Missa do 24º dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo: 32,7-11.13-14; 1Timóteo 1,12-17; Lucas 15,1-32
“Não existem pecadores sem futuro”
(Cardeal Van Thuan). Essa verdade sintetiza as leituras bíblicas que acabamos
de ouvir. Enquanto nós desistimos de certas pessoas, afirmando que “pau que
nasce torto, morre torto”, Deus quer nos tornar conscientes de que todo ser
humano pode mudar, todo pecador pode se converter. Enquanto nós nos tornamos
pessoas cada vez mais intolerantes com os erros dos outros, Deus nos convida a nos
espelhar no seu coração misericordioso, para o qual não há nada que esteja
morto que não possa voltar a viver; não há nada que tenha se perdido que não
possa ser encontrado.
As parábolas da “ovelha perdida” e
da “moeda perdida” nos falam do valor de cada ser humano para Deus. Aos nossos
olhos, muitas pessoas não apenas “estão” perdidas, mas “são casos perdidos”: não
acreditamos que elas possam ser recuperadas; e porque não acreditamos na sua
possibilidade de mudança, deixamos de procurá-las, assim como deixamos de rezar
por elas. Uma vez que as vemos como “casos perdidos”, nós as jogamos na lata de
lixo do nosso esquecimento, do nosso abandono, da nossa indiferença, de modo
que nos acostumamos tranquilamente a não tê-las mais junto a nós.
A parábola da ovelha perdida nos
pergunta se estamos conseguindo nos dar conta das pessoas que não estão mais em
nossa comunidade de fé. A massificação, o anonimato e o individualismo não nos
deixam perceber que há alguém que não está mais conosco. Tão triste quanto saber
que uma pessoa se perdeu é nos dar conta de que ela não nos faz falta! Com ela
ou sem ela, nossa Igreja segue seu caminho. A “pastoral de manutenção” das
nossas paróquias nos mantém distantes da realidade concreta: a maioria de nós,
pastores, dedica seu tempo em cuidar da única ovelha que ficou no rebanho, ao
invés de se dar ao trabalho de ir atrás das 99 que estão afastadas ou “perdidas”!
A parábola da moeda perdida pode ser
lida em chave familiar: algo se perdeu dentro de casa; alguém está se perdendo
dentro de casa, mas a família não está se dando conta disso. A vida corrida, o
cansaço do trabalho, os olhos voltados frequentemente para a tela de um
celular, de um computador ou de uma TV impedem que as pessoas de uma família se
deem conta de que alguém lá dentro está caminhando na direção de um abismo. Em
alguns casos, existe um “desistir”: desiste-se de procurar outro; desiste-se de
dialogar, de buscar saídas, de enfrentar o problema, como se a ferida pudesse
se curar sozinha, sem cuidado, sem remédio. Acostuma-se com a tristeza, com a
solidão; não se experimenta mais a alegria do reencontro.
Procurar aqueles que estão se
perdendo perto de nós dá trabalho: acender a luz, varrer a casa, sair de si,
superar o orgulho ferido, romper o silêncio imposto pela mágoa... Não há como
encontrar a moeda se a casa está no escuro; a luz precisa ser acesa. Deus é
luz. Ele sempre pode nos dar palavras certas para retomar o diálogo
interrompido. Mas, às vezes, só a luz acesa não basta; é preciso varrer a casa;
é preciso ser criativo e usar de todos os meios possíveis para alcançarmos a
pessoa que está dentro da nossa casa! Varrer a casa é estender os nossos braços
até alcançarmos a pessoa que está afastada de nós.
Por
fim, Jesus nos coloca diante da Parábola do Pai Misericordioso. O filho mais
novo, que decide não mais viver na casa com o pai, retrata a humanidade atual,
na sua decisão de não depender de Deus, de afastar-se da religião (autoridade
do pai), decidindo por si mesma o que é o bem e o que é o mal; em alguns casos,
de crer em Deus, mas de não aceitar que ele interfira nas suas escolhas e
decisões; em outros casos, de viver como se Deus não existisse. O resultado do
afastamento de Deus é uma vida autodestrutiva, pois toda pessoa que decide sair
de perto das mãos de Deus passa a destruir-se com as próprias mãos.
Felizmente,
existe algo no ser humano capaz de fazê-lo voltar: sua consciência. Foi caindo
em si que o filho mais novo percebeu o erro que havia cometido e que ainda
havia um lugar para o qual voltar: sua casa; ainda havia alguém para quem ele
voltar: seu pai! E o rosto do Pai Misericordioso se revela dessa forma: “Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e
sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos... e
disse aos empregados: ‘Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. E
colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e
matai-o. Vamos fazer um banquete’” (Lc 15,20.22-23).
Vivendo
no seio de uma humanidade orfã, onde a maioria das pessoas desconhece que Deus
é Pai Misericordioso, nós precisamos ser o “abraço do Pai” para essas pessoas. Todos
aqueles que estão perdidos precisam saber que podem ser reencontrados! Todos
aqueles que estão mortos por dentro precisam saber que podem voltar a viver! Jesus
quer a sua Igreja misericordiosa, um lugar onde haja lugar para aqueles que não
têm lugar neste mundo. A ação pastoral da nossa Igreja precisa se traduzir em
buscar e salvar os que se distanciaram, se extraviaram, se perderam, de modo
que cada ser humano possa dizer como o apóstolo Paulo: “Cristo veio ao mundo
para salvar os pecadores. E eu sou o primeiro deles!” (1Tm 1,15).
Hoje, após a comunhão, cada um de nós pode ser
perguntar: “De qual pessoa Deus está pedindo que eu vá à procura? Quando é que
eu vou me dar conta de que a minha igreja ou religião existe para resgatar as
noventa e nove ovelhas perdidas, e não para se acomodar junto à única ovelha
que ainda está perto do pastor? Quem está se perdendo dentro da minha própria
família? O que eu estou fazendo para “alcançar” esta pessoa e trazê-la de
volta? Minha fé se transformou em desilusão ou ainda pulsa viva, na certeza de
que aquele que morreu pode voltar a viver e aquele que se perdeu pode ser
reencontrado?”.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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