Missa do 28. Dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 7,7-11; Hebreus 4,12-13; Marcos 10,17-27.
No ano de 1968 os cantores Roberto
Carlos e Erasmo Carlos escreveram a música “É preciso saber viver”, regravada
nos anos 80 pelo grupo Titãs: “É preciso ter cuidado pra mais tarde não sofrer.
É preciso saber viver... Se o bem e o mal existem você pode escolher. É
preciso saber viver”.
Por que é preciso saber viver? Porque
a nossa existência é única e nunca mais se repetirá; porque “aquilo que fazemos
nesta vida ecoa na eternidade” (do filme Gladiador). É preciso saber viver para
não incorrermos no erro mencionado por Dalai Lama anos atrás: “As pessoas
perdem a saúde correndo atrás de dinheiro, e depois perdem dinheiro tentando
recuperar a saúde. Vivem como se não fossem morrer e morrem como se não tivessem
vivido”.
Não basta sobreviver; é preciso
viver com sentido. Analisando os benefícios que a ciência e a tecnologia
trouxeram à humanidade, Victor Frankl percebeu uma lacuna em tudo isso: “Cada
vez mais os homens têm um ‘como’ viver (dinheiro, bens materiais), mas eles não
têm um ‘porque’ viver”. Diante do suicídio da filha, o pai desabafou: “Eu não
entendo o por quê ela fez isso; ela sempre teve tudo”. Não é o dinheiro, não
são as coisas materiais que dão sentido à minha existência. Eu preciso ir em
busca do sentido da minha vida.
Justamente
porque “é preciso saber viver”, um homem ora a Deus pedindo sabedoria: “Supliquei,
e veio a mim o espírito da sabedoria... Em comparação com ela, julguei sem
valor a riqueza... A seu lado, todo o ouro do mundo é um punhado de areia e
diante dela, a prata, será como a lama... Todos os bens me vieram com ela” (Sb 7,7.8.9.11).
Nós precisamos de sabedoria para distinguir o bem real do bem aparente, o
essencial do supérfluo, o que dura para a vida eterna daquilo que se estraga.
O grande problema do nosso mundo
atual é que ele retirou da nossa vida a perspectiva de futuro, o horizonte da
esperança, a certeza da vida eterna. Tudo se resume no aqui e no agora. Se você
não estiver feliz aqui e agora, que sentido tem viver? No entanto, um jovem
procurou Jesus e perguntou: “O que devo fazer para possuir a vida eterna?” Qual
jovem hoje perguntaria isso a Jesus? Quem de nós tem consciência de que “aquilo
que fazemos nesta vida ecoa para a eternidade”? Quem de nós não somente crê, de
fato, na existência da vida eterna, mas também a deseja de todo o coração?
A vida eterna é não somente a
resposta de Deus à insatisfação do coração humano, como também a constatação de
que as injustiças e as desigualdades deste mundo exigem uma resposta, clamam
por justiça, e Deus fará justiça, julgando cada ser humano e fazendo-o
confrontar-se com a consequência das suas escolhas, das suas decisões e das suas
atitudes enquanto viveu sua existência terrena (cf. 2Cor 5,10; Rm 14,12). É por
isso que precisamos pedir ao Senhor o mesmo que o salmista pediu: “Ensinai-nos
a contar os nossos dias, e dai ao nosso coração sabedoria!” (Sl 90,12). Os
nossos dias passam rápido e escapam como água por entre os nossos dedos. Diante
da brevidade da nossa existência neste mundo, precisamos que o Senhor nos
ensine a viver como pessoas destinadas à vida eterna.
O jovem que procurou por Jesus era
um ser humano de coração bom, que vivia sua vida segundo a vontade de Deus
(praticava os mandamentos, principalmente os que se referiam ao próximo!). Por isso,
“Jesus olhou para ele com amor”, mas quis desafiá-lo a dar mais um passo no seu
crescimento espiritual: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá
aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!' Mas quando ele
ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico
(Mc 10,21-22).
Quando ouvimos a Palavra de Deus, pode
acontecer que, ao invés de ela nos trazer paz, traz inquietação; ao invés de
nos encher de alegria, nos enche de tristeza. Isso é muito importante!
Significa que Deus está querendo nos livrar de uma falsa segurança, uma
segurança que está nos impedindo de sermos totalmente d’Ele. No fundo, Jesus desafiou
aquele jovem a libertar-se da falsa segurança das suas riquezas, mas ele não
teve essa coragem. Diante disso, Jesus constatou: “Como é difícil para os ricos
entrar no Reino de Deus!... É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma
agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” (Mc 10,23.25).
Talvez essas sejam as palavras mais “escandalosas”
de Jesus no Evangelho. Para atenuar o “escândalo”, várias tentativas foram
feitas para “interpretar” de maneira mais suave o que Jesus disse, alegando que
o camelo é uma corda e a agulha é uma porta estreita que existia em Jerusalém,
na época de Jesus. No entanto, Jesus não admite ser “domesticado” pela nossa
falta de coragem em viver com radicalidade seu Evangelho. Camelo é camelo e agulha
é agulha! Não existe nada mais perigoso para nos afastar da vida eterna do que
o dinheiro, simplesmente porque ele é garantia para uma vida tranquila aqui e
agora. A única maneira de torná-lo uma ponte que nos conduza para a vida eterna
é usá-lo para socorrer os pobres em suas necessidades (cf. Lc 16,9).
Neste mundo que idolatra o dinheiro
e que privilegia os ricos em detrimento dos pobres, “é preciso saber viver”.
Neste mundo onde o amor ao dinheiro contaminou igrejas e pregadores através da “teologia
da prosperidade”, um mundo onde filhos de classe média e alta têm cada vez mais
“como” viver, mas não têm “por que” viver (não encontram um sentido para a
vida), “é preciso saber viver”. Neste mundo onde os valores estão invertidos,
de cujo horizonte foi desfeita a crença na vida eterna, precisamos aprender a
pedir a Deus sabedoria para viver nossa vida com sentido:
“Senhor,
meu Deus, não te peço nem riqueza, nem pobreza; concede-me apenas o meu pedaço
de pão de cada dia. Que eu não me torne cheio de bens materiais a ponto de
achar que não preciso de Ti e que não me importa a vida eterna. Que eu também não
seja tão pobre, tão miserável, a ponto de ter que roubar para sobreviver, e acabar
profanando o nome do meu Deus” (citação livre de Provérbios 30,8-9). Torna-me
consciente de que, se a minha maneira de viver a minha vida presente neste
mundo me levar a perder a vida eterna, eu terei perdido tudo. Amém.
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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