Missa do 30. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 31,7-9; Hebreus 5,1-6; Marcos 10,46-52.
Alguns não conseguem ver saída para
seus problemas, não veem horizonte para a sua vida; outros não aceitam ver
aquilo que a vida insiste em lhes mostrar, não aceitam ver e reconhecer o que
há dentro de si mesmos. Alguns não enxergam suas capacidades, suas
potencialidades, mas apenas suas fraquezas; outros são cegos sendo guiados por
outros cegos, no campo da política e da religião (cf. Mt 15,14). Alguns
católicos recusam a visão de Igreja do Concílio Vaticano II, do Papa Francisco
e dos nossos bispos (CNBB), mas aceitam cegamente a visão de Igreja de um padre
da mídia ou de líderes Movimentos Religiosos Tradicionalistas.
São
muitos os tipos de cegueira no mundo atual. Além de a Covid desencadear um
processo de cegueira em muitas pessoas diabéticas, nós temos hoje a cegueira
ideológica promovida pelas redes sociais; a cegueira que ocorre dentro de casa –
um se recusa a ver o que se passa com o outro – ; a cegueira produzida pelo
vício do celular, que impede enxergar o que acontece à volta da pessoa; a
cegueira provocada pelas fake news (política de desinformação) – a pessoa nunca
leu um livro de Paulo Freire, mas o odeia, rotulando-o de “comunista”. Aliás,
qualquer pessoa que se posicione contrária a alguma atitude do atual governo é
atacada com discursos de ódio nas redes sociais, inclusive por católicos que se
julgam guardiães da “sã doutrina”.
O
que fazer quando não enxergamos um caminho, uma saída, uma possibilidade de
reconstruir aquilo que foi destruído em nossa vida? Exatamente nessa situação, o
profeta Jeremias convidou o povo de Israel a clamar: “Salva, Senhor, teu povo,
o resto de Israel” (Jr 31,7). Diante desse clamor, Deus prometeu abrir um
caminho, para que o povo voltasse do exílio da Babilônia para o seu país de
origem. E o Senhor especificou quais eram as pessoas que percorreriam esse
caminho: “entre eles há cegos e aleijados, mulheres grávidas e parturientes:
são uma grande multidão os que retornam” (Jr 31,8). Ao longo da vida, todos nós
precisamos percorrer diversas vezes esse caminho de volta para o Senhor, de
volta para os braços do nosso Pai.
Qualquer
que seja a nossa cegueira neste momento, a nossa impossibilidade de ver uma
saída, precisamos fazer nossas as palavras do salmista: “Mudai a nossa sorte, ó
Senhor, como torrentes no deserto. Os que lançam as sementes entre lágrimas,
ceifarão com alegria” (Sl 126,4-5). A tristeza não pode nos impedir de lançar
sementes. Justamente porque está escuro, precisamos semear luz; porque é tempo
de intolerância, precisamos semear tolerância; porque é tempo em que nossa
Igreja é acusada de ser composta por “safados e pedófilos”, precisamos semear
discernimento e ajudar as pessoas a enxergarem que aqueles que desejam
desacreditar a nossa Igreja são os mesmos que promovem as desigualdades sociais
e lucram com a consequente violência que tanto mata em nosso País. Em suma, numa
época em que se procura passar a visão distorcida de uma Igreja onde ninguém
presta, é preciso ajudar as pessoas a enxergarem e distinguirem o bebê da água
do banho, para não se jogar tudo fora.
Olhemos
para Bartimeu: cego e mendigo; mendigo porque cego. Interessa à elite
brasileira, que manda nos políticos, manter o nosso povo cego, com baixa
escolaridade e com baixa capacidade de reflexão. Todo cego se contenta em
sobreviver com esmolas, com migalhas; um povo cego “sai barato” para o governo.
Mas Bartimeu deseja sair dessa sua condição e, ouvindo falar que Jesus estava
passando por ali, grita incessantemente por ele: “Jesus, filho de Davi, tem
piedade de mim!” (Mc 10,47). O problema é que o grito de Bartimeu era
repreendido por muitos. Quantos “católicos” usam as redes sociais para “repreenderem”
nossos bispos ou o Papa Francisco quando eles gritam contra as injustiças
sociais, a fome, o desmatamento na Amazônia, a violência que tanto mata em
nosso País?
Mas
Bartimeu não se intimida e grita ainda mais. Assim também deve ser a nossa fé:
gritar, até sermos ouvidos; gritar, até que Deus volte o seu rosto para nós e
nos salve; gritar, como Israel foi aconselhado a gritar no exílio da Babilônia:
“Salva, Senhor, teu povo, o resto de Israel” (Jr 31,7); gritar, a exemplo do
salmista que afirmou: “Este infeliz gritou a Deus e foi ouvido, e o Senhor o
libertou de toda angústia” (Sl 34,7). E foi assim que o grito de Bartimeu
chegou aos ouvidos de Jesus: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” Então Jesus
parou e mandou chamar Bartimeu, que por sua vez jogou o manto, deu um pulo e
foi até Jesus. Jesus lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” Bartimeu respondeu:
“Mestre, que eu veja!” (Mc 10,51).
Os
Evangelhos foram escritos em grego, e a tradução mais precisa da resposta de
Bartimeu a Jesus é: “que eu veja novamente!” Bartimeu não era cego de nascença.
Ele ficou cego em algum momento de sua vida e agora deseja “voltar a ver”. Jesus
hoje nos faz a mesma pergunta que fez a Bartimeu: “O que você deseja que eu lhe
faça? O que você realmente quer? Você tem consciência de que é muito melhor uma
verdade dolorida do que uma mentira confortadora? Você quer uma cura profunda,
que faça você enxergar a verdade, ou quer apenas um remendo provisório para
aliviar a sua dor? Você quer voltar a ver, o que vai exigir que você não viva
mais da compaixão dos outros? Você quer enxergar a vida a partir dos seus
próprios olhos, ao invés de ficar repetindo discursos dos seus guias cegos?
Diante
do sincero desejo de Bartimeu que voltar a ver, Jesus lhe restituiu a visão,
dizendo: “Vai, a sua fé curou você” (Mc 10,52). A sua coragem em desejar voltar
a ver modificou a sua forma de ver a si, aos outros e à vida. Graças à teimosia
do seu grito, graças à persistência de sua fé, você não precisa mais viver como
mendigo, mas pode fazer por si, assumindo a responsabilidade por sua própria
vida.
Para
surpresa de Jesus, após recuperar a visão, Bartimeu não foi embora para casa, mas
passou a seguir Jesus, exatamente na etapa final da sua viagem para Jerusalém, onde
ele se confrontaria com a cruz. Essa decisão de Bartimeu em seguir Jesus revela
uma fé contínua, um seguimento que não é temporário, nem sustentado pela emoção
do momento, mas um seguimento que se tornou compromisso de vida. Enquanto os
doze discípulos estavam seguindo Jesus com medo de enfrentarem a cruz, Bartimeu
tomou a firme decisão de permanecer com Jesus, até o fim.
Oração:
Senhor Jesus, eu quero sinceramente voltar
a ver; quero confrontar-me com a verdade. Livra-me de ser orientado(a) na vida
por guias cegos. Estou consciente de que é muito melhor uma verdade dolorida do
que uma mentira confortadora. Quero levantar-me da minha condição de
mendigo(a), de quem vive esperando compaixão dos outros, para assumir a
responsabilidade perante minha própria vida. Assim como Bartimeu, não quero
apenas receber de ti uma graça, um milagre; quero tornar-me verdadeiramente
discípulo(a), seguindo-te incondicionalmente, deixando-me provocar pela verdade
do teu Evangelho que cura a cegueira do meu coração. Faça-me ver, Senhor,
aquilo que eu preciso ver, para ser curado(a), liberto(a) e salvo(a). Amém!
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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