Missa do 31. dom. comum. Palavra de Deus: Deuteronômio 6,2-6; Hebreus 7,23-28; Marcos 12,28b-34.
Como identificar
uma pessoa que acredita em Deus? O que distingue uma pessoa que crê em Deus de outra
que não crê? A resposta não está na roupa que ela usa, nem nas palavras que ela
diz, nem na fé que ela professa com a boca, nem mesmo na frequência com que ela
vai à igreja ou ao local de culto e de oração. A resposta está nas atitudes da
pessoa. Se essas atitudes expressam amor, ela crê verdadeiramente em Deus.
Portanto, toda pessoa que afirma crer em Deus, mas não ama, está enganando a si
mesma. Toda pessoa que, em nome de Deus e da sua religião, discrimina, odeia ou
deseja a morte de alguém, não chegou a conhecer a Deus: “Aquele que não ama não
conheceu a Deus, porque Deus é Amor” (1Jo 4,8).
Se Deus é Amor, o
nosso relacionamento com Ele só é verdadeiro quando pautado pelo amor. Muito
antigamente, o povo de Israel se relacionava com Deus pautado no oferecimento
de sacrifícios de animais. Mas o próprio Deus afirmou: “É amor que eu quero e
não sacrifícios” (Os 6,6). O próprio Jesus retomou essa verdade ao se dirigir
aos fariseus, que se consideravam homens religiosos exemplares: “Vão e aprendam
o que significa: ‘Misericórdia quero, e não sacrifício’” (Mt 9,13). Misericórdia
– um coração capaz de ser afetado pela miséria do outro – é o amor colocado em
prática. O que Jesus está dizendo é que uma gota de amor vale mais do que uma
tonelada de sacrifícios.
Como é o nosso
relacionamento com Deus? É um relacionamento movido pelo amor ou pelo medo? Por
muito tempo, o relacionamento das pessoas com Deus funcionou na base do medo:
medo do castigo, medo de que as coisas não dessem certo, medo de perder a
proteção e o cuidado de Deus. Hoje, esse medo foi substituído pela indiferença.
É cada vez maior o número de pessoas que seguem pela vida indiferentes a Deus,
sobretudo porque O sentem indiferente a elas, ao que acontece na vida delas. Quem
vai se interessar – pior ainda, quem vai amar – um Deus que permite o
sofrimento e a morte na vida de Seus filhos? Para muitas pessoas, antes de se
pensar em amar a Deus, é preciso digerir a raiva que têm d’Ele, raiva que
desemboca na indiferença para com Ele.
Em nome da
verdade, precisamos reconhecer também que tanto a Igreja quanto nós, cristãos, temos
uma parcela de responsabilidade no distanciamento que as pessoas do nosso tempo
vão tomando de Deus. Nossas atitudes testemunham que Deus é amor e que Ele ama
indistintamente as pessoas – todas as pessoas? Nossas atitudes ajudam as
pessoas a desejarem conhecer o Pai que “faz nascer o sol sobre bons e maus e
derrama a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,48), ou seja, o Deus que ama
incondicionalmente todo ser humano?
Deus não procura
por pessoas que O sirvam como um escravo serve ao seu senhor; Ele procura por
filhos que se deixem amar por Ele: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu
coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6,5). Assim como
nós ocupamos o centro do Seu coração, Ele deseja ocupar o centro do nosso. Assim
como Ele nos ama gratuita e incondicionalmente, Ele deseja nos libertar de um
relacionamento “comercial”, pautado na necessidade, para um relacionamento
orientado pelo amor que nos faz buscar a Deus por quem Ele é e não por algo que
Ele possa nos dar. Dessa forma, nós poderíamos rezar como o salmista: “Eu vos
amo, ó Senhor! Sois minha força, minha rocha, meu refúgio e Salvador!” (Sl
17,2-3).
Após fazermos essa
passagem da necessidade de Deus para o amor a Ele, somos convidados por Jesus a
trazer de volta para a nossa relação com o Pai a pessoa do nosso irmão: “Amarás
o teu próximo como a ti mesmo!” (Mc 12,31), uma vez que amar a Deus “de todo o
coração, de toda a mente, e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo é
melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (Mc 12,33). Para a Sagrada
Escritura, não é possível amar a Deus sem interessar-se pelo ser humano. O amor
a Deus é inseparável do amor ao próximo. “Quem não ama seu irmão que vê, não
pode amar a Deus que não vê... Quem ama a Deus, ame também o seu irmão” (1Jo
4,20s). Portanto, toda religião só é verdadeira quando torna o ser humano melhor,
mais humano, no sentido de levá-lo a amar o seu semelhante.
A religião cristã
é a religião da cruz, feita de dois traços: um vertical, e outro horizontal. O
esforço que nos é pedido em amar a Deus é o mesmo que nos é pedido em amar o
próximo, sabendo que amar não é um sentimento, mas uma atitude: “Tudo o que
vocês quiserem que os outros lhes façam, tomem a iniciativa de fazê-lo a eles,
pois nisso consiste toda a Sagrada Escritura” (citação livre de Mt 7,12). Tomar
a iniciativa de tratar as pessoas como gostaríamos que elas nos tratassem – esta
é a chave, a maneira de colocarmos em prática o amor para com o próximo.