Missa do 2. dom. quaresma. Palavra de Deus: Gênesis 15,5-12.17-18; Filipenses 3,17 – 4,1; Lucas 9,28b-36.
Neste início de quaresma, a liturgia
da Palavra nos falou da importância da oração em três momentos: 1) Antes de nos
ensinar o Pai Nosso, Jesus disse que, quando oramos, precisamos saber que o Pai
do céu conhece nossas necessidades antes que lhe peçamos alguma coisa (cf. Mt 6,8).
2) Fundamental na oração é a nossa persistência, a nossa perseverança: devemos pedir
até receber, procurar até encontrar, bater até que a porta seja aberta (cf. Mt
7,7-8). 3) O fruto principal da oração é a nossa transfiguração, ou seja, é
quando as nossas noites escuras são iluminadas por Deus, de modo a
compreendermos que o nosso corpo, sujeito à morte, está destinado a se tornar
um corpo glorioso, como o de Jesus.
Como anda a nossa disposição para orar?
A primeira coisa necessária para orar não é ter tempo, mas ter fé: “Aquele que
se aproxima de Deus deve crer que ele existe e que recompensa os que o procuram”
(Hb 11,6). Olhemos para a oração de Abraão. Ele estava vivendo uma crise de fé.
Já fazia cerca de dez anos que estava caminhando com Deus, mas continuava sem
filho e sem terra: “Meu Senhor, que me darás? Continuo sem filho...” (Gn 15,2).
Assim como Abraão, nós também experimentamos dúvida, inquietação... Há quanto
tempo caminhamos com Deus, sem receber aquilo que achamos que necessitamos;
sobretudo, aquilo que Ele mesmo prometeu nos dar!? Abraão estava vivendo aquilo
que na oração se chama de “noite escura”; o sentimento de ausência de Deus; a
sensação de que tudo não passa de um grande engano, uma grande ilusão. Abraão
estava começando a se decepcionar com Deus...
Eis o fruto da oração de Abraão: “o
Senhor conduziu Abraão para fora e disse-lhe: ‘Olha para o céu e conta as
estrelas, se fores capaz!’ E acrescentou: ‘Assim será a tua descendência’” (Gn
15,5). Quando oramos com sinceridade e profundidade, nossa oração nos conduz “para
fora” da nossa angústia, do nosso medo, da nossa noite escura. Ela abre nossos
olhos, ampliando nosso horizonte de compreensão da vida. Quem não enxergava
nada, agora vê no céu escuro da sua vida estrelas incontáveis, e compreende que
a sua vida, pequena e aparentemente insignificante, está inserida num plano
maior: ser pai de uma multidão, isto é, concretizar uma missão que nos foi
confiada.
“Abraão teve fé no Senhor” (Gn
15,6). “É por isso que, de um só homem, já marcado pela morte, nasceu a multidão
comparável às estrelas do céu” (Hb 11,12). Ainda que nós estejamos “já marcados
pela morte”, de nós pode nascer vida, tão abundante e intensa quanto as
estrelas do céu, porque isso não depende de nós, mas de Deus, que na oração
converte a nossa esterilidade em fecundidade, a nossa pequenez em grandeza, a
nossa morte em vida. A oração se apoia na fé: Deus pode realizar aquilo que nos
promete; Ele pode, da morte, fazer nascer vida.
Muito parecido com Abraão, Jesus
também se coloca em oração. Ele havia acabado de dizer aos seus discípulos
estar ciente da aproximação da sua morte. Com essa inquietação no coração, “Jesus
levou consigo Pedro, João e Tiago, e subiu à montanha para rezar” (Lc 9,28). Quanto
mais nossa oração nascer a partir daquilo que estamos experimentando, melhor. Não
se trata rezar orações “prontas”, mas de procurar levar para a oração aquilo
que temos em nossa alma, em nosso coração: preocupações, medos, angústias,
inquietações, assim como também alegria, gratidão, paz, louvor... E ao falar
com o Pai sobre seu estado de alma perante a consciência de que sua morte estava
se aproximando, Jesus foi transfigurado: “Enquanto rezava, seu rosto mudou de
aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante” (Lc 9,29).
A oração não é o momento em que
fugimos da vida e daquilo que temos que enfrentar, mas o momento em que falamos
com o Pai sobre aquilo que estamos enfrentando, deixando-nos educar por Ele. A
mudança no rosto e na roupa de Jesus refletiu a mudança no seu coração: o Pai
ensinou ao Filho que sua morte de cruz tinha um sentido redentor. Além disso,
sua vida não terminaria na cruz, mas se abriria para a ressurreição, cuja
garantia já estava lhe sendo dada naquela oração. O brilho que resplandeceu na
face e na roupa de Jesus era o brilho antecipado da ressurreição.
Onde nós ficamos em tudo isso? “Deus
fez brilhar em nossos corações a sua glória, glória que resplandece na face de
Cristo. Trazemos, porém, este tesouro em vasos de barro” (2Cor 4,6-7). Ainda
que sejamos vasos de barro – pessoas frágeis, expostas a diversos sofrimentos e
à própria morte – carregamos dentro de nós a luz da glória de Deus que resplandeceu
na face de Cristo, o que significa que estamos destinados à transfiguração: “Somos
cidadãos do céu. De lá aguardamos o nosso Salvador, o Senhor, Jesus Cristo. Ele
transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo
glorioso, com o poder que tem de sujeitar a si todas as coisas” (Fl 3,20-21). Enquanto
nosso mundo inventa diversas formas de maquiar a desfiguração que a morte
diariamente provoca em nós, somos convidados a não viver como pessoas mundanas,
meramente terrenas – “cujo deus é o estômago” (Fl 3,19) – mas a cuidarmos do tesouro
que carregamos dentro do nosso vaso de barro, que é a nossa cidadania celeste.
A educação é um processo de
transfiguração. “Educar” vem do latim “educere”, que significa literalmente
“conduzir para fora” ou “direcionar para fora”. Ao “conduzir” Abraão “para fora”,
Deus o educou a confiar nas Suas promessas. Ao transfigurar Jesus diante dos
discípulos, o Pai educou tanto o Filho quanto seus discípulos a enfrentarem a desfiguração
da cruz. Educar uma pessoa significa “conduzi-la para fora” da sua ignorância e
de tudo aquilo que a desfigura. Muitas famílias precisam ser “direcionadas para
fora” da sua situação de desfiguração. Cada um de nós, assim como a nossa
comunidade, deve abraçar a missão de educar, de ajudar cada pessoa a tornar-se consciente
dos valores que a habitam e que precisam ser “direcionados para fora”, para que
ela realize sua missão no mundo.
Enfim,
não nos enganemos: a transfiguração é um processo lento. Assim como a
desfiguração não acontece de uma hora para outra, assim a transfiguração precisa
de tempo, de paciência, de perseverança; acima de tudo, de constante oração ao
Pai, fonte de transfiguração para todo filho Seu.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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