sexta-feira, 27 de novembro de 2020

REAPRENDER A ESPERAR PELO SENHOR

 Missa do 1. dom do advento. Palavra de Deus: Isaías 63,16b-17.19b;64,2b-7; 1Coríntios 1,3-9; Marcos 13,33-37.

 

            Num momento de grande dor e de perda de esperança para Jerusalém, Deus se dirige a essa cidade, por meio do profeta Jeremias, e lhe garante: “Existe recompensa para a sua dor; há esperança para o seu futuro” (Jr 31,16.17). Hoje nós iniciamos o tempo do advento, tempo que nos convida à espera e à esperança. Como seres humanos, nós somos carregados de desejos, e, por isso, carregados de espera: esperamos que nossos desejos se realizem. O tempo do advento nos abre justamente para o futuro e para a esperança, com a diferença de que, mais do que a realização dos nossos desejos humanos, esperamos Aquele que vem.

            O desejo e a esperança nos dizem que nossa vida não pode ser vivida em função do passado, assim como o nosso presente não pode estar fechado em si mesmo. Há um futuro e uma esperança! O Senhor Jesus vem, e sua vinda nos convida a abrir as portas e janelas da nossa casa interior, do nosso mundo, para respirar o ar da sua aproximação, da sua chegada. Nós aguardamos o Senhor Jesus Cristo animados pela certeza de que o Pai nos “dará perseverança” em nosso “procedimento irrepreensível, até ao fim, até ao dia de nosso Senhor, Jesus Cristo. Deus é fiel; por ele” fomos “chamados à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo, Senhor nosso” (1Cor 1,8-9).

            É possível que muitas pessoas se sintam cansadas em sua esperança. O passado ainda lhes pesa e o presente não lhes apresenta perspectiva de mudança. Por isso, para reavivar a nossa esperança, o profeta Isaías nos coloca diante dessa certeza: “Nunca se ouviu dizer nem chegou aos ouvidos de ninguém, jamais olhos viram que um Deus, exceto tu, tenha feito tanto pelos que nele esperam” (Is 64,3). Manter a esperança viva dentro de si é o mesmo que abrir a porta para que Deus entre e faça aquilo que só Ele pode fazer, em vista da nossa salvação. Não esperar em Deus e por sua salvação é o mesmo que manter-se fechado à ação da Sua graça.

Como esperar pelo Senhor que vem? O próprio profeta Isaías nos dá a dica: “Vens ao encontro de quem pratica a justiça com alegria, de quem se lembra de ti em teus caminhos” (Is 64,4). Espera-se pelo Senhor praticando a justiça com alegria, isto é, não desistindo de ser uma pessoa justa, correta, boa, íntegra. Espera-se pelo Senhor lembrando-se d’Ele em seu caminho cotidiano, procurando viver segundo a sua Palavra, segundo a sua vontade. É por isso que Jesus chama a nossa atenção para a responsabilidade que foi confiada a cada um de nós. Esperamos pelo Senhor sendo fiéis à tarefa que Ele nos confiou. Mesmo quando estamos desanimados e enfraquecidos em nossa esperança, precisamos abraçar diariamente a tarefa que nos é confiada pela vida.

Para falar da sua vinda, Jesus usa uma imagem: “É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa” (Mc 13,34). Cada um de nós tem uma tarefa perante a vida; cada um de nós é responsável por cuidar de algo neste mundo. Essa responsabilidade, esse cuidado, são sublinhados por Jesus por meio da atitude da vigilância: “Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem... Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: Vigiai!” (Mc 13,35-37).

Muitas pessoas se entregaram ao sono do desânimo, da perda de sentido de vida, ao sono do pessimismo e da falta de esperança. São pessoas que, ao invés de serem motivadas a partir de dentro, esperam que a motivação venha de fora; são pessoas que, ao invés de terem uma orientação interna, esperam em vão por uma orientação externa. No entanto, a mudança vem  de dentro, não de fora; a motivação e a orientação devem vir de dentro de nós, jamais de fora! Vigiar, não dormir, é uma decisão que cabe a cada um de nós tomar, não esperando que o mundo torne as coisas favoráveis a nós.    

            “O que vos digo, digo a todos: Vigiai!” (Mc 13,37). Passar do sono para a vigilância significa reavivar nossa vida de oração, sabendo que toda oração é sempre uma atitude de esperança. Quem não tem esperança não consegue rezar. Vigiar significa diariamente colocar-se como barro nas mãos do nosso Oleiro (cf. Is 64,7). Vigiar significa levantar-se todo dia para caminhar ao encontro do Senhor que vem, buscando na sua Palavra a orientação para aquele dia, para o “hoje” da nossa vida. Vigiar significa aprender a suportar a dor, o cansaço e a impaciência da espera, sabendo que existe recompensa para a nossa dor; há esperança para o nosso futuro (cf. Jr 31,16.17).

 

ORAÇÃO: Senhor, nosso Deus, Tu és nosso Pai e Redentor. Rasga os teus céus e desce até nós, como chuva abundante sobre a terra árida da nossa vida. Tu és o nosso Oleiro e nós nos entregamos como barro em tuas mãos, confiantes na ação da vossa graça em nosso favor.

Visita-nos em nossa necessidade de conversão e de salvação! Afasta de nós o sono do pessimismo e da falta de esperança. Fortalece-nos em nossa fé, tornando-nos capazes de vigilância. Que o Teu Filho Jesus, ao chegar, nos encontre cuidando daquilo que foi confiado aos nossos cuidados.

Especialmente neste tempo de advento, reaviva a virtude da esperança no coração de todo ser humano, dando-lhe a certeza de que há uma recompensa para a dor da espera, há um futuro para todo aquele que luta para manter viva sua esperança. Por Jesus, Aquele que vem. Assim seja!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

SEREMOS JULGADOS SE AMAMOS, SE CUIDAMOS DE QUEM NECESSITAVA DO NOSSO CUIDADO

 

Missa de Cristo Rei do Universo. Palavra de Deus: Ezequiel 34,11-12.15-17; 1Coríntios 15,20-26.28; Mateus 25,31-46.

 

A história humana tem um fim? As guerras, a fome, as doenças, a violência, as tragédias, os acidentes e as injustiças sociais costumam colocar um fim precoce à vida e aos sonhos de muitas pessoas. Mas, nem a história individual de cada pessoa, nem a história humana tem como fim a morte, e sim o encontro com Aquele que é o princípio e o fim (cf. Ap 1,17), Aquele por meio de quem o Pai decidiu reunir e restaurar todas as coisas; “as que estão na terra e as que estão no céu” (Ef 1,10). Portanto, mais do que um fim, a história humana tem uma finalidade, uma razão, um sentido, um para quê: no horizonte da história humana está o encontro com Jesus Cristo, por meio de quem foram feitas todas as coisas (cf. Jo 1,3), o Redentor de todo ser humano.

Esse encontro já foi anunciado nos Evangelhos dos dois últimos domingos, na parábola das virgens prudentes – Cristo deve nos encontrar com a lâmpada da fé acesa, alimentada pelo óleo da esperança (cf. Mt 25,1-13) – e na parábola dos talentos – Cristo nos pergunta se estamos nos responsabilizando pela tarefa que a vida está nos pedindo neste momento (cf. Mt 25,14-30). O que temos agora diante dos nossos olhos é o momento solene em que “todos os povos da terra” são reunidos diante de Jesus, e ele separa “uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos” (Mt 25,32).

“Todos os povos da terra” se encontrarão com Jesus porque “Deus o constituiu juiz dos vivos e dos mortos” (At 10,42), o que significa que “todos nós teremos de comparecer manifestamente no tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba a retribuição do que tiver feito durante sua vida no corpo, seja para o bem, seja para o mal” (2Cor 5,10). Aquele que hoje é o Salvador e o Redentor de todo ser humano, assumirá sua função de Juiz de todo ser humano, e nos julgará não segundo as aparências, mas segundo a verdade do nosso coração, a verdade das nossas atitudes.

Esperar pelo julgamento de Cristo significa esperar pelo cumprimento da promessa que Deus fez por meio do profeta Ezequiel: “Eu farei justiça entre uma ovelha e outra” (Ez 34,17). Quantas injustiças são cometidas diariamente na face da terra? Quantas pessoas partiram dessa vida sem ver justiça? Quantos hoje à nossa volta têm fome e sede de justiça? Especialmente em nosso país, lamentavelmente caracterizado por ser desigual e injusto, um país que favorece a impunidade, quantos sofrem com a falta de justiça; quantos desistiram de esperar por justiça?

Durante sua vida terrena, Jesus conheceu de perto o sofrimento e as injustiças humanas. Nenhum sofrimento e nenhuma injustiça passam despercebido dele. Ele se identifica com os que sofrem e com os que são injustiçados. Ele é o justo Juiz a quem o Pai concedeu o poder de julgar todo ser humano, e, como o Evangelho deixa claro, esse julgamento se dá não em relação à nossa vivência religiosa, mas social, humana, cotidiana; concretamente, na maneira como nos posicionamos diante de quem sofre.

São João da Cruz costumava dizer que “no entardecer da vida, seremos julgados a respeito do amor”. Quando sua vida terrena terminar, Jesus lhe perguntará se você amou, e, como acabamos de ver no Evangelho de hoje, amar não é um sentimento, mas uma atitude: amar é dar de comer, dar de beber, cuidar, visitar, não abandonar, defender, fazer-se próximo de quem precisa. Segundo o Papa Francisco, “a pandemia do Covid-19 despertou, por algum tempo, a consciência de sermos uma comunidade mundial que viaja no mesmo barco, onde o mal de um prejudica a todos. Deus queira que tenhamos dado um salto para uma nova forma de viver e descubramos, enfim, que precisamos e somos devedores uns dos outros” (FT nn.34-35).

A cena do julgamento final nos convida a olhar para o presente, para a maneira como hoje estamos tratando as pessoas menos favorecidas, sobretudo aquelas mais expostas ao sofrimento à nossa volta. Diante das ovelhas feridas desse imenso rebanho que é a humanidade, Deus assumiu um compromisso: “Vou cuidar de minhas ovelhas e vou resgatá-las de todos os lugares em que foram dispersadas num dia de nuvens e escuridão. Vou procurar a ovelha perdida, reconduzir a extraviada, enfaixar a da perna quebrada, fortalecer a doente” (Ez 34,14.16). É através dos homens e mulheres de bem que Deus cumpre essa promessa; é através das nossas mãos que Deus cuida das pessoas à nossa volta. O nosso culto e a nossa oração a Deus só se revelam verdadeiros quando saímos deles dispostos a cuidar das pessoas que necessitam de nós.

 

ORAÇÃO: Senhor Jesus Cristo, hoje venho pedir perdão por toda atitude minha de indiferença para com os necessitados. Quando o Senhor permite que uma pessoa carente cruze o meu caminho, é porque há algo que eu posso fazer por ela.

Hoje teu Evangelho me recorda que, no entardecer da minha vida, eu serei julgado(a) a respeito do amor. O Senhor, como justo Juiz, me perguntará se eu amei, se eu me deixei afetar pelo sofrimento das outras pessoas, se eu dei minha colaboração para tornar esse mundo mais justo e mais humano.

Quero abrir-me àqueles que estão à minha volta. Quero abraçar contigo a missão de procurar a ovelha perdida, reconduzir a extraviada, cuidar daquela que está ferida e defender aquela que está ameaçada por algum tipo de maldade ou injustiça. Ajuda-me a não me fechar em mim mesmo(a), mas a me fazer próximo(a) de toda pessoa que eu puder ajudar. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

 

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

A PERGUNTA FUNDAMENTAL: O QUE EU POSSO OFERECER À VIDA?

 Missa do 33. dom. comum. Palavra de Deus: Provérbios 31,10-13.19-20.30-31;  1Tessalonicenses 5,1-6; Mateus 25,14-30.

             Onde se encontra o sentido da vida? Para muitas pessoas, ele se encontra no desfrutar a vida o máximo possível: comer, beber, consumir; ser amado, ser percebido, ser valorizado; ter sucesso, vencer sempre etc. As pessoas que entendem dessa forma o sentido da vida, vivem sua existência a partir de uma pergunta: “O que a vida tem a me oferecer?”, uma pergunta que se desdobra em diversas outras: O que este casamento tem a me oferecer? O que esta profissão ou esta empresa tem a me oferecer? O que Deus, a Igreja ou esta religião tem a me oferecer? O que as outras pessoas têm a me oferecer?

            Jesus, com a parábola dos talentos, nos ensina que o sentido da vida não é esse; ele consiste numa missão, numa tarefa: multiplicar os talentos que recebemos. Na verdade, trata-se de multiplicar os talentos que somos. Nós não temos talentos, mas somos talentos, da mesma forma como a nossa vida, a nossa existência, não tem uma missão, não tem uma tarefa, mas é uma missão, é uma tarefa. O sentido da sua vida está em você responder ao que a vida lhe pede, à missão ou à tarefa que a vida lhe confia a partir da sua existência, que é única.

            Enquanto os dois primeiros servos da parábola se responsabilizaram perante a vida, trabalhando para multiplicar os talentos que receberam, o terceiro, além de se acovardar perante a vida – ele decidiu enterrar o talento que recebeu –, responsabilizou o patrão – imagem simbólica de Deus – pelo fracasso da sua própria existência: “Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. Por isso fiquei com medo e escondi o teu talento no chão. Aqui tens o que te pertence” (Mt 25,23-24).

            Será verdade mesmo que Deus é alguém severo e injusto, que quer colher onde não plantou? Não se trata justamente do contrário, de que Deus é alguém bom, que sabe da nossa capacidade porque nos plantou na terra, no campo da vida, como pessoas capazes de florescer, de frutificar, de multiplicar os talentos que somos? Essa distorção da imagem de Deus é própria de pessoas que não assumem a responsabilidade perante a própria vida, mas vivem responsabilizando os outros pelo fracasso que elas se tornaram: se eu tivesse recebido mais talentos (Deus não me deu o suficiente!), se eu tivesse nascido numa outra família, numa outra época, numa outra condição social (as pessoas e o meio social não colaboram comigo!), eu teria conseguido multiplicar meus talentos!

            Deus não se deixa enganar por nossas desculpas esfarrapadas. Ele sabe a razão pela qual fugimos à responsabilidade: “Servo mau e preguiçoso!” (Mt 25,26). “Mau” porque quem não faz o bem que é capaz de fazer, é a mesma coisa se fizesse diretamente o mal. Quem não se move para sanar as feridas do seu relacionamento, ou para combater as injustiças à sua volta, ou para tornar o mundo um pouco melhor, colabora para o que mal destrua tudo isso. Nós não precisamos ser pessoas que fazem o mal, para nos tornarmos maus; só o fato de termos preguiça em fazer o bem que podemos já nos torna pessoas más aos olhos de Deus.  

            Além de ter sido omisso em fazer o bem que podia, o servo foi declarado por Deus como uma pessoa “preguiçosa”. A preguiça é a norma de vida das novas gerações. A grande maioria das pessoas hoje tem preguiça de ler um livro ou um texto um pouco longo; tem preguiça de estudar, de aprofundar ou de ampliar seu conhecimento; tem preguiça de conhecer-se, e, se preciso for, de enfrentar uma terapia; tem preguiça de rezar, de ler a Bíblia, de buscar Deus, de ir a uma igreja. E o resultado da preguiça é um só: “Tirai dele o talento e dai-o àquele que tem dez! Porque a todo aquele que tem será dado mais, e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado” (Mt 25,28-29).

“Daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado” (Mt 25,29). A vida tem uma lei: quem não trabalha pelo seu crescimento, regride, atrofia, fica cada dia mais fraco, sente-se sempre mais incapaz, morre muito antes da hora. Esse terceiro servo da parábola é exatamente isso, “é uma vida morta” (São Gregório de Nissa). Se não queremos permitir que a preguiça faça a nossa vida fracassar, precisamos exercitar a nossa vontade. Crescer, superar-se, alcançar seus objetivos não é uma questão nem de destino, nem de sorte, mas de trabalho, de dedicação, de uma vontade que foi exercitada até se tornar forte e persistente. Quem, como o terceiro servo da parábola, enterra seu talento, ou seja, enterra sua responsabilidade, não tem motivo algum para reclamar do fato de a sua vida ir para um buraco chamado “fracasso”.   

Resumindo, Jesus nos desafia a nos responsabilizarmos perante a nossa vida, tendo como pergunta fundamental: “O que eu posso oferecer à vida?”, ou então: “Para qual tarefa a vida está me chamando neste momento?”. Jesus nos convida a reconhecer os talentos que somos, e a exercitar a nossa vontade para multiplicá-los, em vista do bem nosso, da Igreja e da sociedade humana. Jesus não nos quer coveiros de nós mesmos, pessoas que diariamente se enterram, se jogam no buraco do vitimismo e da falta de responsabilidade perante a própria vida, esperando inutilmente que alguém tenha compaixão e venha nos tirar dali.

Reconheçamos nossos talentos! Tomemos posse das nossas capacidades, da nossa liberdade e da nossa responsabilidade. Despertemos a nossa vontade e trabalhemos com alegria e esperança na superação dos problemas que afligem a nós e à humanidade.   

 

            ORAÇÃO: Senhor Jesus, meus talentos estão em minhas mãos. Eles me foram dados em vista do meu próprio bem, assim como o da Igreja e da sociedade humana. Ajuda-me a me tornar consciente deles! Disponho-me a abraçar a tarefa que a vida está me pedindo neste momento. Fortalece minha coragem e minha vontade, para que eu não me defenda da vida, mas viva intensamente seus desafios em vista do meu crescimento e da minha libertação. Que a graça do Espírito Santo visite todas as pessoas que decidiram enterrar-se vivas, e as convença a se levantar e a sair dos buracos que elas mesmas cavaram para si. Que a minha vontade se fortaleça e não permita que o medo ou a preguiça prejudiquem minha vivência cristã no mundo. Amém!  

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

A FÉ SOBREVIVE QUANDO ALIMENTADA DE ESPERANÇA

 Missa do 32. dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 6,12-16; 1Tessalonicenses 4,13-18; Mateus 25,1-13.

 

A sua vida hoje é o que você esperava dela? Talvez, a maioria das pessoas responda “não” a essa pergunta. No entanto, a vida é como ela é, e não como nós gostaríamos que ela fosse. Certamente, alguns ou muitos dos nossos sonhos ainda não foram concretizados, assim como algumas das nossas metas ainda não foram alcançadas. Mas, pior do que ainda não termos realizado nosso sonho ou alcançado nossa meta, é não termos nenhum sonho, nenhuma meta. Pior do que não termos nossa esperança realizada é caminharmos na vida sem nenhuma esperança. Uma pessoa sem esperança é alguém que não espera nada, nem da vida, nem dos outros, nem de Deus, nem de si mesma, e quem não espera nada simplesmente morreu por dentro.

Jesus não nos quer mortos por dentro; ele não nos quer desprovidos de esperança. No seu Evangelho ele pergunta pela nossa esperança; não só se temos esperança, mas como estamos alimentando nossa esperança. Através da parábola das dez virgens que esperam pelo noivo, Jesus pergunta a nós, sua Igreja, se ainda esperamos por ele, nosso Esposo; se ainda mantemos no horizonte da nossa fé a certeza de que ele está vindo ao encontro de cada um de nós, conforme a promessa: “Ele virá... para aqueles que o esperam para lhes dar a salvação” (Hb 9,28).

Seja para aqueles que ainda esperam por ele, seja para aqueles que desistiram de esperar, Jesus virá para todos, mas só celebrarão com ele a festa de casamento aqueles que estiverem com suas lâmpadas acesas, símbolo bíblico da fé. Quando começaram a esperar pelo noivo, as lâmpadas das dez virgens estavam acesas, mas a chama das lâmpadas era alimentada com óleo, da mesma forma como nosso celular é alimentado por uma bateria. Como o noivo demorou, o óleo que havia na lâmpada foi consumido e, para se manter a lâmpada acesa, foi preciso usar a reserva de óleo. Eram “dez” as virgens, número que simboliza a humanidade. Cinco virgens – chamadas “previdentes” – tinham levado essa reserva, mas cinco não – chamadas “imprevidentes”. A humanidade se divide em pessoas que se responsabilizam pela sua salvação e pessoas que não se responsabilizam.

O nosso problema não está na fé (lâmpada acesa), mas numa fé que não é alimentada pela esperança (reserva de óleo). A grande maioria das pessoas cristãs um dia teve fé em Jesus; um dia sentiu sua lâmpada interior acesa! Mas essa chama inicial não suportou a demora do Senhor, uma demora que faz parte do Seu mistério. Por mais que tenhamos fé em Deus, não podemos controlá-Lo, não podemos enquadrá-Lo nas nossas expectativas: Ele virá e se manifestará em nossa vida quando Ele quiser, quando for a hora certa, e não quando esperamos que Ele venha. Essa impossibilidade de controlar Deus e de fazê-Lo “funcionar” pela força da nossa fé faz com que nossa lâmpada consuma todo o seu óleo e se apague.

Jesus nos ensina que a fé não pode sobreviver sem esperança. Pode ser que a resposta para as nossas perguntas e a cura para as nossa feridas não sejam tão rápidas quanto imaginamos, quanto esperamos, e aí, se não estivermos preparados para esperar pelo Senhor, nossas lâmpadas se apagarão por falta de óleo; numa palavra, nossa fé perderá o sentido por falta de esperança. Uma vida sem oração e sem contato com a Palavra de Deus é como uma lâmpada cuja reserva de óleo se esvazia a cada dia, sem ser abastecida, ou como um celular cuja bateria se descarrega a cada momento.  

Porque o Senhor demora, porque Deus é mistério e não pode ser controlado por nós, nossa esperança precisa ser exercitada, até se tornar uma esperança incansável. Quem não cuida, não alimenta, não cultiva e não protege sua esperança torna-se uma pessoa triste, apática, negativa e pessimista perante a vida; é como uma lâmpada sem óleo, uma pessoa sem vida interior. Cuidar da fé e alimentar a esperança é responsabilidade de cada um de nós. O marido não pode fazê-lo pela esposa, nem a esposa pelo marido; os pais não podem fazê-lo pelos filhos, nem os filhos pelos pais.

Nossa época é marcada pelo excesso de cobrança externa e pela falta de cuidado interno. As mesmas pessoas que vivem cobrando que fora delas haja luz não se dão ao trabalho de cultivar sua luz interior. São pessoas que assumiram o papel de parasitas: se acostumaram a se alimentar da energia dos outros. Para elas vale a advertência do Evangelho: as virgens previdentes não puderam emprestar óleo às outras, pois cada lâmpada tem que ter sua própria reserva de óleo, assim como cada celular tem que ter sua própria bateria. Tendo que improvisar de última hora, as virgens imprevidentes, que foram à cidade comprar óleo, perderam o momento em que o noivo chegou e não puderam entrar na festa.

Eis, portanto, a advertência de Jesus: ninguém pode viver da fé do outro, nem da esperança do outro. A salvação é responsabilidade individual. Manter a fé e a esperança vivas, alimentadas, cuidadas e protegidas dentro de nós é responsabilidade nossa. Embora não saibamos o dia e a hora em que Jesus virá, sabemos que cada dia e cada hora que passa nos aproxima do encontro com ele. O futuro desse encontro é confiado às nossas mãos (óleo = responsabilidade).  

 

ORAÇÃO: Senhor Jesus, teu Evangelho me chama a esperar por Ti com minha lâmpada acesa, com minha fé viva. A atitude da espera exige de mim perseverança na fé; exige que minha fé se desdobre em esperança. Apresento a Ti minha reserva de óleo, minha esperança provada e cansada, uma esperança que necessita ser reavivada.

Reaviva em mim a graça do teu Espírito! Renova minha fé e fortalece minha esperança! Eu creio e confio na Tua promessa de vir para dar a salvação àqueles que não desistiram de esperar-Te. “Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-vos! Peço-vos perdão para os que não creem, não adoram, não esperam e não vos amam!”.    

 

             Pe. Paulo Cezar Mazzi

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

UMA ESPERANÇA CHEIA DE IMORTALIDADE

 Missa de Finados. Palavra de Deus: Sabedoria 3,1-6.9; Romanos 5,5-11; João 6,37-40

            A vida do ser humano está nas mãos de alguém? Alguns pensam que ela está nas mãos do destino, do acaso, da sorte ou do azar. Outros pensam que ela está nas mãos da política, da economia, do mercado capitalista que se impõe sobre o mundo. Nós, homens e mulheres de fé, acreditamos que “a vida dos justos está nas mãos de Deus, e nenhum tormento os atingirá” (Sb 3,1). Essa afirmação bíblica nos diz duas coisas importantes. Primeiro, a nossa vida não está em nossas mãos, isto é, não podemos dispor dela como bem entendemos; ela nos escapa; ela é um dom que recebemos, não uma posse que adquirimos com o nosso esforço. Segundo, a vida de quem crê, de quem escolhe viver apoiado em algo maior que ele mesmo, está nas mãos de Deus, Aquele que é maior que todos, Aquele de cujas mãos nada pode ser arrancado (cf. Jo 10,28-30)

            Porém, o fato de a vida de uma pessoa de fé estar nas mãos de Deus não significa que essa vida se desenvolva dentro de uma redoma de vidro, tendo como garantia não sofrer nenhuma dor, nenhuma perda, nenhuma aflição. O próprio salmo 34,20 afirma que “muitas aflições se abatem sobre o justo, mas de todas elas o Senhor o liberta”. O homem de Deus, a mulher de Deus é uma pessoa que sofre muitas aflições porque vive num mundo contrário a Deus, contrário à vida, um mundo que, ao mesmo tempo em que faz de tudo para manter-se distante da realidade da morte, produz morte diariamente e de muitas maneiras.

            Todos nós morreremos um dia; todos morrem: morrem os justos e também os injustos; morrem os que creem em Deus e também os que não creem; morrem os que fazem o bem e também os que fazem o mal. A diferença está no pós-morte: “Aos olhos dos insensatos parecem ter morrido; sua saída do mundo foi considerada uma desgraça, e sua partida do meio de nós, uma destruição; mas eles estão em paz... Sua esperança é cheia de imortalidade” (Sb 3,2-4). Mesmo nós, que temos fé, às vezes cometemos o erro de considerar a morte de uma pessoa que amamos somente como uma “desgraça”, uma “destruição”. É porque não enxergamos a verdadeira Vida; é porque nos esquecemos de que a nossa esperança em Cristo não é somente para esta vida terrena (cf. 1Cor 15,19).

Todos aqueles que morreram em Deus, que morreram em Cristo, estão em paz, porque “sua esperança é cheia de imortalidade” (Sb 2,4). Como está nossa esperança? Nós vivemos nossa vida diária com esperança? Segundo o apóstolo Paulo, a nossa esperança enquanto cristãos se deve ao fato de sermos uma pessoa “justificada” e “reconciliada” com Deus, por meio de Jesus Cristo. Isso faz com que a nossa vida esteja firmemente fundada numa esperança que não decepciona. Embora cada um de nós se encontre num campo de batalha, onde as forças do mal e da destruição atacam perigosamente cada cristão, podemos permanecer firmes, sustentados por uma confiante segurança, sabendo que a luta terminará de modo positivo.

Para o apóstolo Paulo, a esperança que temos em Cristo não será desmentida, porque ela é sustentada pelo Espírito Santo, garantia da nossa ressurreição (cf. Ef 1,14; 4,30). Eis, portanto, a nossa atual condição de cristãos: justificados por Cristo, seremos também salvos por ele. A morte nada mais é do que a nossa passagem da vida transitória para a vida definitiva; ela é a dor de parto que nos faz nascer definitivamente para a vida eterna no Pai e no Filho.  

Se nós iniciamos a reflexão de hoje nos perguntando nas mãos de quem está a nossa vida, Jesus responde: “Todo aquele que o Pai me dá virá a mim, e o que vem a mim não o lançarei fora, pois desci do céu... para fazer a vontade daquele que me enviou. Ora, esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não deixe perecer nenhum daqueles que me deu, mas que os ressuscite no último dia” (Jo 6,37-39). A nossa fé em Jesus não é fruto da nossa vontade em crer, mas fruto da graça do Pai em nós. Por meio da fé, o Pai nos fez ir até Jesus, nos fez aderir ao Evangelho, e Jesus nos acolheu de braços abertos. Como o centro da vida de Jesus foi fazer a vontade do Pai, Ele dedicou sua vida em cuidar daqueles que o Pai lhe deu, não permitindo que nenhum se perdesse (cf. Jo 17,12).

Eis, portanto, mais uma razão para que a nossa esperança se encha de imortalidade: nossa vida foi confiada pelo Pai às mãos do Filho, e Jesus nos garante que, naquilo que depender d’Ele, nenhum de nós será arrancado de suas mãos; nem mesmo a morte tem o poder de nos tirar das mãos do Pai e do Filho, pois a vontade do Pai em nos salvar em seu Filho Jesus Cristo nos destinou à vida eterna: “Esta é a vontade de meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,40). A vida eterna já habita no coração de quem crê em Cristo e cultiva um relacionamento de fé com ele. Quem procura diariamente confiar sua vida às mãos do Pai e do Filho sabe que está destinado a ressuscitar no último dia.

Que a celebração deste dia de Finados torne nossa esperança na ressurreição e na vida eterna plena de imortalidade, e que possamos viver os nossos breves dias neste mundo com a consciência de sermos homens e mulheres justificados, reconciliados, destinados à salvação em Cristo Jesus, nossa Ressurreição e nossa Vida.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi