quinta-feira, 7 de outubro de 2021

NÃO BASTA TER MEIOS PARA VIVER; É PRECISO QUE A VIDA TENHA SENTIDO

 Missa do 28. Dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 7,7-11; Hebreus 4,12-13; Marcos 10,17-27.

 

            No ano de 1968 os cantores Roberto Carlos e Erasmo Carlos escreveram a música “É preciso saber viver”, regravada nos anos 80 pelo grupo Titãs: “É preciso ter cuidado pra mais tarde não sofrer. É preciso saber viver... Se o bem e o mal existem você pode escolher. É preciso saber viver”.

            Por que é preciso saber viver? Porque a nossa existência é única e nunca mais se repetirá; porque “aquilo que fazemos nesta vida ecoa na eternidade” (do filme Gladiador). É preciso saber viver para não incorrermos no erro mencionado por Dalai Lama anos atrás: “As pessoas perdem a saúde correndo atrás de dinheiro, e depois perdem dinheiro tentando recuperar a saúde. Vivem como se não fossem morrer e morrem como se não tivessem vivido”.

            Não basta sobreviver; é preciso viver com sentido. Analisando os benefícios que a ciência e a tecnologia trouxeram à humanidade, Victor Frankl percebeu uma lacuna em tudo isso: “Cada vez mais os homens têm um ‘como’ viver (dinheiro, bens materiais), mas eles não têm um ‘porque’ viver”. Diante do suicídio da filha, o pai desabafou: “Eu não entendo o por quê ela fez isso; ela sempre teve tudo”. Não é o dinheiro, não são as coisas materiais que dão sentido à minha existência. Eu preciso ir em busca do sentido da minha vida.    

Justamente porque “é preciso saber viver”, um homem ora a Deus pedindo sabedoria: “Supliquei, e veio a mim o espírito da sabedoria... Em comparação com ela, julguei sem valor a riqueza... A seu lado, todo o ouro do mundo é um punhado de areia e diante dela, a prata, será como a lama... Todos os bens me vieram com ela” (Sb 7,7.8.9.11). Nós precisamos de sabedoria para distinguir o bem real do bem aparente, o essencial do supérfluo, o que dura para a vida eterna daquilo que se estraga.

            O grande problema do nosso mundo atual é que ele retirou da nossa vida a perspectiva de futuro, o horizonte da esperança, a certeza da vida eterna. Tudo se resume no aqui e no agora. Se você não estiver feliz aqui e agora, que sentido tem viver? No entanto, um jovem procurou Jesus e perguntou: “O que devo fazer para possuir a vida eterna?” Qual jovem hoje perguntaria isso a Jesus? Quem de nós tem consciência de que “aquilo que fazemos nesta vida ecoa para a eternidade”? Quem de nós não somente crê, de fato, na existência da vida eterna, mas também a deseja de todo o coração?

            A vida eterna é não somente a resposta de Deus à insatisfação do coração humano, como também a constatação de que as injustiças e as desigualdades deste mundo exigem uma resposta, clamam por justiça, e Deus fará justiça, julgando cada ser humano e fazendo-o confrontar-se com a consequência das suas escolhas, das suas decisões e das suas atitudes enquanto viveu sua existência terrena (cf. 2Cor 5,10; Rm 14,12). É por isso que precisamos pedir ao Senhor o mesmo que o salmista pediu: “Ensinai-nos a contar os nossos dias, e dai ao nosso coração sabedoria!” (Sl 90,12). Os nossos dias passam rápido e escapam como água por entre os nossos dedos. Diante da brevidade da nossa existência neste mundo, precisamos que o Senhor nos ensine a viver como pessoas destinadas à vida eterna.

            O jovem que procurou por Jesus era um ser humano de coração bom, que vivia sua vida segundo a vontade de Deus (praticava os mandamentos, principalmente os que se referiam ao próximo!). Por isso, “Jesus olhou para ele com amor”, mas quis desafiá-lo a dar mais um passo no seu crescimento espiritual: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!' Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico (Mc 10,21-22).

            Quando ouvimos a Palavra de Deus, pode acontecer que, ao invés de ela nos trazer paz, traz inquietação; ao invés de nos encher de alegria, nos enche de tristeza. Isso é muito importante! Significa que Deus está querendo nos livrar de uma falsa segurança, uma segurança que está nos impedindo de sermos totalmente d’Ele. No fundo, Jesus desafiou aquele jovem a libertar-se da falsa segurança das suas riquezas, mas ele não teve essa coragem. Diante disso, Jesus constatou: “Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!... É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” (Mc 10,23.25).

            Talvez essas sejam as palavras mais “escandalosas” de Jesus no Evangelho. Para atenuar o “escândalo”, várias tentativas foram feitas para “interpretar” de maneira mais suave o que Jesus disse, alegando que o camelo é uma corda e a agulha é uma porta estreita que existia em Jerusalém, na época de Jesus. No entanto, Jesus não admite ser “domesticado” pela nossa falta de coragem em viver com radicalidade seu Evangelho. Camelo é camelo e agulha é agulha! Não existe nada mais perigoso para nos afastar da vida eterna do que o dinheiro, simplesmente porque ele é garantia para uma vida tranquila aqui e agora. A única maneira de torná-lo uma ponte que nos conduza para a vida eterna é usá-lo para socorrer os pobres em suas necessidades (cf. Lc 16,9).  

            Neste mundo que idolatra o dinheiro e que privilegia os ricos em detrimento dos pobres, “é preciso saber viver”. Neste mundo onde o amor ao dinheiro contaminou igrejas e pregadores através da “teologia da prosperidade”, um mundo onde filhos de classe média e alta têm cada vez mais “como” viver, mas não têm “por que” viver (não encontram um sentido para a vida), “é preciso saber viver”. Neste mundo onde os valores estão invertidos, de cujo horizonte foi desfeita a crença na vida eterna, precisamos aprender a pedir a Deus sabedoria para viver nossa vida com sentido:

“Senhor, meu Deus, não te peço nem riqueza, nem pobreza; concede-me apenas o meu pedaço de pão de cada dia. Que eu não me torne cheio de bens materiais a ponto de achar que não preciso de Ti e que não me importa a vida eterna. Que eu também não seja tão pobre, tão miserável, a ponto de ter que roubar para sobreviver, e acabar profanando o nome do meu Deus” (citação livre de Provérbios 30,8-9). Torna-me consciente de que, se a minha maneira de viver a minha vida presente neste mundo me levar a perder a vida eterna, eu terei perdido tudo. Amém.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

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