quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

A LUZ DE CADA UM DE NÓS PODE VOLTAR A BRILHAR!



Missa da Epifania. Palavra de Deus: Isaías 60,1-6; Efésios 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12.

            “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2,2). Onde encontrar Deus? Em qual igreja? Em qual religião? A “religião” que mais cresce no Brasil e no mundo é a das pessoas “sem religião”. Os adolescentes e jovens são o retrato mais fiel disso: a maioria deles não se identifica com nenhuma igreja ou religião. O motivo não é apenas a rejeição àquilo que é institucional; trata-se de algo muito mais sério: é a rejeição a uma Igreja mais preocupada em defender-se enquanto Instituição do quem em anunciar o Evangelho de modo que ele fale ao coração das pessoas do nosso tempo.
            Se hoje são poucas as pessoas que ainda se perguntam “Onde está Deus?” é porque muitos de nós cristãos deixamos de viver segundo o Evangelho; deixamos de ser uma estrela que brilha forte no céu escuro do materialismo, do consumismo, da massificação e da indiferença para com quem sofre. Enquanto a luz daquela estrela atraiu os magos do Oriente, a luz de muitos líderes religiosos hoje causa repulsa nas pessoas. Homens que pregam o espiritual, mas vivem como mundanos causam repulsa; pastores que transformam “pequenas igrejas em grandes negócios” causam repulsa; padres que dão prioridade ao seu bem estar e não cuidam do rebanho que lhes foi confiado causam repulsa; padres que desviam dinheiro de suas paróquias para suas contas particulares causam repulsa.
            O Documento de Aparecida, publicado há quase onze anos, pediu que nossas paróquias se transformassem em “centros irradiadores de vida”, mas algumas paróquias de nossa Diocese irradiam apatia, escândalo, contra-testemunho, agressão verbal àqueles que a frequentam, porque seus párocos estão doentes e perdidos dentro de si mesmos, sendo que alguns deles descuidaram do sentido da própria vocação e a Igreja se tornou para eles apenas um meio de sobrevivência; outros encontram na Igreja o espaço ideal para exercerem sua natural arrogância, sempre avessos à simplicidade de vida e à humildade propostas por Jesus e vividas por Francisco; outros, ainda, colocam em segundo plano o cuidado pastoral de suas paróquias e em primeiro plano o gosto pela fofoca, pela intriga e pela disputa suja de poder, cujo veneno produz tristeza e desencanto em nosso Clero – o que também explica o “apagamento” da própria estrela (sentido do ministério) na vida de alguns.
            “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer?” (Mt 2,2). Onde se encontra Jesus e a luz do seu Evangelho? Ele se encontra em toda pessoa, igreja ou religião que vive segundo a vontade de Deus; Ele se encontra “em Belém, na Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta: ‘E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo’” (Mt 2,5-6). “Assim como Deus escolheu Israel por ser o menor dentre os povos (cf. Dt 7,7), assim escolheu Davi, o menor entre os irmãos (cf. 1Sm 16,11). Deus escolhe as coisas que não são ‘para reduzir a nada aquelas que são’ (1Cor 1,28). Para encontrar o Senhor é preciso olhar onde ele se encontra. Ele se encontra na pessoa do ‘menor dos irmãos’ – Mt 25,40.45 (Pe. Pagola). Jesus se encontra na vida de todos aqueles que lutam por uma Igreja segundo a verdade e a justiça do Evangelho, a Igreja de Francisco. Jesus se encontra em todos aqueles que estão machucados por pessoas da nossa Igreja que vivem o oposto do que nos ensina o Evangelho. Jesus se encontra, sobretudo, naquelas pessoas e situações onde nenhuma igreja ou religião tem interesse em se fazer presente, e se queremos encontrá-Lo, precisamos mover os nossos pés na direção dessas pessoas e situações que pedem a nossa presença cristã.   
“Ao verem de novo a estrela, os magos sentiram uma alegria muito grande” (Mt 2,10). Vivendo em meio a muita escuridão – apagamento da fé, da esperança e do amor, em muitos corações; apagamento do sentido da vida, dos valores e dos ideais que um dia sustentaram sonhos e lutas por uma família melhor, por uma educação melhor, por um país melhor – somos chamados a fazer brilhar a luz do Evangelho em nossas atitudes, sabendo que nossa luz não depende de fatores externos, mas de disposições internas; mais do que isso, de uma convicção interna, ligada à nossa existência e à nossa vocação de cristãos: “Eu fiz de ti uma luz para as nações, para que a minha salvação chegue aos confins da terra” (Is 49,6; At 13,47).
Ao se distanciarem do palácio de Herodes – lugar das trevas –, os magos voltaram a ver a estrela e se encheram de alegria. Muitos filhos podem voltar a sentir alegria se a luz da fé voltar a brilhar no coração de seus pais; muitas escolas e ambientes de trabalho podem voltar a sentir alegria se a luz da esperança, da verdade e do bem voltar a brilhar naqueles que ali são líderes. A luz pode voltar a brilhar em cada um de nós sempre que recuperamos e voltamos a cultivar nossos valores, sempre que voltamos a ser fiéis à nossa própria origem e missão, sempre que nos permitimos ser inundados pela luz que é o próprio Deus: “Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti. Os povos caminham à tua luz e os reis ao clarão de tua aurora” (Is 60,2-3). Não desprezemos a luz que somos! Não desacreditemos do poder da luz que nos habita, luz que deve chegar aos outros pela nossa conduta, muito mais do que pelas nossas palavras!  
Eis como se encerra o encontro dos magos com Jesus: “Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele, e o adoraram. Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra” (Mt 2,11): ouro, porque Jesus é rei; incenso, porque Ele é Deus; mirra, porque Ele é humano. Outra forma de entendermos esses presentes: “O ouro, riqueza visível, representa aquilo que a pessoa tem; o incenso, invisível como Deus, representa aquilo que a pessoa deseja; a mirra, unção que cura as feridas e preserva da corrupção, representa aquilo que a pessoa é” (Pe. Pagola). Diante desses presentes, podemos nos perguntar: em relação a quem eu devo me fazer presente neste novo ano? Quais pessoas necessitam daquilo que eu tenho, daquilo que eu desejo e daquilo que eu sou?
Uma palavra final, a respeito da atitude dos magos de adorar Jesus; “O ser humano atual tem se tornado ‘incapaz de Deus’, incapaz de adoração. Deus foi reduzido ao ‘útil’. O que nos interessa é um deus que sirva aos nossos projetos individualistas. Assim Deus se converte num ‘artigo de consumo’ do qual eu disponho segundo as minhas conveniências. Para adorar a Deus é necessário sentir-se criatura infinitamente pequena diante d’Ele, mas infinitamente amada por Ele. A adoração é admiração. É amor e entrega. É abandonar nosso ser a Deus e permanecer em silêncio agradecido e alegre diante d’Ele, admirando seu mistério a partir de nossa pequenez... Os magos retornam ‘por outro caminho’, não mais pelo caminho de quem não conhecia o que buscava, mas pelo caminho de quem encontrou Aquele que procura o ser humano para salvá-lo. Eles, que antes olhavam para o céu, agora levam consigo um novo céu e uma nova terra, e os levarão para onde forem” (Pe. Pagola). 

Pe. Paulo Cezar Mazzi     

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