Missa do 26. dom. comum. Palavra de Deus: Amós 6,1a.4-7; 1Timóteo 6,11-16; Lucas 16,19-31.
Existe vida após a morte? Alguns
acreditam que sim; outros, que não. Embora essa crença pareça ser algo muito
particular, de cada pessoa, o fato é que crer ou não crer na vida após a morte
influencia a maneira como vivemos a nossa vida presente. Para quem não crê na
vida após a morte, a vida presente tem que ser desfrutada ao máximo. Já que
amanhã iremos todos morrer, devemos aproveitar a vida hoje. Ela é tudo o que
temos. Mas o fato de não se crer na vida após a morte também leva os homens a
não se preocuparem em serem justos: “sua maldade os cega”. Eles abandonam o
caminho do bem porque “não esperam o prêmio pela santidade, não creem na
recompensa das almas puras” (Sb 2,21.22). Em resumo, não crer na vida após a
morte nos desumaniza e nos torna profundamente egoístas, entendendo o mundo presente
como um lugar onde “quem pode mais, chora menos”.
A parábola que Jesus nos conta deixa
claro três coisas: primeiro, existe vida após a morte; segundo, o nosso destino
após a morte está sendo escrito ou construído agora, neste mundo, neste
momento, sobretudo pela maneira como lidamos com os bens materiais e como nos
posicionamos diante dos pobres e necessitados; terceiro, a vida após a morte
inverte a situação presente, justamente porque os valores do mundo atual estão
invertidos.
Para o mundo presente, felizes são os
ricos e infelizes são os pobres. Em relação à vida após a morte, Jesus
proclama: “ai dos ricos” (Lc 6,24) e “felizes os pobres” (Lc 6,20). Mas aqui é
preciso entender que ninguém será salvo ou condenado na vida após a morte
devido à sua atual condição financeira. Perante Deus, nem todo rico está
condenado e nem todo pobre está salvo. A questão é a maneira como cada um de
nós lida com os bens materiais e como se posiciona perante este mundo desigual,
que enriquece ainda mais os que já são ricos e empobrece ainda mais os que já
são pobres. A título de exemplo, ¼ da população
mundial detém 80% da riqueza, enquanto ¾ têm que sobreviver com 20%! Aos olhos
de Deus, isso se chama “injustiça”, e a vida após a morte é entendida
biblicamente como o restabelecimento da justiça: “O que nós esperamos, conforme
sua promessa, são novos céus e nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13).
Toda
e qualquer crítica bíblica a respeito do acúmulo de riqueza é um protesto de Deus
contra a injusta desigualdade social, que provoca fome, violência e morte em
inúmeros seres humanos na face da terra. Aos olhos de Deus, riqueza e pobreza
não são coisas “normais”, muito menos acidentais, mas fruto de atitudes humanas
e de escolhas políticas, e aqueles que procuram desfrutar da vida esbanjando
dinheiro, pensando unicamente em si mesmos e não se preocupando com a ruína dos
pobres, estão escrevendo sua própria sentença de condenação perante Deus.
Na
vida após a morte, exemplificada pela parábola que Jesus contou, se fala de um
abismo que separa o rico do pobre Lázaro. O evangelho nos pergunta pelos abismos
que temos construído para nos manter distantes de quem sofre, de quem precisa
da nossa presença, da nossa solidariedade, da nossa justiça. A distância que porventura
desejemos manter diante das injustiças sociais reaparecerá na vida após a
morte, mantendo-nos distantes de Deus e do seu Reino!
A parábola que ouvimos deixa claro
que a nossa existência é única. Nós nunca mais voltaremos a este mundo para
corrigir erros que tenhamos cometido nesta vida. É isso que nos chama à
responsabilidade. Somos livres para fazer escolhas e tomar decisões. Essas
escolhas e decisões vão diariamente escrevendo o nosso destino, no que diz
respeito à vida após a morte. Para nos ajudar a escrever um destino de salvação
e não de condenação, Deus nos deixou a sua Palavra: “Eles têm Moisés e os Profetas, que os escutem!” (Lc 16,29). E Jesus afirma que quando
uma pessoa não crê na verdade da Palavra de Deus, nem mesmo se acontecesse algo
milagroso, como a ressurreição de um morto, ela mudaria suas atitudes, deixando
de ser egoísta e passando a se preocupar com os que sofrem à sua volta (cf. Lc
16,31).
Ao
encerramos o mês da Bíblia, celebramos a chegada da primavera. O fruto da vida
eterna, que esperamos colher, depende da semente que estamos semeando hoje, isto
é, dos valores que estamos cultivando em nossa vida: se são transitórios ou se
são definitivos; se visam unicamente o nosso bem ou se visam o bem de toda a
humanidade, especialmente dos que mais sofrem. Hoje é o tempo de construirmos
pontes sobre os abismos da desigualdade social, de modo que a fraternidade cure
as feridas abertas pelo individualismo, e a compaixão fale mais alto ao nosso
coração do que a indiferença para com quem sofre.
Enfim,
lembremos as sábias palavras de Beto Guedes, na música “O sal da terra”:
“Vamos precisar de todo mundo pra banir do mundo a
opressão; para construir a vida nova vamos precisar de muito amor. A felicidade
mora ao lado e quem não é tolo pode ver... Vamos precisar de todo mundo: um
mais um é sempre mais que dois. Para melhor construir a vida nova é só repartir
melhor o pão; recriar o paraíso agora para merecer quem vem depois”.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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