Missa da
Apresentação do Senhor. Malaquias 3,1-4; Hebreus 2,14-18; Lucas 2,22-32.
Com quarenta dias de vida, “Maria e
José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor” (Lc 2,22).
Muito diferente de Maria e José, muitos pais hoje estão optando por não levarem
o filho recém-nascido à Igreja, não vinculá-lo a nenhuma igreja ou religião.
Eles acreditam que é melhor o filho crescer e fazer suas próprias escolhas, do
que ser influenciado pela escolha religiosa dos próprios pais. Por outro lado,
as famílias mais pobres, atingidas por inúmeros problemas sociais, raramente se
sentem motivadas a levarem o filho à Igreja porque essa mesma Igreja vive
distante da realidade da família. Apesar dos esforços do Papa Francisco em
levar a presença da Igreja para o meio das periferias existenciais, muitos
ministros dessa mesma Igreja se mantém distantes dessas periferias, e quando,
porventura, uma família carente busca o sacramento do batismo para o filho, se
depara com a exigência de leis e de normas em relação às quais naturalmente não
se enquadra, o que acaba por bloquear o processo de aproximação família-Igreja.
A apresentação de Jesus no templo
não é o seu batismo. Ela é decorrente da consciência religiosa de seus pais: o
filho é um dom de Deus, e como tal, precisa viver na comunhão com a Fonte desse
dom desde cedo, desde os primeiros dias de sua existência. Todo filho é um ser
humano único, cuja existência guarda uma palavra única de Deus para o mundo.
Apresentar o filho a Deus significa colocá-lo em contato com Aquele que é a
Palavra que pronunciou sua existência, Palavra que deseja iluminar o seu
caminho e revelar o sentido da sua vida. Da mesma forma como a palavra “filho”
remete para a palavra “pai”, a existência de cada um de nós, seres humanos, nos
remete para o Pai que nos chamou à vida em seu Filho Jesus Cristo, o Pai que
deseja habitar em nós por meio do Espírito Santo, o Pai que deseja nos ver
inseridos na Sua família chamada Igreja.
A atitude de Maria e de José de
consagrarem Jesus a Deus desde seus primeiros dias nos lembra uma constatação
feita pelo psiquiatra Içami Tiba, de que pais que levam seus filhos a uma
igreja dificilmente terão que visitá-los um dia na prisão. Em outras palavras,
filhos que crescem não apenas fisicamente, mas também espiritualmente; filhos
que desde pequenos desenvolvem sua consciência religiosa, acabam por
compreenderem a si mesmos e aos outros de uma forma mais humana, tornando-se
pessoas mais tolerantes, mais confiantes e mais capazes de amor.
Certamente muitas pessoas discordam
da constatação de Içami Tiba, pois nas igrejas e nas religiões nós também temos
pessoas doentes, pessoas que desenvolveram um olhar doentio sobre si mesmas e sobre
a vida. No entanto, é uma constatação comprovável que ter uma religião torna o
ser humano melhor. Adolescentes e jovens que praticam uma religião têm uma
outra forma de lidar com seus problemas e de enfrentar suas dificuldades. São menos propensos às
drogas e ao suicídio.
Mas, olhando agora para nós mesmos,
convém nos perguntar o que a apresentação de Jesus tem a dizer para a nossa
vivência cristã. Na medida em que vamos crescendo, precisamos descer do colo
dos nossos pais e começar a caminhar na vida com nossos próprios pés, a parar
em pé sobre nossas próprias pernas. Portanto, a fé nos pede para nos apresentar
a Deus movidos não pela tradição dos nossos pais, mas pelo nosso próprio desejo
de sermos de Deus, de nos consagramos livre e conscientemente a Ele. Trata-se
de nos deixarmos tocar por Ele como a prata é tocada pelo fogo.
Essa é a imagem de Deus utilizada
pelo profeta Malaquias: Ele é como o fogo que derrete e purifica a prata. Nossa
prática religiosa não pode ser vivida como mera busca de proteção divina, ou
como respaldo divino para os nossos planos humanos. Trata-se de permitir que
Deus derreta aquilo que em nós é duro e que Ele purifique aquilo que em nós é
sujo ou está contaminado. Da mesma forma que o purificador de ouro e de prata
os expõe cuidadosamente ao fogo, ficando perto e cuidando para que eles não
sejam destruídos, assim Deus permite sermos expostos ao fogo de certas
tribulações até derretermos, até deixarmos de ser duros, teimosos, fechados em
nosso próprio ego, até nos abrirmos àquilo que a vida quer nos ensinar. Somente
quando o purificador de ouro e de prata enxerga seu rosto refletido neles é que
sabe que é o momento de retirá-los do fogo. Eis, portanto, a razão de ser da
nossa vida espiritual: que possamos refletir em nossas atitudes o jeito de Deus
ser, o jeito d’Ele amar as pessoas e cuidar da vida que está no mundo.
Por fim, a carta aos Hebreus nos
fala da nossa carne e do nosso sangue, do nosso ser perecível e mortal. Ao
encarnar-se no seio de Maria, Jesus assumiu a nossa carne e o nosso sangue. Com
isso, ele quis nos curar a partir de dentro; ele quis nos livrar dos nossos
medos, das nossas prisões, dos nossos enganos. Jesus não veio nos tornar
fortes, mas nos socorrer em nossa fraqueza; ele não veio nos tornar imunes à
tentação, mas nos ensinar a vencer o tentador; ele não veio eliminar nossas
carências, mas ensinar-nos a não sermos escravos delas; ele não veio nos
impedir de morrer, mas nos ensinar a não viver a vida a partir do medo da
morte. Jesus apresentou a Deus todo o nosso humano, nossa miséria, nosso nada,
para ser preenchido, transformado, tornado capaz de transcendência.
Uma última palavra. Enquanto o fiel
israelita se perguntava em sua consciência: “Com que me apresentarei ao Senhor,
e me inclinarei diante do Deus altíssimo?” (Mq 6,6), o profeta Miqueias
respondeu: “Já te foi dito, ó homem, o que é bom e o que Deus exige de ti: nada
mais do que praticar a justiça, amar a verdade e caminhar humildemente com o
teu Deus” (Mq 6,8).
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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