Missa do 27. dom. comum. Palavra de Deus: Habacuc 1,2-3; 2,2-4; 2Timóteo 1,6-8.13-14; Lucas 17,5-10.
“Aumenta
a nossa fé!” (Lc 17,5). Quem de nós não se identifica com esse pedido dos
discípulos a Jesus? Quem de nós não sente falta de fé? Se, por um lado, a Escritura
diz que “a vitória que venceu o mundo é a nossa fé” (1Jo 5,4), por outro lado
devemos reconhecer que cada vez mais o mundo moderno tem derrotado a nossa fé;
cada vez mais as pessoas deixam de ter fé. E isso é compreensível. Como ter fé
em Deus, quando ele silencia diante das inúmeras injustiças que atentam contra
a vida humana? Como ter fé no seu amor e na sua providência, quando ele parece ter
abandonado muitas pessoas a si mesmas? Como ter fé no seu interesse pela
humanidade e na sua bondade, quando ele permite que o mal corra solto pelo
mundo e faça os estragos que bem deseja?
No
seu livro “A noite do confessor”, o Pe. Tomás Halík nos propõe a seguinte
reflexão: “O mistério do mal e do sofrimento tem conduzido pessoas para Deus,
mas também as afastado d’Ele. Que sentido tem um Deus que não sabe o que fazer
do sofrimento, ou, se o sabe, não nos quer ajudar? Mas se nós Lhe viramos as
costas, será que isso ajuda a nos livrar do sofrimento, ou será que, pelo
contrário, nos privará da força para confrontarmos e fazermos frente ao mal e
ao sofrimento?” (pp.156-157).
Atualmente,
muitas perguntas estão dentro de nós sem resposta, exatamente como estavam no
coração do profeta Habacuc: “Senhor, até quando
clamarei, sem me atenderes? Até quando devo gritar a ti: ‘Violência!’, sem me
socorreres?” (Hab 1,2). Até quando pessoas boas vão morrer e pessoas ruins vão
prosperar? Até quando a ganância financeira vai continuar a destruir nosso
Planeta? Até quando a violência dos traficantes, dos milicianos e dos maus
policiais vai continuar matando jovens negros e pobres em nosso País? Até
quando teremos a sensação de que trabalhar para tornar o nosso mundo melhor é uma
tarefa ingrata e inútil?
A resposta que Deus oferece a essas e outras tantas
perguntas que nos angustiam não é uma resposta fácil: “A visão refere-se a um
prazo definido, mas tende para um desfecho, e não falhará; se demorar, espera, pois
ela virá com certeza, e não tardará” (Hab 2,3). As nossas urgências não têm o
poder de forçar Deus a se manifestar, nem a agir. Ele o fará no tempo dele, na
hora dele. Sua resposta às nossas urgências fala de “prazo definido”, de “desfecho”,
de “espera”. Em outras palavras, nossa fé só poderá sobreviver se aprender a
esperar. Sem a capacidade de esperar, a fé morre asfixiada. O oxigênio da fé é
a esperança.
O problema é que esperar em Deus e esperar por ele significa
dependência, e o ser humano moderno detesta depender do outro. Ele tem sede de
autonomia, e quer fazer as coisas por si mesmo. Mas há uma contradição nessa
pseudo-autonomia: o ser humano moderno não quer depender de Deus, mas sujeita-se
a depender de dinheiro, de afeto, de aceitação, de aprovação, de reconhecimento
etc. No fundo, a verdade é uma só: quando não se escolhe livremente depender de
Deus, sofre-se uma dependência imposta a partir de fora, pelos ídolos modernos.
No diálogo com o profeta Habacuc, Deus afirma que
chegará um tempo em que só será possível viver pela força da fé: “Quem não é
correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2,4). Quem abandonar a
sua fé e decidir livremente sair das mãos de Deus, passará a se destruir com
suas próprias mãos. Quem abandonar valores importantes como verdade, justiça,
retidão, criará destruição para si e para os outros. Só quem permanecer firme
em Deus poderá sobreviver a um mundo que adoece e destrói a si mesmo. Quem não
usar a luz da fé para interpretar os acontecimentos que afetam sua existência,
acabará por não ver mais sentido em existir.
Portanto, ter fé é crer que não existimos por
acaso, mas que nossa existência tem um para que, uma finalidade, um sentido,
uma razão de ser. Ter fé é confiar que “Deus pode usar dos ventos contrários
para nos conduzir ao porto” (autor desconhecido). Ter fé é desenvolver a capacidade
de suportar a ferida não curada, a pergunta não respondida, o problema não
resolvido, sabendo que há um tempo para que tudo isso aconteça. Ter fé é dizer “não”
ao fatalismo, ao desespero, ao vazio e à perda de sentido. Ter fé é ter a convicção
de que você é filho, não órfão, e que a única coisa que o Pai lhe pede é que você
confie nele.
Segundo o missal dominical, fé é confiança absoluta
em Deus, contra todo cálculo humano. Crer é dar-se a Deus, exatamente a Ele,
que parece ausente da história humana. Crer é esperar no seu amor, sabendo que
sua Palavra não nos engana, não nos ilude. Já o Pe. Pagola, no seu livro “Jesus,
aproximação histórica”, nos propõe ter a mesma fé que Jesus tinha no Pai,
sabendo que “Deus é transcendente. Ninguém o pode ver nem experimentar
diretamente, mas ele atua no mais profundo dos acontecimentos” (p.365); “Deus é
amor para com os que sofrem e, precisamente por isso, é juízo contra toda
injustiça que desumaniza e faz sofrer” (p.367); e, ainda, “Deus é para aqueles
que têm necessidade de que ele seja bom” (p.387). Resumindo, ter fé é escolher
viver como filho, numa confiança diária no Pai.
Enfim, a fé não é somente um dom que recebemos de Deus,
mas também uma tarefa: somos chamados a “reavivar a chama do dom de Deus”, que
é a fé, sabendo que ele “não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza,
de amor e sobriedade” (2Tm 1,6.7). Uma fé que não se alimenta de oração morre
por desnutrição. Além disso, Jesus compara a pessoa que tem fé a um servo, um
empregado que, após o seu trabalho, não espera por reconhecimento, mas
mantém-se fiel à sua tarefa por amor à própria verdade e à própria razão de ser
da sua existência. Neste sentido, nossa fé deve passar da atitude do filho que
tem interesse no que possa ganhar do pai para o estar com o Pai por amor, a
exemplo do próprio Jesus.
Pe. Paulo Cezar Mazzi