Missa da
Epifania. Palavra de Deus: Isaías 60,1-6; Efésios 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12.
“Onde está o rei dos judeus, que
acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt
2,2). Onde encontrar Deus? Em qual igreja? Em qual religião? A “religião” que
mais cresce no Brasil e no mundo é a das pessoas “sem religião”. Os
adolescentes e jovens são o retrato mais fiel disso: a maioria deles não se
identifica com nenhuma igreja ou religião. O motivo não é apenas a rejeição
àquilo que é institucional; trata-se de algo muito mais sério: é a rejeição a
uma Igreja mais preocupada em defender-se enquanto Instituição do quem em anunciar
o Evangelho de modo que ele fale ao coração das pessoas do nosso tempo.
Se hoje são poucas as pessoas que
ainda se perguntam “Onde está Deus?” é porque muitos de nós cristãos deixamos
de viver segundo o Evangelho; deixamos de ser uma estrela que brilha forte no céu
escuro do materialismo, do consumismo, da massificação e da indiferença para
com quem sofre. Enquanto a luz daquela estrela atraiu os magos do Oriente, a
luz de muitos líderes religiosos hoje causa repulsa nas pessoas. Homens que pregam
o espiritual, mas vivem como mundanos causam repulsa; pastores que transformam “pequenas
igrejas em grandes negócios” causam repulsa; padres que dão prioridade ao seu
bem estar e não cuidam do rebanho que lhes foi confiado causam repulsa; padres
que desviam dinheiro de suas paróquias para suas contas particulares causam
repulsa.
O Documento de Aparecida, publicado
há quase onze anos, pediu que nossas paróquias se transformassem em “centros
irradiadores de vida”, mas algumas paróquias de nossa Diocese irradiam apatia, escândalo,
contra-testemunho, agressão verbal àqueles que a frequentam, porque seus
párocos estão doentes e perdidos dentro de si mesmos, sendo que alguns deles descuidaram
do sentido da própria vocação e a Igreja se tornou para eles apenas um meio de
sobrevivência; outros encontram na Igreja o espaço ideal para exercerem sua
natural arrogância, sempre avessos à simplicidade de vida e à humildade
propostas por Jesus e vividas por Francisco; outros, ainda, colocam em segundo
plano o cuidado pastoral de suas paróquias e em primeiro plano o gosto pela
fofoca, pela intriga e pela disputa suja de poder, cujo veneno produz tristeza
e desencanto em nosso Clero – o que também explica o “apagamento” da própria
estrela (sentido do ministério) na vida de alguns.
“Onde está o rei dos judeus, que
acaba de nascer?” (Mt 2,2). Onde se encontra Jesus e a luz do seu Evangelho?
Ele se encontra em toda pessoa, igreja ou religião que vive segundo a vontade
de Deus; Ele se encontra “em Belém, na Judeia, pois assim foi escrito pelo
profeta: ‘E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as
principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de
Israel, o meu povo’” (Mt 2,5-6). “Assim como Deus escolheu Israel por ser o
menor dentre os povos (cf. Dt 7,7), assim escolheu Davi, o menor entre os
irmãos (cf. 1Sm 16,11). Deus escolhe as coisas que não são ‘para reduzir a nada
aquelas que são’ (1Cor 1,28). Para encontrar o Senhor é preciso olhar onde ele
se encontra. Ele se encontra na pessoa do ‘menor dos irmãos’ – Mt 25,40.45” (Pe. Pagola). Jesus se encontra na vida de todos aqueles que lutam por uma
Igreja segundo a verdade e a justiça do Evangelho, a Igreja de Francisco. Jesus
se encontra em todos aqueles que estão machucados por pessoas da nossa Igreja
que vivem o oposto do que nos ensina o Evangelho. Jesus se encontra, sobretudo,
naquelas pessoas e situações onde nenhuma igreja ou religião tem interesse em
se fazer presente, e se queremos encontrá-Lo, precisamos mover os nossos pés na
direção dessas pessoas e situações que pedem a nossa presença cristã.
“Ao
verem de novo a estrela, os magos sentiram uma alegria muito grande” (Mt 2,10).
Vivendo em meio a muita escuridão – apagamento da fé, da esperança e do amor,
em muitos corações; apagamento do sentido da vida, dos valores e dos ideais que
um dia sustentaram sonhos e lutas por uma família melhor, por uma educação
melhor, por um país melhor – somos chamados a fazer brilhar a luz do Evangelho
em nossas atitudes, sabendo que nossa luz não depende de fatores externos, mas
de disposições internas; mais do que isso, de uma convicção interna, ligada à
nossa existência e à nossa vocação de cristãos: “Eu fiz de ti uma luz para as
nações, para que a minha salvação chegue aos confins da terra” (Is 49,6; At
13,47).
Ao
se distanciarem do palácio de Herodes – lugar das trevas –, os magos voltaram a
ver a estrela e se encheram de alegria. Muitos filhos podem voltar a sentir
alegria se a luz da fé voltar a brilhar no coração de seus pais; muitas escolas
e ambientes de trabalho podem voltar a sentir alegria se a luz da esperança, da
verdade e do bem voltar a brilhar naqueles que ali são líderes. A luz pode voltar
a brilhar em cada um de nós sempre que recuperamos e voltamos a cultivar nossos
valores, sempre que voltamos a ser fiéis à nossa própria origem e missão,
sempre que nos permitimos ser inundados pela luz que é o próprio Deus: “Eis que
está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre
ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti. Os povos caminham
à tua luz e os reis ao clarão de tua aurora” (Is 60,2-3). Não desprezemos a luz
que somos! Não desacreditemos do poder da luz que nos habita, luz que deve
chegar aos outros pela nossa conduta, muito mais do que pelas nossas palavras!
Eis
como se encerra o encontro dos magos com Jesus: “Quando entraram na casa, viram
o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele, e o adoraram. Depois
abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra” (Mt
2,11): ouro, porque Jesus é rei; incenso, porque Ele é Deus; mirra, porque Ele
é humano. Outra forma de entendermos esses presentes: “O ouro, riqueza visível,
representa aquilo que a pessoa tem; o incenso, invisível como Deus, representa
aquilo que a pessoa deseja; a mirra, unção que cura as feridas e preserva da
corrupção, representa aquilo que a pessoa é” (Pe. Pagola). Diante desses
presentes, podemos nos perguntar: em relação a quem eu devo me fazer presente
neste novo ano? Quais pessoas necessitam daquilo que eu tenho, daquilo que eu
desejo e daquilo que eu sou?
Uma
palavra final, a respeito da atitude dos magos de adorar Jesus; “O ser humano
atual tem se tornado ‘incapaz de Deus’, incapaz de adoração. Deus foi reduzido
ao ‘útil’. O que nos interessa é um deus que sirva aos nossos projetos
individualistas. Assim Deus se converte num ‘artigo de consumo’ do qual eu
disponho segundo as minhas conveniências. Para adorar a Deus é necessário
sentir-se criatura infinitamente pequena diante d’Ele, mas infinitamente amada
por Ele. A adoração é admiração. É amor e entrega. É abandonar nosso ser a Deus
e permanecer em silêncio agradecido e alegre diante d’Ele, admirando seu mistério
a partir de nossa pequenez... Os magos retornam ‘por outro caminho’, não mais
pelo caminho de quem não conhecia o que buscava, mas pelo caminho de quem
encontrou Aquele que procura o ser humano para salvá-lo. Eles, que antes
olhavam para o céu, agora levam consigo um novo céu e uma nova terra, e os
levarão para onde forem” (Pe. Pagola).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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