Missa do 3º. Dom. quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 3,1-8a.13-15; 1Coríntios 10,1-6.10-12; Lucas 13,1-9.
Vez ou outra, nós ficamos sabendo de
alguma tragédia: um acidente de carro ou de avião, que causou a morte de diversas
pessoas; uma catástrofe natural (terremoto, por exemplo, ou chuvas intensas
numa determinada região) que levou à morte muitas pessoas; um ataque terrorista
em uma escola, em um templo ou em uma rua movimentada, que também provocou a
morte de diversas pessoas etc. As tragédias não apenas estão presentes na
história da humanidade, mas, sobretudo em nossa época, elas são uma espécie de
combustível da mídia: noticiar tragédias faz subir a audiência dos meios de
comunicação.
Como nós interpretamos as tragédias?
Por se tornarem até “comuns”, elas parecem ter perdido a força de nos fazer
refletir sobre a nossa existência. No máximo, elas despertam em nós algum sentimento
de compaixão com quem morreu, sentimento que precisa “passar logo”; afinal de
contas, “a vida continua” e há uma porção de tarefas nos esperando, exigindo a
nossa atenção. Desse modo, nós perdemos a oportunidade de refletir para onde a
nossa vida está caminhando. Vivemos como se nunca fôssemos morrer. Continuamos
a fazer as coisas sem ter a coragem de nos perguntar se precisamos fazer aquilo
que fazemos; se os valores que estamos perseguindo são realmente valores; se as
nossas energias estão sendo gastas em algo que é passageiro ou em algo que é
eterno.
Jesus aproveitou de duas notícias
trágicas na sua época para chamar a atenção sobre a maneira como as pessoas
vivem: “Se vocês não se converterem, morrerão todos do mesmo modo” (Lc 13,3.5).
Na época de Jesus, existia uma mentalidade perigosa que associava a tragédia ao
“merecimento”: pessoas que morreram de forma trágica eram “pecadoras”. A morte
súbita delas foi um castigo, por causa dos pecados que cometeram. Jesus jamais
concordou com essa interpretação míope frente a uma tragédia. A vida não está
enquadrada numa lógica estreita, segundo a qual o bem acontece para quem é bom
e o mal acontece para quem é mau. Toda notícia que chega a nós falando da morte
de uma pessoa deve nos questionar: “O que morreu em mim?”. “O que está morrendo
em mim?”. Todo tipo de destruição que acontece em nossa época deveria nos
questionar: “Por que eu tenho o hábito de destruir a mim mesmo?”. “Por que eu
permito que pessoas ou situações doentias, tóxicas, destruam a minha vida?”.
“A
tragédia não é quando um homem morre. A tragédia é o que morre dentro de um
homem quando ele está vivo” (Albert
Schweitzer). Se a quaresma é um tempo espiritual propício para a
conversão, para a mudança de mentalidade e de atitude, nós precisamos voltar a
nos perguntar se nós acreditamos em nossa possibilidade de conversão, de
mudança; se nós não apenas desejamos mudar, mas se temos atitudes que
efetivamente possibilitam ou favorecem a mudança que queremos em nossa vida.
Ao
nos contar a parábola da figueira que não está produzindo frutos Jesus está
dizendo que aquilo que morre em nós enquanto ainda estamos vivos deveria nos
incomodar profundamente, ao invés de ser visto como “normal”. Quando foi que a
minha vida afetiva, profissional, comunitária ou espiritual começou a morrer, a
não produzir mais fruto? Que tipo de doença começou a se desenvolver em mim, de
modo a me tornar uma pessoa estéril, morta por dentro? Quando foi que eu deixei
morrer dentro de mim o amor, a fé, a esperança, o sentido de vida? Por que eu
me permiti me tornar uma pessoa pessimista, fatalista, assumindo o papel de
vítima diante da vida?
Cada
um de nós é essa figueira da parábola contada por Jesus. Deus Pai, o
agricultor, nos plantou no chão desta vida, para produzirmos frutos de que
somos capazes. Porém, ao se dar conta da nossa esterilidade, dos nossos galhos
sem frutos, Ele decidiu enviar o seu Filho para dialogar conosco, para
questionar os motivos pelos quais nos deixamos morrer, ao invés de desejarmos
viver e promover a vida à nossa volta. Jesus está diante da figueira que somos,
intercedendo junto ao Pai: “Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar
em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der,
então tu a cortarás” (Lc 13,8-9). A Palavra de Jesus está aí para cavar em
volta de nós e adubar as nossas raízes, em vista de curar-nos de todo tipo de
esterilidade, de fatalismo, de suicídio existencial, de perda de sentido de
vida. Se não houver colaboração da nossa parte, se não houver um sincero desejo
e uma sincera disposição em mudar nossa maneira de pensar e nossas atitudes,
seremos “cortados” da face da terra. Isso, sim, seria uma tragédia: termos sido
criados para dar certo, mas neutralizarmos nossas capacidades, trabalhando
contra a graça de Deus e morrendo antes da hora.
Repensemos
a nossa vida, os nossos valores, onde estamos gastando o nosso tempo, o nosso
dinheiro, as nossas energias. Tenhamos a coragem de visitar a figueira da nossa
vida afetiva, familiar, relacional, comunitária e espiritual. Desfaçamo-nos das
desculpas mentirosas que damos a nós mesmos para continuar nos enterrando vivos
a cada dia. Saiamos do pessimismo, do derrotismo, do vitimismo, e assumamos a
responsabilidade por nós mesmos, não esperando que os outros façam por nós
aquilo que somente nós podemos fazer: voltar a desejar viver; sanar as nossas
raízes e desobstruir internamente os nossos galhos, para que eles voltam a
produzir os frutos de que são capazes, segundo a fecundidade do Espírito Santo
que nos habita.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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