos uma época de acentuação da polarização – os da direita e os da esquerda se odeiam mutuamente –, Jesus chama a atenção para uma outra diferença muito mais séria: ‘Vocês vivem como cristãos ou como pagãos?’. Enquanto os pagãos agem a partir dos próprios instintos, o cristão é chamado a agir a partir da sua consciência. Enquanto os pagãos são incapazes de gratuidade – ajudam apenas aqueles que os ajudam –, o cristão é chamado a viver a partir da gratuidade, a exemplo do Pai do Céu, que faz brilhar o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos, porque Ele ama a todos (cf. Mt 5,45).

            Na época de Jesus, a religião havia feito uma redução quanto ao mandamento do amor ao próximo: “Amarás o teu próximo e não terás a obrigação de amar o teu inimigo”. Jesus eliminou essa redução e nos lançou um desafio: ‘Se você quiser ser reconhecido como meu discípulo; se você quiser se tornar filho do meu Pai que está no Céu, ame o seu inimigo e reze por aqueles que fazem mal a você’. Quando Jesus fala de ‘amar o inimigo’, não está dizendo que devemos sentir afeto pela pessoa que nos faz mal, mas que devemos tomar a seguinte decisão: ‘Vou tratar a pessoa como eu gostaria que ela me tratasse’(cf. Mt 7,12). Nisso se resume o amor: não é um sentimento de afeto, mas uma forma de tratar a pessoa.

            Enquanto os pagãos amam quem os ama e odeiam quem os odeia, o cristão é chamado a sair dessa postura meramente “reativa” – eu apenas reajo à maneira como o outro me trata –, e assumir uma postura de liberdade e de decisão: ‘Embora eu tenha sido ferido ou injustiçado por uma pessoa, escolho tratá-la como eu gostaria que ela me tratasse’. Em outras palavras, as minhas atitudes são escolhidas por mim, e não ‘determinadas’ pela pessoa que está me fazendo o mal. Quem faz isso, toma a vida nas próprias mãos e não permite ficar nas mãos do outro como se fosse um fantoche.

            Diante dessa diferença de atitude entre um pagão e um cristão, apresentada por Jesus no Evangelho, precisamos nos lembrar de que o nosso mundo está cada vez mais paganizado, o que significa reconhecer que nós, cristãos, estamos vivendo como pagãos no dia a dia em nome da mera sobrevivência. Não esqueçamos da advertência do apóstolo Paulo aos judeus da sua época: “Por causa de vocês, o nome de Deus é blasfemado entre os pagãos” (Rm 2,24). Se cada vez mais pessoas deixam de acreditar em Deus é também porque muitos de nós, cristãos, não vivemos como filhos d’Ele, ou seja, somos interesseiros e egoístas; alimentamos discursos de ódio; não nos abrimos a quem pensa diferente de nós; somos incapazes de gratuidade, o que significa fazer o bem a todos, inclusive a quem nos faz o mal.    

            Se a cultura do ódio se tornou “normal” no mundo de hoje, principalmente nas redes sociais, devemos recordar quem somos: “Sois santuário de Deus... o Espírito de Deus mora em vós... Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá, pois o santuário de Deus é santo, e vós sois esse santuário” (1Cor 3,16-17). O Espírito de Deus é amor (cf. Rm 5,5; 1Cor 13,7). O cristão é um ser humano ungido pelo Espírito de Deus. Justamente por isso, é uma contradição ser cristão e odiar, alimentando a polarização no campo político e religioso, fechando-se numa bolha e decidindo não dialogar com quem pensa diferente. O ódio é o instrumento que o diabo (divisor) usa para dividir, separar, criar inimizade e tornar insuportável a convivência nas famílias, nos ambientes de trabalho, nas igrejas e no campo da política. Que o amor de Deus, que é o Espírito Santo derramado em nossos corações (cf. Rm 5,5), inspire nossas atitudes no dia a dia na convivência com as pessoas.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário