Missa de Cristo, Rei do Universo. Palavra de Deus: 2Samuel 5,1-3; Colossenses 1,12-20; Lucas 23,35-43.
Onde,
na Bíblia, começou essa história de o povo de Deus (Israel) ter um rei? Ela
começou quando Samuel, o último juiz de Israel, estava idoso: “Constitui sobre
nós um rei, que exerça a justiça sobre nós” (1Sm 8,5). A ideia da monarquia
podia parecer boa – um rei que exerça a justiça – mas não era. Não somente
Samuel, mas o próprio Deus também era contrário à monarquia: “Não é a ti que
eles rejeitam, mas é a mim que eles rejeitam, porque não querem mais que eu
reine sobre eles” (1Sm 8,7). Apesar disso, Deus consentiu que Israel tivesse um
rei.
Nós
também, povo brasileiro, gostaríamos de ter um rei, um homem forte, inteligente
e poderoso, que pusesse ordem na casa; um homem que nos oferecesse proteção e que
acabasse com tudo o que existe de ruim em nosso País; um homem que nos
garantisse paz, prosperidade e o pão de cada dia. Aliás, foi exatamente após a
multiplicação dos pães que o povo quis fazer de Jesus o seu rei: “‘Esse é,
verdadeiramente, o profeta que deve vir ao mundo’. Jesus, porém, sabendo que viriam
buscá-lo para fazê-lo rei, refugiou-se de novo, sozinho, na montanha” (Jo
6,14-15). Jesus recusou-se a ser rei daquela multidão porque ele não veio nos
desresponsabilizar perante a vida. Uma cidade, um estado ou um País não dependem
unicamente de quem os governa, mas de cada pessoa que habita aquela cidade, aquele
estado, aquele País.
O
povo de Israel teve inúmeros reis, principalmente porque, em grande parte da
sua história, foi um País dividido entre Reino do Norte e Reino do Sul. A imensa
maioria dos reis do Reino do Norte e do Reino do Sul “fizeram o que é mau aos
olhos do Senhor”, uma frase que se repete constantemente no Livro dos Reis.
Somente quatro reis foram aprovados por Deus, fazendo o que era correto aos
seus olhos. Dentre eles, está o rei Davi, que aparece na primeira leitura
unificando o País. Um País dividido está condenado a destruir-se com suas
próprias mãos, pelas atitudes dos seus habitantes. Um País dividido é um País onde
quem reina não é Deus, o Pai que quis reconciliar a todos em seu Filho Jesus
Cristo, “realizando a paz pelo sangue de sua cruz” (Cl 1,20), mas o diabo, o
divisor, aquele que envenena o coração humano com ódio para desumanizar
pessoas, tornando-as homicidas.
Desde
o Antigo Testamento, a figura do Rei foi associada à figura do Pastor. A função
do Rei é apascentar, é cuidar do rebanho que lhe foi confiado. Diante do
fracasso dos inúmeros reis de Israel, que se tornaram “pastores de si mesmos” (cf.
Ez 34,8), Deus se comprometeu em apascentar ele mesmo o seu rebanho: “Buscarei
a ovelha que estiver perdida, reconduzirei a que estiver desgarrada, cuidarei
da que estive fraturada e restaurarei a que estiver abatida... Eu as
apascentarei com justiça” (Ez 34,16). Essa promessa se cumpriu em Jesus Cristo,
o Bom Pastor, o Rei Pastor, que “não veio para ser servido, mas para servir e
dar a sua vida em resgate por muitos” (cf. Mt 20,28).
Enquanto
os reis vivem em palácios, Jesus não tem onde reclinar a cabeça (cf. Lc 9,58);
enquanto os reis fazem banquetes esplêndidos, onde se decide, inclusive, a
morte de pessoas inocentes (cf. Mc 6,25), Jesus se senta à mesa com os pecadores
e com pessoas que jamais seriam convidadas para um banquete, por serem pobres
(cf. Mt 9,10-11; Lc 14,12-14); enquanto os reis se sentam num trono, para
comandar as guerras, Jesus se deixa colocar numa cruz, a partir da qual entrega
a sua vida para libertar todos os condenados e para retirar a humanidade
debaixo do domínio de Satanás, o “príncipe deste mundo” (Jo 12,31).
Durante
a sua permanência na cruz, Jesus ouviu por três vezes a expressão “salve-se a
si mesmo!” (cf. Lc 23,35.37.39). Os reis têm exércitos e armas para se
defenderem, mas Jesus é o Rei que tem como armas unicamente o amor e o perdão.
Ele não tem exército nem armas porque não tem inimigos a destruir, mas filhos a
resgatar do domínio do pecado e introduzi-los no Reino do seu Pai. Mesmo sendo
Rei, Jesus não se desviou da cruz, para nos ensinar que ele não veio eliminar a
dor da vida, mas nos encorajar a nos responsabilizar pela nossa existência,
amando até o fim, apascentando até o fim, cuidando até o fim daquilo que a vida
nos pediu para cuidar, ainda que tudo isso comporte algum tipo de dor. O Rei
Jesus veio nos ensinar que o sentido da vida não está em não sofrer, mas em
viver por uma causa, ainda que isso nos traga sofrimento.
Enquanto
os “reis” da terra condenam pessoas ao sofrimento, praticando uma política de
morte e defendendo uma economia que mata, Jesus se permitiu ser um Rei
condenado entre os condenados. E exatamente nessa condição de condenado, ele se
tornou causa de libertação e de salvação para um condenado: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares
no teu reinado” (Lc 23,42). Jesus lhe respondeu: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). Esse é o domínio que
Jesus, Rei do Universo, exerce sobre todo ser humano que o escolhe como Rei e
Pastor: um domínio de libertação, de absolvição, de cancelamento de toda e
qualquer condenação, de modo que Paulo apóstolo afirmou: “Não existe mais
condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus” (Rm 8,1).
Hoje nos aproximamos do trono do nosso Rei e Pastor,
suplicando que ele se lembre de nós em seu Reino; que ele se lembre de todos os
condenados na face da terra, de todos os que precisam ser resgatados do domínio
do mal, do pecado e de qualquer tipo de injustiça que continue a crucificar
pessoas em nosso tempo; que o seu sangue redentor realize a paz em nosso País,
em nosso local de trabalho, em nossas igrejas, no mundo todo. Que não seja mais
o ódio a exercer domínio sobre nós, mas o amor e o perdão, para que as pessoas
à nossa volta saibam que o Pai deseja realizar a paz em cada canto da terra, pelo
sangue redentor de seu Filho, derramado na cruz “para reunir todos os filhos de
Deus dispersos” (Jo 11,52).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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