quinta-feira, 10 de novembro de 2022

O NOVO SÓ NASCE DA DESTRUIÇÃO DO VELHO

 Missa do 33. dom. comum. Palavra de Deus: Malaquias 3,19-20a; 2Tessalonicenses 3,7-12; Lucas 21,5-19.

 

Os textos bíblicos de hoje nos colocam diante de um gênero literário chamado “apocalíptico”. Os escritos apocalípticos têm um caráter pessimista e também otimista: são pessimistas em relação ao mundo mau, às pessoas injustas; mas são otimistas em relação a todos aqueles que procuram se manter fiéis a Deus, não se corrompendo com o mundo e não se tornando más por questão de sobrevivência.

“Apocalipse” significa tirar o véu, revelar. Os escritos apocalípticos querem nos ajudar a enxergar além do véu da realidade presente, e compreender que a história humana não está nas mãos de nenhum regime político, de nenhum ser humano poderoso. Atualizando para os nossos dias, devemos ter a convicção de que a história humana não está nas mãos do mercado, de meia dúzia de pessoas extremamente ricas e poderosas, que decidem os rumos das nações, que decidem até mesmo quem vive e quem morre, a partir de onde elas decidem investir financeiramente.

Para o autor apocalíptico, a história está nas mãos de Deus, o único que realmente governa o mundo, e todos os acontecimentos, por mais contraditórios que sejam, servem unicamente aos seus desígnios a respeito da humanidade. Uma das convicções apocalípticas mais fortes na Bíblia se refere ao “Dia do Senhor”. Esse “Dia” fala da intervenção definitiva de Deus na história humana, exterminando da face da terra todos os que fazem o mal, que praticam a injustiça e que levam outros à morte, e salvando “os eleitos”, isto é, as pessoas que perseveram na prática da justiça, fazendo o bem e promovendo a vida ao seu redor.

O profeta Malaquias descreve o “Dia do Senhor” com a imagem do fogo: esse fogo destrói as pessoas más como se fossem palha seca, ao mesmo tempo em que é descrito como “sol da justiça”, trazendo a salvação definitiva para as pessoas boas. Já o apóstolo Paulo constata que algumas pessoas, apostando na iminência do “Dia do Senhor” – a volta do Senhor Jesus – decidiram cruzar os braços e não fazer mais nada, esperando Jesus voltar. Paulo afirma que não é essa a conduta que se espera de um cristão, mas que ele continue a trabalhar todos os dias, pelo bem de si mesmo e dos outros. Jesus não traz uma intervenção mágica que desresponsabiliza o homem.  

Enfim, o próprio Jesus, no Evangelho de hoje, fala conosco usando uma linguagem apocalíptica: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (Lc 21,6). Essas palavras se referem à destruição do Templo de Jerusalém, algo impensável para as pessoas na época de Jesus! Ora, que os impérios humanos sejam destruídos, isso pode até nos deixar assustados, mas, afinal de contas, são construções “humanas”. Agora, que Deus permita que até mesmo o Templo em que Ele habita seja destruído, isso nos deixa perplexos! Se até mesmo aquilo que julgamos ser divino pode ser destruído, em quê ou em quem podemos confiar o nosso destino?

A princípio, essa afirmação de Jesus – “Tudo será destruído” – serviria apenas para aumentar ainda mais a nossa angústia, a nossa ansiedade, o nosso medo em relação ao futuro. Mas o que Jesus quer é que nós estejamos abertos à vida, e a vida muda constantemente. A vida é dinâmica; Deus é dinâmico. Até mesmo a nossa rotina, que parece ser a mesma, está inserida num movimento, num desígnio maior, que é o plano de Deus. O Deus que intervirá de maneira definitiva no fim dos tempos, está intervindo todos os dias na história humana. Ele tem um propósito para cada um de nós, para toda a humanidade. Todos os acontecimentos tendem para um desfecho. Se Deus permite que algo muito precioso para nós seja destruído, não é porque Ele não nos ama ou seja indiferente ao que nos acontece, mas porque seus desígnios ultrapassam a nossa compreensão presente e projetam a nossa vida para um futuro que o próprio Deus está nos preparando.

A Terra não é o Céu. Este mundo desigual, injusto e cheio de sofrimento não é o mundo que Deus criou e que deseja para nós. O horizonte de toda linguagem apocalíptica aponta para uma promessa de Deus: “O que nós esperamos, de acordo com a sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13). No horizonte da nossa existência está uma vida sem injustiça, sem maldade, sem dor, sem destruição, sem morte. Mas nós vivemos no “ainda não”. Ainda temos que viver em um mundo marcado por dores e sofrimentos. Essa é a época em que cada um de nós foi chamado a viver e a dar testemunho da sua fé e da sua esperança em Cristo: “Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé” (Lc 21,13). Exatamente num contexto de forte individualismo, de indiferença, de descaso para com a vida alheia, de maldade, dor e sofrimento é que devemos testemunhar a nossa fé.

Mas qual é a nossa fé? É a certeza de que nenhum fio de cabelo cairá da nossa cabeça sem o consentimento do Pai. Tudo o que Ele permitir que seja modificado ou até mesmo destruído em nossa vida, acontecerá apenas porque Ele tem um desígnio maior a nosso respeito. Por isso, diante de cada perda, de cada dor, de cada acontecimento aparentemente absurdo e sem sentido, nós pediremos confiantemente: “Venha a nós o vosso Reino! Seja feita a vossa vontade!”. Diante de cada plano nosso desfeito e da pretensão humana daqueles que julgam serem os donos do mundo, decidindo os rumos da humanidade, nós proclamaremos: “O Senhor desfaz os planos das nações e os projetos que os povos se propõem. Mas os desígnios do Senhor são para sempre, e os pensamentos que ele traz no coração, de geração em geração vão perdurar” (Sl 33,10-11).

Guardemos no coração essas palavras de Jesus: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” (Lc 21,19). Permaneçamos firmes, cuidando daquilo que a vida está pedindo para cuidarmos, neste momento. Permaneçamos firmes na fé, na esperança e na caridade. Permaneçamos firmes no bem que somos chamados a fazer, enquanto aguardamos o nosso Salvador, o Senhor Jesus Cristo.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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