Missa do 5. dom. quaresma: Palavra de Deus: Isaías 43,16-21; Filipenses 3,8-14; João 8,1-11.
“Cada um de nós compõe a sua história,
e cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz, de ser feliz” (Almir Sater, Tocando
em frente). Cada dia que vivemos é uma página que escrevemos no livro da
nossa vida. Se nós pararmos para ler este livro, que vem sendo escrito desde a
nossa infância, encontraremos páginas que relatam alegrias, conquistas e realizações,
como também encontraremos páginas que relatam tristezas, derrotas e frustrações.
Cada página que já escrevemos não pode mais ser apagada e deve ser respeitada,
porque faz parte da nossa história de vida. Se, por acaso, nos arrependemos de
ter escrito algo que hoje não concordamos que deva ser assim, não temos o poder
de apagar o passado, mas temos o poder de escrever um novo capítulo, uma nova
página, no hoje da nossa história de vida.
Em busca de felicidade, em busca de
afeto e de se sentir amada, uma mulher cometeu adultério e foi pega em
flagrante. A Lei mosaica era bem rígida quanto a este pecado, condenando os
adúlteros à pena de morte por apedrejamento. Estranhamente, os mestres da Lei e
os fariseus trazem a mulher adúltera a Jesus, mas não trazem também o homem
adúltero. Ele teria fugido? Eles o estariam acobertando? Não sabemos. Mas o que
temos no Evangelho são três “personagens”, podemos dizer assim: os acusadores,
a mulher acusada e Jesus, a quem é pedido que decida o que fazer com a mulher
pecadora.
Desde a época de Jesus até os nossos
dias, muita coisa mudou. A inversão de valores enfraqueceu as acusações quanto
às situações de pecado, substituindo o sentimento de culpa pelo “direito de ser
feliz”. A própria ideia de pecado foi “desmontada”, acusando a Igreja de “inventar”
o pecado e incutir culpa nas pessoas com o objetivo de controlá-las. O
resultado disso são dois extremos: de um lado, pessoas que se culpam excessivamente
e se condenam por meio de julgamentos severos, os quais lhes tiram a confiança
na misericórdia de Deus, e pessoas para as quais os fins – ser feliz –
justificam os meios – pecar, fazendo o que é mau aos olhos de Deus. E se alguém
lembrar essas pessoas de que o pecado não é uma interpretação subjetiva – o que
eu vejo ou não como errado – mas sim “fazer o que é mau aos olhos de Deus” (Sl
51,6), elas ouvirão de muitos: “Deus quer você feliz”, justificando, assim,
suas atitudes erradas.
A única forma de verificarmos se um
ambiente está limpo ou sujo é abrir as janelas e portas para a luz do sol
entrar ou então, no caso de ser noite, acender as luzes do respectivo ambiente.
O próprio Jesus deixou claro que somente a luz do Espírito Santo, que é o “Espírito
da Verdade”, pode “convencer” uma pessoa a respeito do seu pecado, isto é, pode
tornar a pessoa consciente de que sua atitude está trazendo prejuízos para si
e/ou para os outros (cf. Jo 16,8.13). Sem essa tomada de consciência, nós
continuamos a fazer mal a nós mesmos e aos outros, justificando nossos erros
com a desculpa de que estamos apenas procurando ser felizes.
Diante dos acusadores daquela
mulher, que exigiam de Jesus uma tomada de posição – autorizar ou não o
apedrejamento da pecadora –, Jesus abaixou-se e começou a escrever no chão com
o dedo. Esse gesto de Jesus pode nos lembrar as palavras do profeta Jeremias: “Todos
os que te abandonam... os que se afastam de ti serão escritos na terra, porque
abandonaram a fonte de água viva, Senhor” (Jr 17,13). Talvez Jesus tivesse escrito
no chão os nomes dos pecados dos acusadores da mulher, ou, quem sabe, as coisas
boas que a mulher fez na vida, para lembrar que nenhum pecado resume a história
de vida de uma pessoa.
O que mais importa é a resposta de
Jesus aos acusadores: “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe
uma pedra” (Jo 8,7). Não quem não tenha errado na vida. Não há quem não tenha
escrito alguma página na sua história de vida da qual se arrependa
profundamente. Não há quem, na busca de se sentir amado e de ser feliz, não
tenha machucado a si mesmo ou aos outros. Todos somos pecadores, e as pedras
que porventura temos em nossas mãos para serem atiradas nos outros têm como
alvo principal a nós mesmos! Os olhos que enxergam o pecado dos outros deveriam
enxergar seus próprios pecados e buscar corrigi-los.
O único que poderia condenar aquela
mulher pecadora era Jesus, que nunca pecou. No entanto, ele disse à mulher: “Mulher,
onde estão eles? Ninguém te condenou?” Ela respondeu: “Ninguém, Senhor”. Então
Jesus lhe disse: “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não
peques mais” (Jo 8,10-11). O Pai enviou seu Filho para salvar o ser humano, não
para condená-lo (cf. Jo 3,17). Jesus veio nos ensinar a virar a página do livro
da nossa vida e a escrever uma nova página, um novo capítulo – desta vez, sem o
pecado, sem o erro de fazer o mal a si ou aos outros com a desculpa de que se
está buscando ser feliz.
Se são muitas as pessoas que não
enxergam saída para sua situação de pecado, Jesus veio “abrir a estrada no
deserto e fazer correr rios na terra seca” (cf. Is 43,19). Ele veio nos retirar
do sentimento de culpa e de autocondenação, e nos convidar a fazer como o
apóstolo Paulo: “Esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está
na frente. Corro direto para a meta, rumo ao prêmio, que, do alto, Deus me
chama a receber em Cristo Jesus” (Fl 3,13-14). Todos nós somos chamados a
alcançar a meta que o Pai nos propôs: a salvação em seu Filho Jesus. Correndo
para essa meta, nós às vezes tropeçamos e caímos. Esses tropeços ou essas
quedas não anulam o caminho que já percorremos, não nos fazem voltar para a
estaca zero. Só é preciso que nos levantemos do ponto em que tropeçamos e caímos
e retomemos o caminho, tendo a certeza de que “os que lançam as sementes entre
lágrimas, ceifarão com alegria” (Sl 126,5).
O maior erro não é pecar, mas não
acreditar no perdão de Deus. O maior pecado é não aceitar a correção que o
Espírito da Verdade está nos fazendo, em vista de não errarmos o alvo, a meta,
que é a nossa salvação em Cristo Jesus. O maior erro é desistir de si mesmo(a)
e da vida, fechando-se no círculo vicioso da autocondenação. Viremos a página e
comecemos a escrever um novo capítulo em nossa história de vida, libertos de
toda culpa e de toda condenação.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi