Missa
do 4. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Josué 5,9a.10-12; 2Coríntios 5,17-21;
Lucas 15,1-3.11-32.
Deus não deseja que ninguém se perca (cf. Mt
18,14). No entanto, Ele criou o ser humano livre. Cada um de nós tem liberdade
de escolher e decidir sobre sua própria vida, de seguir o caminho que achar
melhor. Na verdade, a vida tem inúmeros caminhos, e muitos deles nos levam para
longe de Deus, para longe da nossa verdade. Quem de nós nunca se enganou e
nunca seguiu um caminho errado?
A parábola que Jesus nos conta começa com um
pedido do filho mais novo: “Pai, dá-me a parte da herança que me cabe” (Lc
15,12). Ora, o momento de se repartir a herança é quando o pai morre. Muitas
pessoas vivem como se Deus não existisse, como se estivesse morto. Esse filho
mais novo retrata o nosso mundo, um mundo que rejeita a autoridade do Pai, que
não aceita viver debaixo da orientação da Palavra de Deus. Muitas pessoas
decidiram deixar a casa do Pai, deixar a Igreja, pois essa casa se tornou “pequena”
demais para os seus sonhos de liberdade. Deus, por sua vez, respeita a nossa
liberdade: “Israel não quis obedecer-me; então os entreguei ao seu coração
endurecido: que sigam seus próprios caminhos!” (Sl 81,12-13).
A escolha em sair da casa do Pai, a escolha de
“matar” o Pai, leva o filho a viver como órfão: o filho mais novo “juntou o que
era seu e partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida
desenfreada” (Lc 15,13). Às vezes queremos viver a nossa vida do nosso jeito, a
partir da nossa cabeça, uma vida “desenfreada”, isto é, sem o “freio” da
religião, sem o “freio” da Palavra de Deus em nossa consciência. Ora, uma vida “desenfreada”
cedo ou tarde se transforma numa vida autodestrutiva, que destrói a si mesma.
Não é à toa que o filho que tinha tudo na casa do pai agora se encontra
passando fome, sem poder comer até mesmo a comida que ele dava aos porcos. Esse
filho desceu ao mais profundo do poço, ao mais profundo do buraco que ele mesmo
cavou.
Quando nós rejeitamos depender de Deus,
passamos a sofrer uma dependência imposta pelo mundo. Quantas pessoas
estão vivendo no meio de porcos? É a dependência química; a dívida com os
traficantes; o ser explorado como mão de obra barata; o sobreviver dentro de um
relacionamento doentio, onde se experimenta todos os dias agressão física ou
psicológica. Conhecemos inúmeros adolescentes e jovens que
estão nessa experiência do filho mais novo. Mas é preciso reconhecer também que
inúmeros adolescentes e jovens não têm para onde voltar; não têm – e alguns
nunca tiveram – um pai esperando por eles. Nas famílias, é cada vez maior a
ausência do pai, e a nossa missão como Igreja, como cristãos, é ajudar as
pessoas a voltarem a crer que a misericórdia de Deus tem o poder de fazer
voltar à vida aquilo que morreu e de reencontrar aquilo que se perdeu.
Para que isso aconteça, é preciso que o ser
humano se levante de sua queda e tome a decisão de voltar para o Pai. Deus tem
esperança de que cada pessoa reflita em sua consciência, que “caia em si” e
perceba que, por maior que seja a destruição que ela provocou em si mesma,
sempre há possibilidade de fazer uma nova escolha e de tomar uma nova decisão:
“Então caiu em si e disse: ‘(...) Vou-me embora, vou voltar para meu pai e
dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti’” (Lc 15,17-18). Se existe um
caminho de distanciamento, existe também um caminho de reaproximação. Nada está
perdido para sempre; nada está morto definitivamente! É possível voltar! Nós
temos não apenas “para onde” voltar, mas para Quem voltar! Qualquer que seja o
nosso pecado, qualquer que tenha sido o nosso erro de matar o Pai dentro de
nós, Ele continua vivo e de braços abertos para nos receber de volta!
Para quem crê, sempre existe uma páscoa, uma
passagem, um caminho de volta. Para quem tem fé, sempre existe uma passagem da
morte para a vida, da perda para o reencontro. Jesus nos lembra que a páscoa, a
passagem da morte para a vida, acontece sempre que decidimos nos levantar e
voltar ao Pai, assim como também acontece sempre que decidimos perdoar o irmão:
“Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao
encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos... ‘Vamos fazer um banquete. Porque
este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi
encontrado’” (Lc 15,20.23-24). Embora muitas pessoas desistam de si mesmas,
Deus não desiste de nenhum ser humano.
“Deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20). Jesus
nos convida a nos deixar abraçar pelo Pai: ‘Deixem-se abraçar pelo Pai!
Deixem-se ressuscitar por Deus! Deixem-se ser encontradas por Ele!’ Talvez a
nossa relação com Deus Pai seja tão fria quanto à do filho mais velho, que
passou toda a sua vida trabalhando para o Pai, mas não se deixou amar por Ele,
e nem aprendeu a amar como Ele. Todos nós precisamos nos deixar abraçar pelo
Pai e permitir que Ele cure as nossas feridas paternas/maternas. Enfim, todos
nós somos chamados a nos tornar filhos como o Filho, que dedicou sua vida em procurar
e salvar o que estava perdido (cf. Lc 19,10).
“Filho, (...) era preciso festejar e
alegrar-nos, porque esse teu irmão estava morto e tornou a viver; estava
perdido e foi encontrado” (Lc 15,32). É preciso festejar! É preciso que cada
celebração da Eucaristia seja verdadeiramente o momento em que todos nós,
filhos mais novos e filhos mais velhos, nos deixamos abraçar pelo Pai, cujo
nome é Misericórdia! Mas é preciso também que, depois de cada Eucaristia, cada
um de nós volte para a sua casa e seja, no dia a dia, o próprio abraço do Pai a
comunicar, a cada pessoa que encontramos em nosso caminho, que todo aquele que
está morto pode voltar a viver, assim como todo aquele que está perdido pode
voltar a ser encontrado, porque nossa fé é uma fé pascal!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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