Missa do 8º. dom. comum. Palavra de Deus:
Eclesiástico 27,5-8; 1Coríntios 15,54-58; Lucas 6,39-45
A
maneira mais comum de nos comunicarmos com as pessoas é por meio da palavra.
Esta palavra pode ser dita pessoalmente, como pode também ser comunicada por áudio
ou por escrito, sobretudo nas redes sociais. Nunca como hoje estamos nos
comunicando tanto, com tanta rapidez e com tanta frequência, mas o que realmente
estamos comunicando às pessoas, por meio das nossas palavras?
O
autor do Eclesiástico nos convida a prestar atenção às nossas palavras. Elas
revelam o que há dentro de nós; revelam o nosso estado de espírito, como está
nossa alma, nosso coração: “Os defeitos de um homem aparecem no seu falar... A
palavra mostra o coração do homem... É no falar que o homem se revela” (Eclo
27,5.7.8). Quando falamos, escrevemos ou postamos uma mensagem nas redes
sociais, revelamos aos outros o nosso caráter, o tipo de pessoa que somos, os
valores nos quais acreditamos, se somos pessoas fúteis ou pessoas com conteúdo,
se somos somente aparência ou se temos essência. Da mesma forma, precisamos não
ser apressados e não nos deixar enganar pelas fotos que as pessoas postam nas
redes sociais; é importante ler o que a pessoa escreve, para saber que tipo de
pessoa ela é, se ela é aquilo que tenta aparentar ser.
Jesus
disse que a nossa boca fala daquilo que está cheio o nosso coração (cf. Lc
6,45). Nossas palavras e nossas postagens nas redes sociais revelam o que há
dentro de nós. Quando estamos em guerra conosco mesmos, expressamos essa guerra
por meio de palavras agressivas aos outros. Quando, pelo contrário, estamos em
harmonia conosco mesmos, nossas palavras comunicam serenidade e paz para os
outros. Até mesmo quando nos sentimos obrigados a apontar erros e a corrigir
injustiças à nossa volta, Jesus nos convida, antes, a fazer um exame de nós
mesmos: “Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão, e não percebes a trave
que há no teu próprio olho?” (Lc 6,41).
Quando
ficamos sabendo de um fato pelas redes sociais, imediatamente emitimos a nossa
opinião, concordando ou discordando, criticando ou elogiando, absolvendo a
pessoa envolvida no fato ou condenando-a à morte com o nosso julgamento, e
fazemos tudo isso na maioria das vezes sem conhecimento de causa, levados
apenas pela emoção do momento, pelo ouvir dizer, pela superficialidade das
informações que chegaram até nós. Opinamos sobre tudo e sobre todos, como se
fôssemos capazes de interpretar corretamente a realidade, quando não somos
capazes de interpretar o que se passa dentro de nós; achamos que sabemos pôr
ordem na casa dos outros, mas não sabemos pôr ordem na nossa; diagnosticamos os
problemas dos outros e, inclusive, indicamos o remédio apropriado para a doença
deles, mas não nos damos ao trabalho de diagnosticar e de tratar a doença que
há dentro de nós.
Jesus
está nos propondo nos mantermos alienados no que diz respeito ao que acontece à
nossa volta? Não! Ele está nos lembrando de que todos nós estamos num mundo
doente, marcado por uma profunda inversão de valores, e se não cuidarmos do
nosso coração, da nossa casa interior, da nossa vida espiritual, ficaremos tão
doentes quanto o mundo que somos chamados a curar. “Pode um cego guiar outro
cego? Não cairão os dois num buraco?” (Lc 6,39). Essas perguntas de Jesus
questionam tanto os conselhos que damos aos outros quanto os que recebemos deles.
É totalmente absurdo eu querer orientar alguém quando eu mesmo vivo
desorientado, assim como é absurdo eu me deixar orientar por alguém que vive
desorientado!
Quando um
cego guia outro cego, o resultado é desastroso: os dois acabarão por cair no
mesmo buraco. Sendo assim, com quem você busca orientação para a sua vida
afetiva/sexual, profissional ou espiritual? Com quem seus filhos se orientam? O
número de “guias cegos” nas redes sociais, isto é, de pessoas mal resolvidas,
perdidas, desorientadas e sem valores é altíssimo, e infelizmente esses guias
cegos “fazem a cabeça” de inúmeros adolescentes e jovens. No entanto, Jesus nos
alertou: “Não se colhem figos de espinheiros, nem uvas de plantas espinhosas”
(Lc 6,44). Como é que você espera ser ajudado por uma pessoa que está perdida
dentro de si mesma?
Ao
final do Evangelho, Jesus mais uma vez nos remete para as nossas raízes. O
problema não está fora, está dentro, assim como a resposta, a solução, não está
fora, está dentro. Não há dúvida de que a realidade à nossa volta exerce
influência sobre todos nós, mas não funciona responsabilizar os fatores
externos pelo fracasso que experimentamos enquanto pessoas. Se existem coisas
externas que estão estragando a nossa vida é porque nós nos identificamos com
essas coisas estragadas; elas de alguma forma respondem a uma fome doentia
dentro de nós; afinal de contas, cada um se alimenta daquilo que tem fome.
Eis,
portanto, as palavras finais de Jesus neste Evangelho: “O homem bom tira coisas
boas do bom tesouro do seu coração. Mas o homem mau tira coisas más do seu mau
tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio” (Lc 6,45). O que
determina as nossas atitudes não é aquilo que está fora de nós – pessoas,
acontecimentos –, mas aquilo que está dentro. Nós sempre agiremos a partir dos
nossos valores, os quais Jesus chama de “tesouro” do nosso coração: se este
tesouro é bom, agiremos a partir do bem; se é mau, a partir do mau, lembrando
que esse tesouro é formado a partir daquilo que diariamente cultivamos em nós,
como afirmou o Eclesiástico: “O fruto revela como foi cultivada a árvore” (Ecl
27,7).