Missa do 17º.
dom. comum. Palavra de Deus: 2Rs 4,42-44; Efésios 4,1-6; João 6,1-15.
Por
que nós precisamos nos alimentar? Porque nenhum ser humano possui a vida em si
mesmo, mas deve recebê-la de fora, em forma de alimento. O alimento nos lembra
que não somos pessoas autossuficientes; para viver, dependemos de algo que não
está em nós. Biblicamente, o alimento também nos recorda a nossa dependência
radical em relação a Deus; nós vivemos porque Ele nos sustenta: “Todos os
olhos, ó Senhor, em vós esperam e vós lhes dais no tempo certo o alimento; vós
abris a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura (Sl
145,15-16).
No
mundo em que vivemos há um grande contraste entre desperdício de alimento e
fome. No Brasil, por exemplo, são desperdiçadas por ano 41 mil toneladas de
alimento, quantidade suficiente para alimentar 25 milhões de pessoas (http://www.bancodealimentos.org.br/).
Ao mesmo tempo, 32 milhões de pessoas passam fome em nosso país, e 65 milhões de
brasileiros se alimentam de forma precária (https://brasilescola.uol.com.br/brasil/fome-no-brasil.htm).
Portanto, a fome, seja no Brasil, seja no mundo, não é um problema de falta de
alimento, mas de distribuição, de partilha, de solidariedade.
“Levantando os olhos, e vendo que
uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: ‘Onde
vamos comprar pão para que eles possam comer?’” (Jo 6,5). Jesus hoje
quer que levantemos os olhos e enxerguemos o tipo de fome que está à nossa
volta: fome de alimento, fome de afeto e de diálogo, fome de justiça e de paz,
fome de respeito, de emprego e de oportunidade, fome de fé e de esperança, fome
de sentido, fome de Deus... Como fez com Filipe, Jesus nos questiona: Como você
lida com a fome à sua volta? Onde você acredita estar a solução para resolver
esse tipo de fome?
Assim
como Filipe, nós costumamos nos enganar a respeito da solução dos problemas,
apostando tudo no dinheiro. Se tivéssemos dinheiro suficiente, resolveríamos os
nossos problemas e os de toda a humanidade – assim pensamos. Jesus quer nos livrar
dessa ilusão e nos provocar a enxergar a realidade de maneira mais profunda.
Nem tudo se resolve com dinheiro. Dinheiro não sacia a fome de afeto, de diálogo,
de respeito, de fé, de esperança, de sentido, de Deus, por exemplo. Na verdade,
as coisas mais importantes da nossa vida não podem ser compradas com dinheiro;
elas precisam ser construídas a partir das nossas atitudes.
No
meio daquela imensa multidão, André descobriu algo valioso: “Está aqui um menino com cinco pães de
cevada e dois peixes” (Jo 6,9). No entanto, ele desprezou a força daquele
pequeno recurso: “Mas o que é isso para
tanta gente?” (Jo 6,9). Nós somos muito parecidos com André: deixamos nossos
relacionamentos definharem, se tornarem desnutridos, porque achamos que aquilo
que poderíamos fazer para alimentá-los e revigorá-los é insuficiente. Nosso
erro é desprezar os pequenos gestos, as pequenas atitudes, por achar que eles
não mudarão em nada a nossa realidade. Ao não valorizar nossos cinco pães de
cevada (alimento de pessoas pobres) e nossos dois peixes, morremos de fome e
deixamos morrer de fome aquilo que tanto gostaríamos que voltasse a viver...
Diferente
de André, Jesus valoriza aquilo que aquele pequeno menino tem consigo: Ele “tomou os pães, deu graças e distribuiu-os
aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes”
(Jo 6,11). A primeira atitude de Jesus diante dos cinco pães e dos dois
peixes é “dar graças”, levantar os olhos para o céu e agradecer ao Pai, que
sabe das nossas necessidades e a cada dia nos dá recursos suficientes para
superarmos nossas dificuldades. “Dar graças” significa reconhecer que “o pouco
com Deus é muito, e o muito sem Deus é nada” (ditado popular); significa ter
consciência de que “a nossa felicidade não depende daquilo que não temos, mas
do bom uso que fazemos daquilo que temos” (provérbio chinês).
“Quando todos ficaram satisfeitos, Jesus
disse aos discípulos: ‘Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se
perca!’ Recolheram os pedaços e encheram doze cestos com as sobras dos cinco
pães, deixadas pelos que haviam comido” (Jo 6,12-13). Já falamos
acima sobre o problema do desperdício de alimento. Mas aqui podemos pensar em
outros tipos de desperdício: quanto desperdício de tempo e de oportunidade em
nossas casas de alimentarmos nossos relacionamentos! Quanto desperdício de
investimento pastoral em estruturas e serviços paroquiais ultrapassados que não
ajudam mais as pessoas do nosso tempo a se encontrarem com a fé! Precisamos
valorizar “os pedaços que sobram”, as pequenas atitudes, os gestos aparentemente
insignificantes, e não ficar esperando por oportunidades grandiosas para só
então evangelizar.
“Vendo o sinal que Jesus tinha
realizado, aqueles homens exclamavam: ‘Este é verdadeiramente o Profeta, aquele
que deve vir ao mundo’. Mas, quando notou que estavam querendo levá-lo para
proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte” (Jo 6,14-15). Assim como
aqueles homens, nós sempre somos tentados a transformar Jesus num deus
milagreiro que solucione nossos problemas sem que tenhamos que lutar e nos
esforçar para superá-los. No entanto, Jesus se recusa a assumir esse papel de solucionador
mágico dos nossos problemas. Quando procuramos transferir para ele nossas
responsabilidades, ele desaparece, vai embora, e nos deixa falando sozinhos.
Ao
final dessa reflexão, é importante voltarmos a considerar a figura do menino
com os cinco pães e os dois peixes. Por que será que era um menino, e não um
adulto, que tinha nas mãos o início da solução? Se fosse um adulto, talvez escondesse
seu próprio alimento e se recusasse a partilhá-lo com os outros... Talvez seja esse
o nosso problema: nós deixamos de ser meninos e nos tornamos adultos, pessoas
movidas pelo individualismo, pelo egoísmo, pelo medo de partilhar...
Consideremos, por fim, essas palavras: “Não podemos permanecer indiferentes a
tantas pessoas que, dentro das nossas comunidades cristãs, buscam um alimento
mais sólido que o que recebe. Não temos que aceitar como normal a desorientação
religiosa dentro da Igreja... Não poucos cristãos buscam ser melhor
alimentados” (Pagola). O que o Pe. Pagola diz a respeito da atividade pastoral
da Igreja pode ser aplicado também ao nosso relacionamento familiar...
Oração: Senhor, Tu me envias a falar de
Ti como de um lar aberto no qual esperas todos os Teus filhos para a mesa
posta, para um banquete que Tu mesmo preparas. Contudo, muitos rejeitam tal
convite. Procuro explicar que o Teu sonho é trazer para a Tua mesa todos os Teus
filhos e filhas, para que reencontrem a fraternidade perdida, para a comunhão
que foi prejudicada por separações sem sentido, como o puro e o impuro, o santo
e o pecador.
Teu
Filho se assentou para comer com os pecadores e excluídos, provocando um
escândalo ao nos dizer: “Meu Pai é assim! Meu Pai é festa, banquete, mesa
partilhada!” Teu amor e Teu perdão são como um pão oferecido gratuitamente. O
Senhor prometeu cuidar das nossas necessidades e provê-las a cada dia, mas nós
continuamos a desconfiar disso e a nos encher de preocupação e ansiedade pelo
que comer e beber, pelo que vestir e consumir.
Teu
Filho transformou cinco pães e dois peixes em alimento que saciou uma multidão
de cinco mil homens, e ainda sobraram doze cestos cheios... Ao tomar os pães e
os peixes em suas mãos, Ele elevou os olhos ao céu, para orientar o nosso olhar
para Ti, de quem tudo recebemos. A seguir, pronunciou a bênção, para devolver
aquele alimento à sua verdadeira natureza, que é o de circular, dividir-se,
gerar vida, convivialidade. A carência foi vencida pela generosidade e pela
gratuidade. Mas nós, diante de tal situação, dizíamos: ‘Não temos’, ‘isto é
pouco’, ‘despede-os’, ‘que vão eles próprios comprar’. Diante de qualquer
imprevisto, olhamos para nós mesmos, medimos nossas próprias forças e nos
angustiamos, ao invés de olharmos para Ti, Deus nosso Pai, que és a fonte inesgotável
de todo dom. (Oração composta a partir de Ir. Dolores Aleixandre, no livro Revela-me teu nome – imagens bíblicas para
falar de Deus, Paulinas).