quinta-feira, 22 de setembro de 2022

NOSSO DESTINO APÓS A MORTE ESTÁ SENDO ESCRITO AGORA

 Missa do 26. dom. comum. Palavra de Deus: Amós 6,1a.4-7; 1Timóteo 6,11-16; Lucas 16,19-31.   

 

            Existe vida após a morte? Alguns acreditam que sim; outros, que não. Embora essa crença pareça ser algo muito particular, de cada pessoa, o fato é que crer ou não crer na vida após a morte influencia a maneira como vivemos a nossa vida presente. Para quem não crê na vida após a morte, a vida presente tem que ser desfrutada ao máximo. Já que amanhã iremos todos morrer, devemos aproveitar a vida hoje. Ela é tudo o que temos. Mas o fato de não se crer na vida após a morte também leva os homens a não se preocuparem em serem justos: “sua maldade os cega”. Eles abandonam o caminho do bem porque “não esperam o prêmio pela santidade, não creem na recompensa das almas puras” (Sb 2,21.22). Em resumo, não crer na vida após a morte nos desumaniza e nos torna profundamente egoístas, entendendo o mundo presente como um lugar onde “quem pode mais, chora menos”.  

            A parábola que Jesus nos conta deixa claro três coisas: primeiro, existe vida após a morte; segundo, o nosso destino após a morte está sendo escrito ou construído agora, neste mundo, neste momento, sobretudo pela maneira como lidamos com os bens materiais e como nos posicionamos diante dos pobres e necessitados; terceiro, a vida após a morte inverte a situação presente, justamente porque os valores do mundo atual estão invertidos.

            Para o mundo presente, felizes são os ricos e infelizes são os pobres. Em relação à vida após a morte, Jesus proclama: “ai dos ricos” (Lc 6,24) e “felizes os pobres” (Lc 6,20). Mas aqui é preciso entender que ninguém será salvo ou condenado na vida após a morte devido à sua atual condição financeira. Perante Deus, nem todo rico está condenado e nem todo pobre está salvo. A questão é a maneira como cada um de nós lida com os bens materiais e como se posiciona perante este mundo desigual, que enriquece ainda mais os que já são ricos e empobrece ainda mais os que já são pobres. A título de exemplo, ¼ da população mundial detém 80% da riqueza, enquanto ¾ têm que sobreviver com 20%! Aos olhos de Deus, isso se chama “injustiça”, e a vida após a morte é entendida biblicamente como o restabelecimento da justiça: “O que nós esperamos, conforme sua promessa, são novos céus e nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13).

            Toda e qualquer crítica bíblica a respeito do acúmulo de riqueza é um protesto de Deus contra a injusta desigualdade social, que provoca fome, violência e morte em inúmeros seres humanos na face da terra. Aos olhos de Deus, riqueza e pobreza não são coisas “normais”, muito menos acidentais, mas fruto de atitudes humanas e de escolhas políticas, e aqueles que procuram desfrutar da vida esbanjando dinheiro, pensando unicamente em si mesmos e não se preocupando com a ruína dos pobres, estão escrevendo sua própria sentença de condenação perante Deus.

            Na vida após a morte, exemplificada pela parábola que Jesus contou, se fala de um abismo que separa o rico do pobre Lázaro. O evangelho nos pergunta pelos abismos que temos construído para nos manter distantes de quem sofre, de quem precisa da nossa presença, da nossa solidariedade, da nossa justiça. A distância que porventura desejemos manter diante das injustiças sociais reaparecerá na vida após a morte, mantendo-nos distantes de Deus e do seu Reino!

            A parábola que ouvimos deixa claro que a nossa existência é única. Nós nunca mais voltaremos a este mundo para corrigir erros que tenhamos cometido nesta vida. É isso que nos chama à responsabilidade. Somos livres para fazer escolhas e tomar decisões. Essas escolhas e decisões vão diariamente escrevendo o nosso destino, no que diz respeito à vida após a morte. Para nos ajudar a escrever um destino de salvação e não de condenação, Deus nos deixou a sua Palavra: “Eles têm Moisés e os Profetas, que os escutem!” (Lc 16,29). E Jesus afirma que quando uma pessoa não crê na verdade da Palavra de Deus, nem mesmo se acontecesse algo milagroso, como a ressurreição de um morto, ela mudaria suas atitudes, deixando de ser egoísta e passando a se preocupar com os que sofrem à sua volta (cf. Lc 16,31).  

            Ao encerramos o mês da Bíblia, celebramos a chegada da primavera. O fruto da vida eterna, que esperamos colher, depende da semente que estamos semeando hoje, isto é, dos valores que estamos cultivando em nossa vida: se são transitórios ou se são definitivos; se visam unicamente o nosso bem ou se visam o bem de toda a humanidade, especialmente dos que mais sofrem. Hoje é o tempo de construirmos pontes sobre os abismos da desigualdade social, de modo que a fraternidade cure as feridas abertas pelo individualismo, e a compaixão fale mais alto ao nosso coração do que a indiferença para com quem sofre.

            Enfim, lembremos as sábias palavras de Beto Guedes, na música “O sal da terra”:

“Vamos precisar de todo mundo pra banir do mundo a opressão; para construir a vida nova vamos precisar de muito amor. A felicidade mora ao lado e quem não é tolo pode ver... Vamos precisar de todo mundo: um mais um é sempre mais que dois. Para melhor construir a vida nova é só repartir melhor o pão; recriar o paraíso agora para merecer quem vem depois”.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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