sexta-feira, 18 de março de 2022

A VERDADEIRA TRAGÉDIA

 Missa do 3º. Dom. quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 3,1-8a.13-15; 1Coríntios 10,1-6.10-12; Lucas 13,1-9.

 

            Vez ou outra, nós ficamos sabendo de alguma tragédia: um acidente de carro ou de avião, que causou a morte de diversas pessoas; uma catástrofe natural (terremoto, por exemplo, ou chuvas intensas numa determinada região) que levou à morte muitas pessoas; um ataque terrorista em uma escola, em um templo ou em uma rua movimentada, que também provocou a morte de diversas pessoas etc. As tragédias não apenas estão presentes na história da humanidade, mas, sobretudo em nossa época, elas são uma espécie de combustível da mídia: noticiar tragédias faz subir a audiência dos meios de comunicação.

            Como nós interpretamos as tragédias? Por se tornarem até “comuns”, elas parecem ter perdido a força de nos fazer refletir sobre a nossa existência. No máximo, elas despertam em nós algum sentimento de compaixão com quem morreu, sentimento que precisa “passar logo”; afinal de contas, “a vida continua” e há uma porção de tarefas nos esperando, exigindo a nossa atenção. Desse modo, nós perdemos a oportunidade de refletir para onde a nossa vida está caminhando. Vivemos como se nunca fôssemos morrer. Continuamos a fazer as coisas sem ter a coragem de nos perguntar se precisamos fazer aquilo que fazemos; se os valores que estamos perseguindo são realmente valores; se as nossas energias estão sendo gastas em algo que é passageiro ou em algo que é eterno.

            Jesus aproveitou de duas notícias trágicas na sua época para chamar a atenção sobre a maneira como as pessoas vivem: “Se vocês não se converterem, morrerão todos do mesmo modo” (Lc 13,3.5). Na época de Jesus, existia uma mentalidade perigosa que associava a tragédia ao “merecimento”: pessoas que morreram de forma trágica eram “pecadoras”. A morte súbita delas foi um castigo, por causa dos pecados que cometeram. Jesus jamais concordou com essa interpretação míope frente a uma tragédia. A vida não está enquadrada numa lógica estreita, segundo a qual o bem acontece para quem é bom e o mal acontece para quem é mau. Toda notícia que chega a nós falando da morte de uma pessoa deve nos questionar: “O que morreu em mim?”. “O que está morrendo em mim?”. Todo tipo de destruição que acontece em nossa época deveria nos questionar: “Por que eu tenho o hábito de destruir a mim mesmo?”. “Por que eu permito que pessoas ou situações doentias, tóxicas, destruam a minha vida?”.

“A tragédia não é quando um homem morre. A tragédia é o que morre dentro de um homem quando ele está vivo” (Albert Schweitzer). Se a quaresma é um tempo espiritual propício para a conversão, para a mudança de mentalidade e de atitude, nós precisamos voltar a nos perguntar se nós acreditamos em nossa possibilidade de conversão, de mudança; se nós não apenas desejamos mudar, mas se temos atitudes que efetivamente possibilitam ou favorecem a mudança que queremos em nossa vida.

Ao nos contar a parábola da figueira que não está produzindo frutos Jesus está dizendo que aquilo que morre em nós enquanto ainda estamos vivos deveria nos incomodar profundamente, ao invés de ser visto como “normal”. Quando foi que a minha vida afetiva, profissional, comunitária ou espiritual começou a morrer, a não produzir mais fruto? Que tipo de doença começou a se desenvolver em mim, de modo a me tornar uma pessoa estéril, morta por dentro? Quando foi que eu deixei morrer dentro de mim o amor, a fé, a esperança, o sentido de vida? Por que eu me permiti me tornar uma pessoa pessimista, fatalista, assumindo o papel de vítima diante da vida?

Cada um de nós é essa figueira da parábola contada por Jesus. Deus Pai, o agricultor, nos plantou no chão desta vida, para produzirmos frutos de que somos capazes. Porém, ao se dar conta da nossa esterilidade, dos nossos galhos sem frutos, Ele decidiu enviar o seu Filho para dialogar conosco, para questionar os motivos pelos quais nos deixamos morrer, ao invés de desejarmos viver e promover a vida à nossa volta. Jesus está diante da figueira que somos, intercedendo junto ao Pai: “Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás” (Lc 13,8-9). A Palavra de Jesus está aí para cavar em volta de nós e adubar as nossas raízes, em vista de curar-nos de todo tipo de esterilidade, de fatalismo, de suicídio existencial, de perda de sentido de vida. Se não houver colaboração da nossa parte, se não houver um sincero desejo e uma sincera disposição em mudar nossa maneira de pensar e nossas atitudes, seremos “cortados” da face da terra. Isso, sim, seria uma tragédia: termos sido criados para dar certo, mas neutralizarmos nossas capacidades, trabalhando contra a graça de Deus e morrendo antes da hora.

Repensemos a nossa vida, os nossos valores, onde estamos gastando o nosso tempo, o nosso dinheiro, as nossas energias. Tenhamos a coragem de visitar a figueira da nossa vida afetiva, familiar, relacional, comunitária e espiritual. Desfaçamo-nos das desculpas mentirosas que damos a nós mesmos para continuar nos enterrando vivos a cada dia. Saiamos do pessimismo, do derrotismo, do vitimismo, e assumamos a responsabilidade por nós mesmos, não esperando que os outros façam por nós aquilo que somente nós podemos fazer: voltar a desejar viver; sanar as nossas raízes e desobstruir internamente os nossos galhos, para que eles voltam a produzir os frutos de que são capazes, segundo a fecundidade do Espírito Santo que nos habita.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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