sexta-feira, 2 de setembro de 2022

JESUS SÓ PODE SER INTEIRO PARA QUEM SE ENTREGA POR INTEIRO A ELE

 Missa do 23º dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 9,13-18; Filêmon 9b-10.12-17; Lucas 14,25-33.

 

            Quem escolhe a roupa que você vai usar? Quem escolhe o que você vai comer no almoço ou no jantar? Quem escolhe os vídeos que você vai ver no Youtube? Quem escolhe aonde você vai, ao sair de casa? Cada vez mais as pessoas rejeitam que os outros decidam por elas. Cada vez mais as pessoas têm como lema de vida: “Eu faço as minhas escolhas!”. No entanto, há uma contradição nessa aparente “autonomia”: as mesmas pessoas que não admitem que os outros escolham por elas fazem suas escolhas não baseadas na própria consciência, mas na pressão da opinião pública, das redes sociais e da aprovação dos outros.

            Religião é escolha. Deus é escolha. Igreja é escolha. Houve um tempo em que ter uma religião, acreditar em Deus e pertencer a uma igreja era questão de tradição: os filhos cresciam religiosos porque seus pais eram religiosos. Mas a religião transmitida por tradição está acabando (em muitos lugares, já acabou!). A primeira razão é que os pais de hoje, na sua maioria, não sentem mais necessidade de pertencerem a uma igreja. A segunda razão é que o mundo, há muito tempo, não gira mais em torno da autoridade religiosa, mas do individualismo e do relativismo, onde cada um faz o que quer. A terceira razão é a conduta pastoral das igrejas tradicionais, mais preocupadas na manutenção das suas próprias doutrinas e tradições do que em se colocar junto às pessoas do nosso tempo para falar-lhes de Deus de uma maneira que lhes seja significativa e que dê sentido à vida delas.

            A grande verdade que a nossa Igreja, em particular, precisa encarar é que ela não significa nada para as novas gerações. Seus dogmas, sua doutrina e suas tradições nada têm a dizer à vida concreta das pessoas, sobretudo daquelas que raramente ou nunca são alcançadas pela ação pastoral da Igreja, a qual privilegia os “católicos tradicionais” e não têm a coragem de se deixar questionar pela imensa maioria de “católicos” que são cada vez mais influenciados pelo paganismo moderno. Mais uma vez é preciso repetir: a insignificância da nossa Igreja para as novas gerações é diretamente proporcional à sua falta de coragem de se colocar junto da realidade das novas gerações, de escutá-las e de se deixar questionar por elas. Em outras palavras, muitos líderes católicos acomodaram-se a ouvir o que o Espírito Santo tem a dizer por meio da Tradição, mas se recusam a ouvir o que esse mesmo Espírito tem a dizer por meio da vida, por meio da realidade do mundo atual.

            Nós estamos aqui, na Igreja. Supostamente, fizemos nossa escolha por Deus e por seu Filho Jesus. Mas essa escolha vem sendo cada vez mais questionada pelo mundo em que vivemos, o qual, distanciando-se dos valores do Evangelho critica, marginaliza, persegue ou rejeita quem escolhe seguir Jesus Cristo. Já refletimos sobre isso dias atrás: escolher Deus, escolher estar na Igreja, significa experimentar o desprezo por parte do mundo. Posicionar-se a favor de Cristo e do Evangelho significa entrar em atrito com pessoas próximas de nós, inclusive nossa própria família! Eis porque Jesus afirma: “Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26).  

            Se Jesus nos faz uma exigência tão grande é por um único motivo: ele quer criar conosco um relacionamento íntimo e profundo – mais íntimo e mais profundo do que o relacionamento que possamos ter com a pessoa que mais amamos na vida! Jesus deseja ser acolhidos pelos nossos afetos. Normalmente, nossa relação com Ele é pautada pela razão. Sabemos algumas coisas sobre Jesus; conhecemos algo do seu Evangelho, mas Ele não ocupa o centro dos nossos afetos. Quando o procuramos, não é porque o amamos, mas porque precisamos da sua ajuda. Não há como nos tornar discípulos dele tendo-o como Alguém muito importante e necessário em nossa vida, mas não como o mais importante e o único necessário!

            Uma das coisas que mais coloca em crise nossa escolha por Jesus é o confronto com a cruz. Quando o sofrimento atravessa a nossa vida sem pedir licença, fica muito difícil sentir que Jesus nos ama e realmente se importa conosco. Sentimos o mesmo que Ele sentiu em relação ao Pai, na cruz: abandono. Jesus, por sua vez, não nos promete uma vida sem dificuldade, uma existência poupada de dor, um caminho sem cruz. Muito pelo contrário: “Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,27). Assim como Jesus não fugiu das situações dolorosas, mas enfrentou o sofrimento que lhe cabia enfrentar, assim ele quer que façamos.

A cruz não é uma escolha nossa, mas consequência da nossa escolha em sermos cristãos e discípulos daquele que foi odiado pelo mundo. Jamais podemos nos esquecer de que Aquele a quem seguimos foi um homem sujeito à dor e habituado com o sofrimento, um homem que, diante da sua hora de cruz, não disse: “Pai, livra-me dessa hora!”, mas disse: “Foi precisamente para esta hora que eu vim!” (Jo 12,27). Existe uma cruz que cabe a cada um de nós carregar. Existe uma situação de sofrimento que cabe somente a nós enfrentar. Aquela hora de dor é nossa, e não podemos transferi-la para ninguém. Foi precisamente para aquela hora que viemos: a hora de comprovar o quanto levamos a sério a nossa identidade de discípulos d’Aquele que foi crucificado!

Para radicalizar a sua exigência em relação ao nosso seguimento de discípulos, Jesus afirma: “Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!” (Lc 14,33). Um trapezista só pode ser agarrado pelas mãos de outro trapezista e levado a um lugar mais alto e seguro se ele soltar as mãos da sua barra de segurança. Essa é a exigência que Jesus faz a cada um de nós: “Renuncie à sua barra de segurança; solte as mãos e aceite ficar suspenso no ar, para que minhas mãos segurem as suas e eu possa levar você para uma nova situação de vida”. Jesus só pode ser experimentado como Salvador por aqueles que renunciam às falsas seguranças do mundo e se jogam nos seus braços. Enquanto uma das nossas mãos se estender para Jesus e a outra ficar agarrada à barra de segurança, nada mudará em nossa vida. Jesus só pode ser inteiro para quem se entrega a ele por inteiro.    

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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