quinta-feira, 3 de maio de 2018

PERMANECER NO AMOR SIGNIFICA TRANSFORMAR NOSSAS FERIDAS EM PÉROLAS


Missa do 6º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 10,25-26.34-35.44-48; 1João 4,7-10; João 15,9-17.

            “Todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus. Quem não ama, não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (1Jo 4,7-8). Essas palavras do apóstolo João deixam claro que a nossa experiência de Deus depende da nossa experiência de amor. Sentir-se amado é uma necessidade básica de todo ser humano, tão básica quanto a necessidade de alimentação e de proteção. No entanto, inúmeras pessoas estão comprometidas nessa necessidade de serem amadas, seja porque nasceram e cresceram no seio de famílias desestruturadas, seja porque vivem em ambientes sociais marcados por diversos tipos de violência. Diante dessa realidade, a nossa missão como discípulos de Jesus se mostra urgente: somos chamados a ajudar as pessoas que não tiveram uma experiência saudável e autêntica de amor a transcenderem essa lacuna, assumindo a sua própria história de vida e abrindo-se ao verdadeiro amor, aquele de Deus, o amor que é Deus, amor que sempre esteve à espera de cada ser humano antes mesmo de nascer.
            Sim! O amor de Deus por nós existe antes de nós existirmos! “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados” (1Jo 4,10). Antes de cada ser humano existir, ele foi amado por Deus. Foi por isso que Jesus disse: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi...” (Jo 15,16). A existência de cada um de nós não é algo acidental ou fruto do acaso, mas fruto de uma escolha. Diante dessa verdade, eu até posso recusar o amor de Deus por mim, mas Ele não pode deixar de me amar porque não pode deixar de ser Deus, o Deus que é amor!
            Portanto, Jesus nos faz esse convite: “Permaneçam no meu amor” (Jo 15,9). ‘Embora vocês, como meus discípulos, terão que enfrentar a maldade e a injustiça dos homens, nunca duvidem do meu amor e do amor do meu Pai por vocês! Não se afastem desse amor e não desistam de amar as pessoas com esse mesmo amor. Se vocês deixarem de amar, deixarão de se configurarem a mim e se deformarão em caricaturas do meu amor. Amem-se uns aos outros não como vocês conseguirem, mas como eu amei vocês: eu os amei até o fim, até o sacrifício da minha própria vida. Amem-se como eu amei o Pai, permanecendo na obediência a Ele e fazendo tudo o que estava ao meu alcance para salvar as pessoas que Ele confiou aos meus cuidados. É assim que vocês são chamados a amar. É assim que vocês são chamados a testemunhar ao mundo que são meus discípulos’.
            Se é verdade que existem pessoas que ainda não fizeram uma experiência profunda e verdadeira de amor, também existem pessoas que desistiram de amar, seja porque se sentiram machucadas ou traídas por Deus, seja porque experimentaram a maldade e a injustiça dos homens (cf. Mt 24,12). Aqui precisamos olhar para Jesus: ele também se sentiu abandonado pelo próprio Pai na sua experiência de cruz (cf. Mc 15,34); ele, mais do que ninguém, sofreu a dor da rejeição, da maldade e da injustiça dos homens. Mesmo assim, Jesus fez uma escolha: escolheu amar, escolheu amar até o fim. Jesus fez como as ostras fazem: elas transformam suas feridas em pérolas. Desse modo, ele nos convida a não usar nossas feridas como justificativa para não mais amar, mas entendê-las como oportunidade para comprovarmos o nosso amor como um amor que resiste a tudo, amor que “tudo desculpa, tudo crê, tudo espera e tudo suporta” (1Cor 13,7), porque é um amor assentado em Deus.
            “Permaneçam no meu amor... Eu lhes disse isso para que a minha alegria esteja em vocês e para que a alegria de vocês seja plena” (Jo 15,9.11). Quando nos falta uma experiência genuína de amor nos falta alegria. Não são poucas as pessoas que não veem alegria em nós cristãos. Além disso, nossas celebrações, em boa parte dos casos, não são vivenciadas com alegria e nem expressam uma autêntica alegria. “Não deixa de ser significativa a acusação de Nietzsche aos cristãos: ‘Teriam que cantar-me cantos mais alegres. Seria necessário que tivessem rostos de salvos para que eu cresse em seu Salvador’. Essas palavras... são um bom indício do que sentem não poucos diante de um cristianismo que lhes parece muito triste, sombrio e envelhecido... Digamos logo que a alegria do cristão não é fruto do bem-estar material ou gozo de uma boa saúde, nem nasce de um temperamento otimista. É consequência de uma fé viva no Deus salvador, manifestado em Jesus Cristo... Jesus pede a seus discípulos que vivam com uma grande alegria pelo único e assombroso fato de que Deus existe. Esta alegria é uma maneira de estar na vida, um modo de entender tudo e de viver tudo, inclusive os momentos maus. Cristo é sempre fonte de alegria e paz interior. Quem o segue de perto o sabe e, por sua vez, converte-se em fonte de alegria para outros” (Pe. J. A. Pagola).
            Enfim, o salmo que hoje meditamos afirma: “O Senhor fez conhecer a salvação, e às nações, sua justiça... Os confins do universo contemplaram da salvação do nosso Deus. Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira, alegrai-vos e exultai!” (Sl 98,2-4). Nossa missão como discípulos de Jesus é a mesma de Pedro: justamente porque “Deus não faz distinção entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10,34-35), somos chamados a alcançar outros “Cornélios”, inúmeras pessoas que não são alcançadas pela “pastoral da manutenção” de nossas paróquias, pessoas às quais Deus também ama e sobre as quais Ele quer derramar o Espírito Santo como manifestação sensível do Seu amor (cf. At 10,44-45).
           
P.S. “Quando Pedro estava para entrar em casa, Cornélio saiu-lhe ao encontro, caiu a seus pés e se prostrou. Mas Pedro levantou-o, dizendo: ‘Levanta-te. Eu, também, sou apenas um homem’” (At 10,25-26). “A atitude humilde de Pedro faz-nos pensar como são ridículas e desprovidas de sentido certas tentativas de afirmação pessoal diante dos irmãos, certas poses de superioridade, a busca de privilégios e de honras, as lutas pelos primeiros lugares… Aqueles a quem, numa comunidade, foi confiada a responsabilidade de presidir, de coordenar, de organizar, de animar, devem sentir-se 'simples homens', humildes instrumentos de Deus. A sua missão é testemunhar Jesus e não procurar privilégios ou a adoração dos irmãos” (Pe. Joaquim Garrido, Pe. Manuel Barbosa, Pe. José Ornelas Carvalho – Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus – Dehonianos).

Oração: “Todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus. Quem não ama, não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (1Jo 4,7-8). Pai, torna-me consciente do Teu amor em mim. Concede-me a graça de sentir o Teu amor a cada manhã e de viver a cada dia na força desse amor que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera e tudo suporta. Mesmo quando eu me sentir abandonado(a) por Ti e ferido(a) pela injustiça e pela maldade dos homens, que eu saiba transformar minhas feridas em pérolas.
 “Permaneçam no meu amor... Amem-se uns aos outros como eu amei vocês” (Jo 15,9.12). Senhor Jesus, ensina-me a permanecer no Teu amor e jamais duvidar dele. Que eu tenha a firme convicção de que nenhuma dor, nenhum problema, nenhuma situação difícil, de injustiça ou de sofrimento pode me separar do Teu amor por mim. Quero abraçar a missão de ser como Pedro, testemunha do Teu amor também por aquelas pessoas que ainda não foram alcançadas pela ação pastoral da nossa Igreja.
“Os fiéis de origem judaica... ficaram admirados de que o dom do Espírito Santo fosse derramado também sobre os pagãos” (At 10,45). Espírito Santo, renova a Tua graça em nossos corações. Visita nossas paróquias e Dioceses; sopra sobre toda a nossa Igreja o Teu vento renovador, para impulsionar o anúncio do Evangelho. Que a Tua unção nos faça ir além daquilo que temos conseguido compreender, enxergar e fazer em nossa ação pastoral, para sermos testemunhas da alegria da salvação a todos os homens. Amém!  

 Pe. Paulo Cezar Mazzi

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