quinta-feira, 24 de novembro de 2022

O HOMEM MUNDANO NADA ESPERA; O HOMEM ESPIRITUAL TUDO ESPERA

 Missa do 1. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 2,1-5; Romanos 13,11-14a; Mateus 24,37-44.

 

Houve um tempo em que a espera enchia a vida de sentido. Esperava-se a Páscoa para se comer o “ovo de Páscoa”; esperava-se o Natal para se ganhar o presente desejado; esperava-se o casamento para se experimentar o prazer de uma relação sexual. Mas o tempo da espera foi eliminado da existência humana. Antes mesmo do tempo da Quaresma, os ovos de chocolate são comprados e consumidos, de forma que o dia da Páscoa não tem mais novidade alguma a se aguardar. Da mesma forma, as famílias de boa condição financeira presenteiam seus filhos em qualquer tempo, e a relação sexual deixou de ser exceção, passando a ser regra no namoro. Portanto, não há mais o que esperar, e o não ter pelo quê esperar esvaziou a vida de sentido.  

Advento é tempo de espera. Não estamos esperando apenas alguma coisa acontecer, mas estamos esperando o nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo: “Ele virá, uma segunda vez, (...) àqueles que o esperam, para lhes dar a salvação” (Hb 9,28). O tempo do advento existe para nos ensinar a importância da espera. Uma vida sem espera é uma vida sem horizonte, sem amanhã. Todos nós precisamos esperar: esperar pela resposta à nossa pergunta; esperar pela cura da nossa ferida; esperar até que a noite termine e nasça o dia; esperar até que seja completada a obra que Deus iniciou em cada um de nós: “Tenho plena certeza de que aquele que começou em vós a boa obra há de levá-la à perfeição até o dia de Cristo Jesus” (Fl 1,6), isto é, da segunda Vinda de Cristo.   

Só a espera nos livra do desespero e de uma vida sem sentido. Foi a espera em reencontrar pessoas da própria família que fez com que muitos judeus não enlouquecessem e não se suicidassem nos campos de concentração. A espera é o gemido do Espírito Santo em nós: “gememos interiormente, suspirando pela redenção do nosso corpo” (Rm 8,23). O tempo do Advento existe para nos tornar conscientes de que vivemos o tempo do “ainda não”: ainda não terminamos a corrida; ainda não encerramos a luta; ainda não chegamos à meta. Precisamos aprender a suportar o “ainda não”, até que o Senhor Jesus venha e cumpra cada uma das suas promessas a nosso respeito.

Nós, cristãos, estamos vivendo o tempo entre a Páscoa e a segunda Vinda de Cristo, entendido biblicamente como o tempo da conversão, da necessária perseverança, da fidelidade ameaçada, da fé combatida. No horizonte da história humana há uma promessa: o insignificante monte Sião, uma pequena colina sobre a qual foi construído o templo de Jerusalém, se erguerá e se tornará o ponto mais alto da terra (cf. Is 2,1-2), onde Jesus se encontrará com seus eleitos. Em outras palavras, a aparente insignificância da nossa rotina, dos nossos dias e das nossas atitudes em tornar o mundo melhor, será recompensada pelo próprio Jesus que “passou por este mundo fazendo o bem” (At 10,37).

Se não queremos que em nossa existência a espera seja substituída pelo tédio, pelo vazio, pela perda de sentido, precisamos “acordar”. O apóstolo Paulo nos alerta para o perigo do sono, da distração, de quem, por descuidar da sua vida espiritual, reduziu a sua esperança a uma vida mundana: sua existência se resume em comer, beber, consumir, desfrutar, competir, sem dar à própria uma direção, uma razão, um sentido. A pessoa funciona como uma mera engrenagem dentro de uma máquina, vivendo automaticamente, fazendo o que é mandada – ou o que foi “programada” (a partir de fora) para fazer. Quando se dá conta, a vida passou e ela não viveu, mas “foi vivida”.  

Jesus deseja nos despertar do sono de quem vive no automatismo, fazendo uma porção se coisas sem se perguntar para onde sua vida está indo. Ele nos recorda que a sua Vinda encontrará a humanidade exatamente como o dilúvio a encontrou: as pessoas comiam, bebiam, casavam-se, trabalhavam, divertiam-se, sem se dar conta de que algo estava acontecendo. Elas “nada perceberam até que veio o dilúvio e arrastou a todos” (Mt 24,39). Quem vive a partir da carne, de maneira mundana, “nada percebe”: a existência, para essa pessoa, não tem um para que, uma razão de ser, um sentido, mas quem vive a partir do espírito sabe que sua existência tem uma finalidade, e as escolhas que ela faz hoje refletirão no seu destino final.  

A diferença entre viver de maneira mundana e viver de maneira espiritual aparece nessas palavras de Jesus, revelando que, no momento da sua Vinda, um homem “será levado e o outro será deixado”; uma mulher “será levada e a outra será deixada” (Mt 24,40-41). A Vinda de Jesus surpreenderá a todos (como um ladrão), mas aqueles que o esperaram, que suportaram em suas vidas o “ainda não”, que se mantiveram firmes na fé, serão salvos, justamente porque receberão a concretização daquilo que esperaram: a própria salvação.  

 Algumas perguntas podem nos ajudar neste início de Advento: O que eu espero da vida? Eu lanço as sementes para colher aquilo que eu desejo e espero? Eu suporto na minha história de vida o “ainda não”? Como o Senhor Jesus me encontrará: promovendo desavenças, conflitos, brigas e rivalidades, ou promovendo a paz (cf. Is 2,4; Rm 13,13)? Ele me encontrará agindo com honestidade e perseverando na minha vida espiritual, ou levando uma vida mundana: comendo, bebendo e me prostituindo?

Vivemos esperando dias melhores: dias de paz, dias a mais dias que não deixaremos para trás... Vivemos esperando o dia em que seremos melhores: melhores no amor, melhores na dor, melhores em tudo” (Dias melhores, Jota Quest).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

QUEM EU PERMITO QUE EXERÇA DOMÍNIO SOBRE MIM?

 Missa de Cristo, Rei do Universo. Palavra de Deus: 2Samuel 5,1-3; Colossenses 1,12-20; Lucas 23,35-43.

 

Onde, na Bíblia, começou essa história de o povo de Deus (Israel) ter um rei? Ela começou quando Samuel, o último juiz de Israel, estava idoso: “Constitui sobre nós um rei, que exerça a justiça sobre nós” (1Sm 8,5). A ideia da monarquia podia parecer boa – um rei que exerça a justiça – mas não era. Não somente Samuel, mas o próprio Deus também era contrário à monarquia: “Não é a ti que eles rejeitam, mas é a mim que eles rejeitam, porque não querem mais que eu reine sobre eles” (1Sm 8,7). Apesar disso, Deus consentiu que Israel tivesse um rei.

Nós também, povo brasileiro, gostaríamos de ter um rei, um homem forte, inteligente e poderoso, que pusesse ordem na casa; um homem que nos oferecesse proteção e que acabasse com tudo o que existe de ruim em nosso País; um homem que nos garantisse paz, prosperidade e o pão de cada dia. Aliás, foi exatamente após a multiplicação dos pães que o povo quis fazer de Jesus o seu rei: “‘Esse é, verdadeiramente, o profeta que deve vir ao mundo’. Jesus, porém, sabendo que viriam buscá-lo para fazê-lo rei, refugiou-se de novo, sozinho, na montanha” (Jo 6,14-15). Jesus recusou-se a ser rei daquela multidão porque ele não veio nos desresponsabilizar perante a vida. Uma cidade, um estado ou um País não dependem unicamente de quem os governa, mas de cada pessoa que habita aquela cidade, aquele estado, aquele País.

O povo de Israel teve inúmeros reis, principalmente porque, em grande parte da sua história, foi um País dividido entre Reino do Norte e Reino do Sul. A imensa maioria dos reis do Reino do Norte e do Reino do Sul “fizeram o que é mau aos olhos do Senhor”, uma frase que se repete constantemente no Livro dos Reis. Somente quatro reis foram aprovados por Deus, fazendo o que era correto aos seus olhos. Dentre eles, está o rei Davi, que aparece na primeira leitura unificando o País. Um País dividido está condenado a destruir-se com suas próprias mãos, pelas atitudes dos seus habitantes. Um País dividido é um País onde quem reina não é Deus, o Pai que quis reconciliar a todos em seu Filho Jesus Cristo, “realizando a paz pelo sangue de sua cruz” (Cl 1,20), mas o diabo, o divisor, aquele que envenena o coração humano com ódio para desumanizar pessoas, tornando-as homicidas.

Desde o Antigo Testamento, a figura do Rei foi associada à figura do Pastor. A função do Rei é apascentar, é cuidar do rebanho que lhe foi confiado. Diante do fracasso dos inúmeros reis de Israel, que se tornaram “pastores de si mesmos” (cf. Ez 34,8), Deus se comprometeu em apascentar ele mesmo o seu rebanho: “Buscarei a ovelha que estiver perdida, reconduzirei a que estiver desgarrada, cuidarei da que estive fraturada e restaurarei a que estiver abatida... Eu as apascentarei com justiça” (Ez 34,16). Essa promessa se cumpriu em Jesus Cristo, o Bom Pastor, o Rei Pastor, que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (cf. Mt 20,28).

Enquanto os reis vivem em palácios, Jesus não tem onde reclinar a cabeça (cf. Lc 9,58); enquanto os reis fazem banquetes esplêndidos, onde se decide, inclusive, a morte de pessoas inocentes (cf. Mc 6,25), Jesus se senta à mesa com os pecadores e com pessoas que jamais seriam convidadas para um banquete, por serem pobres (cf. Mt 9,10-11; Lc 14,12-14); enquanto os reis se sentam num trono, para comandar as guerras, Jesus se deixa colocar numa cruz, a partir da qual entrega a sua vida para libertar todos os condenados e para retirar a humanidade debaixo do domínio de Satanás, o “príncipe deste mundo” (Jo 12,31).  

Durante a sua permanência na cruz, Jesus ouviu por três vezes a expressão “salve-se a si mesmo!” (cf. Lc 23,35.37.39). Os reis têm exércitos e armas para se defenderem, mas Jesus é o Rei que tem como armas unicamente o amor e o perdão. Ele não tem exército nem armas porque não tem inimigos a destruir, mas filhos a resgatar do domínio do pecado e introduzi-los no Reino do seu Pai. Mesmo sendo Rei, Jesus não se desviou da cruz, para nos ensinar que ele não veio eliminar a dor da vida, mas nos encorajar a nos responsabilizar pela nossa existência, amando até o fim, apascentando até o fim, cuidando até o fim daquilo que a vida nos pediu para cuidar, ainda que tudo isso comporte algum tipo de dor. O Rei Jesus veio nos ensinar que o sentido da vida não está em não sofrer, mas em viver por uma causa, ainda que isso nos traga sofrimento.

Enquanto os “reis” da terra condenam pessoas ao sofrimento, praticando uma política de morte e defendendo uma economia que mata, Jesus se permitiu ser um Rei condenado entre os condenados. E exatamente nessa condição de condenado, ele se tornou causa de libertação e de salvação para um condenado: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado” (Lc 23,42). Jesus lhe respondeu: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). Esse é o domínio que Jesus, Rei do Universo, exerce sobre todo ser humano que o escolhe como Rei e Pastor: um domínio de libertação, de absolvição, de cancelamento de toda e qualquer condenação, de modo que Paulo apóstolo afirmou: “Não existe mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus” (Rm 8,1).

Hoje nos aproximamos do trono do nosso Rei e Pastor, suplicando que ele se lembre de nós em seu Reino; que ele se lembre de todos os condenados na face da terra, de todos os que precisam ser resgatados do domínio do mal, do pecado e de qualquer tipo de injustiça que continue a crucificar pessoas em nosso tempo; que o seu sangue redentor realize a paz em nosso País, em nosso local de trabalho, em nossas igrejas, no mundo todo. Que não seja mais o ódio a exercer domínio sobre nós, mas o amor e o perdão, para que as pessoas à nossa volta saibam que o Pai deseja realizar a paz em cada canto da terra, pelo sangue redentor de seu Filho, derramado na cruz “para reunir todos os filhos de Deus dispersos” (Jo 11,52).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

O NOVO SÓ NASCE DA DESTRUIÇÃO DO VELHO

 Missa do 33. dom. comum. Palavra de Deus: Malaquias 3,19-20a; 2Tessalonicenses 3,7-12; Lucas 21,5-19.

 

Os textos bíblicos de hoje nos colocam diante de um gênero literário chamado “apocalíptico”. Os escritos apocalípticos têm um caráter pessimista e também otimista: são pessimistas em relação ao mundo mau, às pessoas injustas; mas são otimistas em relação a todos aqueles que procuram se manter fiéis a Deus, não se corrompendo com o mundo e não se tornando más por questão de sobrevivência.

“Apocalipse” significa tirar o véu, revelar. Os escritos apocalípticos querem nos ajudar a enxergar além do véu da realidade presente, e compreender que a história humana não está nas mãos de nenhum regime político, de nenhum ser humano poderoso. Atualizando para os nossos dias, devemos ter a convicção de que a história humana não está nas mãos do mercado, de meia dúzia de pessoas extremamente ricas e poderosas, que decidem os rumos das nações, que decidem até mesmo quem vive e quem morre, a partir de onde elas decidem investir financeiramente.

Para o autor apocalíptico, a história está nas mãos de Deus, o único que realmente governa o mundo, e todos os acontecimentos, por mais contraditórios que sejam, servem unicamente aos seus desígnios a respeito da humanidade. Uma das convicções apocalípticas mais fortes na Bíblia se refere ao “Dia do Senhor”. Esse “Dia” fala da intervenção definitiva de Deus na história humana, exterminando da face da terra todos os que fazem o mal, que praticam a injustiça e que levam outros à morte, e salvando “os eleitos”, isto é, as pessoas que perseveram na prática da justiça, fazendo o bem e promovendo a vida ao seu redor.

O profeta Malaquias descreve o “Dia do Senhor” com a imagem do fogo: esse fogo destrói as pessoas más como se fossem palha seca, ao mesmo tempo em que é descrito como “sol da justiça”, trazendo a salvação definitiva para as pessoas boas. Já o apóstolo Paulo constata que algumas pessoas, apostando na iminência do “Dia do Senhor” – a volta do Senhor Jesus – decidiram cruzar os braços e não fazer mais nada, esperando Jesus voltar. Paulo afirma que não é essa a conduta que se espera de um cristão, mas que ele continue a trabalhar todos os dias, pelo bem de si mesmo e dos outros. Jesus não traz uma intervenção mágica que desresponsabiliza o homem.  

Enfim, o próprio Jesus, no Evangelho de hoje, fala conosco usando uma linguagem apocalíptica: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (Lc 21,6). Essas palavras se referem à destruição do Templo de Jerusalém, algo impensável para as pessoas na época de Jesus! Ora, que os impérios humanos sejam destruídos, isso pode até nos deixar assustados, mas, afinal de contas, são construções “humanas”. Agora, que Deus permita que até mesmo o Templo em que Ele habita seja destruído, isso nos deixa perplexos! Se até mesmo aquilo que julgamos ser divino pode ser destruído, em quê ou em quem podemos confiar o nosso destino?

A princípio, essa afirmação de Jesus – “Tudo será destruído” – serviria apenas para aumentar ainda mais a nossa angústia, a nossa ansiedade, o nosso medo em relação ao futuro. Mas o que Jesus quer é que nós estejamos abertos à vida, e a vida muda constantemente. A vida é dinâmica; Deus é dinâmico. Até mesmo a nossa rotina, que parece ser a mesma, está inserida num movimento, num desígnio maior, que é o plano de Deus. O Deus que intervirá de maneira definitiva no fim dos tempos, está intervindo todos os dias na história humana. Ele tem um propósito para cada um de nós, para toda a humanidade. Todos os acontecimentos tendem para um desfecho. Se Deus permite que algo muito precioso para nós seja destruído, não é porque Ele não nos ama ou seja indiferente ao que nos acontece, mas porque seus desígnios ultrapassam a nossa compreensão presente e projetam a nossa vida para um futuro que o próprio Deus está nos preparando.

A Terra não é o Céu. Este mundo desigual, injusto e cheio de sofrimento não é o mundo que Deus criou e que deseja para nós. O horizonte de toda linguagem apocalíptica aponta para uma promessa de Deus: “O que nós esperamos, de acordo com a sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13). No horizonte da nossa existência está uma vida sem injustiça, sem maldade, sem dor, sem destruição, sem morte. Mas nós vivemos no “ainda não”. Ainda temos que viver em um mundo marcado por dores e sofrimentos. Essa é a época em que cada um de nós foi chamado a viver e a dar testemunho da sua fé e da sua esperança em Cristo: “Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé” (Lc 21,13). Exatamente num contexto de forte individualismo, de indiferença, de descaso para com a vida alheia, de maldade, dor e sofrimento é que devemos testemunhar a nossa fé.

Mas qual é a nossa fé? É a certeza de que nenhum fio de cabelo cairá da nossa cabeça sem o consentimento do Pai. Tudo o que Ele permitir que seja modificado ou até mesmo destruído em nossa vida, acontecerá apenas porque Ele tem um desígnio maior a nosso respeito. Por isso, diante de cada perda, de cada dor, de cada acontecimento aparentemente absurdo e sem sentido, nós pediremos confiantemente: “Venha a nós o vosso Reino! Seja feita a vossa vontade!”. Diante de cada plano nosso desfeito e da pretensão humana daqueles que julgam serem os donos do mundo, decidindo os rumos da humanidade, nós proclamaremos: “O Senhor desfaz os planos das nações e os projetos que os povos se propõem. Mas os desígnios do Senhor são para sempre, e os pensamentos que ele traz no coração, de geração em geração vão perdurar” (Sl 33,10-11).

Guardemos no coração essas palavras de Jesus: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” (Lc 21,19). Permaneçamos firmes, cuidando daquilo que a vida está pedindo para cuidarmos, neste momento. Permaneçamos firmes na fé, na esperança e na caridade. Permaneçamos firmes no bem que somos chamados a fazer, enquanto aguardamos o nosso Salvador, o Senhor Jesus Cristo.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

SANTIDADE: FAZER VIR À LUZ O MELHOR DE NÓS MESMOS

 Missa de todos os Santos. Palavra de Deus: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1João 3,1-3; Mateus 5,1-12.

Como nasce a devoção aos Santos? Normalmente, ela nasce a partir de uma necessidade, de uma urgência, de um pedido de intercessão. Mas pode acontecer também que essa devoção nasça da leitura da história de vida de um(a) Santo(a), que acaba inspirando a pessoa a buscar o seu melhor: “Importante é que cada fiel entenda o seu próprio caminho e traga à luz o melhor de si mesmo” (Papa Francisco, GE, n.11). Nessas palavras do Papa Francisco fica claro que ser santo não consiste em nos tornarmos uma pessoa diferente daquela que somos, mas em nos tornarmos a pessoa que fomos chamados a ser, deixando vir à luz o melhor de nós mesmos.

A comemoração de todos os Santos nos recorda a nossa vocação, o nosso chamado à santidade: o Pai Santo “nos quer santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa... Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra” (Papa Francisco, GE n.14). Deus não quer que vivamos uma vida sem sentido, sem alma, sem razão de ser, sem alegria. O tempo em que fomos chamamos a viver e o lugar aonde a mão de Deus nos plantou são exatamente o contexto onde somos chamados a abraçar a nossa vocação à santidade. É ali, e não em outro lugar, que se encontra a ocasião mais oportuna para a nossa santificação, para desenvolvermos o melhor de nós mesmos. É na rotina de cada dia, nas ocupações diárias, que cada um de nós é chamado a santificar-se e a santificar o mundo.

No livro do Apocalipse, as pessoas santas recebem a marca do Deus vivo em sua fronte = consciência (cf. Ap 7,3). No entanto, no mundo atual, quase não se fala de consciência. Tudo é reduzido à emoção, ao coração. Muitas pessoas, ao fazerem uma escolha ou tomarem uma decisão, não consultam sua consciência, mas sim as emoções que sentem no momento. Por isso, erram muito: ferem e são feridas. Por outro lado, a consciência é o lugar da nossa liberdade e da nossa responsabilidade. É a partir da nossa consciência que podemos superar o mero “reagir” ao que nos acontece, para tomarmos a decisão que nos é pedida, em vista de lidarmos da melhor forma com o que nos acontece.

O caminho da nossa santificação passa pelo Evangelho e pela nossa configuração a Jesus Cristo, “o Santo de Deus” (Jo 6,69). Neste sentido, o Papa Francisco nos recorda que “para viver o Evangelho, não podemos esperar que tudo à nossa volta seja favorável” (GE, n.91). Muito pelo contrário: o mundo em que vivemos está em profundo desacordo com os valores do Evangelho, o que significa que, se quisermos nos configurar a Jesus Cristo, teremos que lidar com o desprezo, a indiferença ou até mesmo a perseguição por parte do mundo. É por isso que o Papa Francisco afirma: “Abraçar diariamente o caminho do Evangelho mesmo que nos acarrete problemas: isto é santidade” (GE, n.94). Em outras palavras, quem busca sua santificação não segue a direção do vento, mas orienta-se por uma meta, e não deixa de caminhar na direção dessa meta só porque os ventos são contrários.

Assim como nós, Jesus percorreu seu caminho de santificação, de plena conformação da sua vontade humana à vontade do Pai. Ele deixou esse caminho descrito para nós nas bem-aventuranças, as quais devemos entender como atitudes de vida: ser pobre em espírito, isto é, viver na absoluta dependência de Deus e na confiança em seu amor; ser aflito, no sentido de deixar-se afetar pelo sofrimento alheio; ser manso, aprendendo a lidar consigo mesmo e com os outros; ter fome e sede de justiça, no sentido de não desistir de ser uma pessoa justa e de trabalhar em favor daquilo que é justo; agir com misericórdia para consigo mesmo e para com os outros; ser puro de coração, tendo reta intenção e valorizando o bem que habita em cada pessoa; promover a paz, desarmando-se e ajudando os outros a se desarmarem no relacionamento cotidiano; suportar ser perseguido ou criticado por ser uma pessoa justa; enfim, suportar ser perseguido ou criticado por servir a Jesus e à causa do Evangelho.  

Enfim, devemos ainda recordar um outro aspecto importante, para o nosso caminho de santificação: “Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo” (Papa Francisco, GE, n.101). As pessoas santas não são aquelas que se mantêm distantes da dor humana; pelo contrário, são aquelas que enxergam onde há injustiça e se colocam na defesa dos injustiçados, à semelhança de Jesus. Não por acaso, nos foi dito no livro do Apocalipse que os Santos “vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro” (Ap 7,14). Enfrentemos com coragem as tribulações que nos são propostas pela vida, consequência da nossa busca em nos santificarmos e vivermos segundo o Evangelho de Jesus.   

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi