Missa do 23º dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 9,13-18; Filêmon 9b-10.12-17; Lucas 14,25-33.
Quem escolhe a roupa que você vai
usar? Quem escolhe o que você vai comer no almoço ou no jantar? Quem escolhe os
vídeos que você vai ver no Youtube? Quem escolhe aonde você vai, ao sair de
casa? Cada vez mais as pessoas rejeitam que os outros decidam por elas. Cada
vez mais as pessoas têm como lema de vida: “Eu faço as minhas escolhas!”. No
entanto, há uma contradição nessa aparente “autonomia”: as mesmas pessoas que
não admitem que os outros escolham por elas fazem suas escolhas não baseadas na
própria consciência, mas na pressão da opinião pública, das redes sociais e da
aprovação dos outros.
Religião é escolha. Deus é escolha.
Igreja é escolha. Houve um tempo em que ter uma religião, acreditar em Deus e
pertencer a uma igreja era questão de tradição: os filhos cresciam religiosos
porque seus pais eram religiosos. Mas a religião transmitida por tradição está
acabando (em muitos lugares, já acabou!). A primeira razão é que os pais de
hoje, na sua maioria, não sentem mais necessidade de pertencerem a uma igreja.
A segunda razão é que o mundo, há muito tempo, não gira mais em torno da
autoridade religiosa, mas do individualismo e do relativismo, onde cada um faz
o que quer. A terceira razão é a conduta pastoral das igrejas tradicionais,
mais preocupadas na manutenção das suas próprias doutrinas e tradições do que
em se colocar junto às pessoas do nosso tempo para falar-lhes de Deus de uma
maneira que lhes seja significativa e que dê sentido à vida delas.
A grande verdade que a nossa Igreja,
em particular, precisa encarar é que ela não significa nada para as novas
gerações. Seus dogmas, sua doutrina e suas tradições nada têm a dizer à vida
concreta das pessoas, sobretudo daquelas que raramente ou nunca são alcançadas
pela ação pastoral da Igreja, a qual privilegia os “católicos tradicionais” e
não têm a coragem de se deixar questionar pela imensa maioria de “católicos”
que são cada vez mais influenciados pelo paganismo moderno. Mais uma vez é
preciso repetir: a insignificância da nossa Igreja para as novas gerações é
diretamente proporcional à sua falta de coragem de se colocar junto da
realidade das novas gerações, de escutá-las e de se deixar questionar por elas.
Em outras palavras, muitos líderes católicos acomodaram-se a ouvir o que o
Espírito Santo tem a dizer por meio da Tradição, mas se recusam a ouvir o que
esse mesmo Espírito tem a dizer por meio da vida, por meio da realidade do
mundo atual.
Nós estamos aqui, na Igreja.
Supostamente, fizemos nossa escolha por Deus e por seu Filho Jesus. Mas essa
escolha vem sendo cada vez mais questionada pelo mundo em que vivemos, o qual,
distanciando-se dos valores do Evangelho critica, marginaliza, persegue ou
rejeita quem escolhe seguir Jesus Cristo. Já refletimos sobre isso dias atrás: escolher
Deus, escolher estar na Igreja, significa experimentar o desprezo por parte do
mundo. Posicionar-se a favor de Cristo e do Evangelho significa entrar em
atrito com pessoas próximas de nós, inclusive nossa própria família! Eis porque
Jesus afirma: “Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe,
sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida,
não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26).
Se Jesus nos faz uma exigência tão
grande é por um único motivo: ele quer criar conosco um relacionamento íntimo e
profundo – mais íntimo e mais profundo do que o relacionamento que possamos ter
com a pessoa que mais amamos na vida! Jesus deseja ser acolhidos pelos nossos
afetos. Normalmente, nossa relação com Ele é pautada pela razão. Sabemos
algumas coisas sobre Jesus; conhecemos algo do seu Evangelho, mas Ele não ocupa
o centro dos nossos afetos. Quando o procuramos, não é porque o amamos, mas
porque precisamos da sua ajuda. Não há como nos tornar discípulos dele tendo-o
como Alguém muito importante e necessário em nossa vida, mas não como o mais
importante e o único necessário!
Uma das coisas que mais coloca em
crise nossa escolha por Jesus é o confronto com a cruz. Quando o sofrimento
atravessa a nossa vida sem pedir licença, fica muito difícil sentir que Jesus
nos ama e realmente se importa conosco. Sentimos o mesmo que Ele sentiu em
relação ao Pai, na cruz: abandono. Jesus, por sua vez, não nos promete uma vida
sem dificuldade, uma existência poupada de dor, um caminho sem cruz. Muito pelo
contrário: “Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode
ser meu discípulo” (Lc 14,27). Assim como Jesus não fugiu das situações
dolorosas, mas enfrentou o sofrimento que lhe cabia enfrentar, assim ele quer
que façamos.
A
cruz não é uma escolha nossa, mas consequência da nossa escolha em sermos
cristãos e discípulos daquele que foi odiado pelo mundo. Jamais podemos nos
esquecer de que Aquele a quem seguimos foi um homem sujeito à dor e habituado
com o sofrimento, um homem que, diante da sua hora de cruz, não disse: “Pai,
livra-me dessa hora!”, mas disse: “Foi precisamente para esta hora que eu vim!”
(Jo 12,27). Existe uma cruz que cabe a cada um de nós carregar. Existe uma
situação de sofrimento que cabe somente a nós enfrentar. Aquela hora de dor é
nossa, e não podemos transferi-la para ninguém. Foi precisamente para aquela
hora que viemos: a hora de comprovar o quanto levamos a sério a nossa
identidade de discípulos d’Aquele que foi crucificado!
Para
radicalizar a sua exigência em relação ao nosso seguimento de discípulos, Jesus
afirma: “Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser
meu discípulo!” (Lc 14,33). Um trapezista só pode ser agarrado pelas mãos de
outro trapezista e levado a um lugar mais alto e seguro se ele soltar as mãos
da sua barra de segurança. Essa é a exigência que Jesus faz a cada um de nós: “Renuncie
à sua barra de segurança; solte as mãos e aceite ficar suspenso no ar, para que
minhas mãos segurem as suas e eu possa levar você para uma nova situação de
vida”. Jesus só pode ser experimentado como Salvador por aqueles que renunciam
às falsas seguranças do mundo e se jogam nos seus braços. Enquanto uma das
nossas mãos se estender para Jesus e a outra ficar agarrada à barra de
segurança, nada mudará em nossa vida. Jesus só pode ser inteiro para quem se
entrega a ele por inteiro.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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