quarta-feira, 30 de maio de 2018

HONRAR O SANGUE QUE NOS REDIMIU

Missa do Corpo e Sangue de Cristo. Palavra de Deus: Êxodo 24,3-8; Hebreus 9,11-15; Marcos 14,12-16.22-26.

            Sempre que comungamos numa celebração eucarística, recebemos o “corpo de Cristo”, a hóstia consagrada. No entanto, neste dia de Corpus Christi, a Palavra de Deus nos faz olhar com atenção para o “sangue de Cristo”, de maneira especial. Esta imagem do sangue apareceu nas três leituras bíblicas. Mas o que essa imagem nos diz? O sangue está em estreita relação com o corpo: ele é, por assim dizer, a “vida” do corpo. Perder muito sangue significa correr o sério risco de morrer; receber sangue, por sua vez, significa recuperar a vida, manter-se vivo ou voltar a viver.
Mas os três textos bíblicos de hoje nos falam não apenas de sangue; eles falam especificamente do “sangue derramado”. Desde o Antigo Testamento, alguns animais tinham seu sangue derramado para “selar” a aliança dos homens com Deus. O que esse sangue derramado simbolizava? Ele simbolizava o compromisso assumido perante Deus: se alguma pessoa rompesse sua aliança/seu compromisso com Deus, estaria assumindo o risco de morrer; morrer não no sentido de ser morta por Deus, mas no sentido de afastar-se do Deus Vivo e passar a percorrer um caminho de morte, um caminho de autodestruição. É por isso que Moisés, após selar a aliança entre Israel e o Senhor, aspergiu as pessoas com sangue (cf. Ex 24,6.8).
O mais significativo nas leituras bíblicas de hoje é a comparação entre o valor do sangue dos animais (Antigo Testamento) e o valor do sangue de Cristo (Novo Testamento). Enquanto alguns animais morriam, obviamente sem saber por que, e o seu sangue inconsciente era usado para alertar a consciência de Israel do risco de afastar-se de Deus e seguir um caminho de morte, o sangue de Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, é um sangue consciente, o sangue d’Aquele que livremente entregou-se para a salvação do mundo. Justamente por isso, a carta aos Hebreus afirma que o sangue de Jesus é infinitamente superior ao sangue de bodes e bezerros; é o sangue que não realiza uma simples purificação exterior, mas uma purificação daquilo que temos de mais sagrado – a nossa consciência. Eis o texto bíblico: “Se o sangue de bodes e touros, e a cinza de novilhas espalhada sobre os seres impuros, os santifica e realiza a pureza ritual dos corpos, quanto mais o Sangue de Cristo purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo, pois, em virtude do espírito eterno, Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha” (Hb 9,14-15).
            Aqui está o valor do sangue de Cristo, derramado por nós na cruz: ele realizou uma redenção eterna; eterna, não provisória, nem temporária! No entanto, o autor da carta aos Hebreus quer nos ensinar que o sangue de Cristo não tem o poder mágico de nos colocar em comunhão definitiva com Deus. O que este sangue contém é, sim, um apelo, um convite, uma provocação: que cada um de nós, que comunga do Corpo e do Sangue de Cristo, tenha a disposição de oferecer-se a Deus como Seu Filho se ofereceu; que cada um de nós viva sua vida neste mundo como Jesus viveu a d’Ele: como “corpo doado” e “sangue derramado” em favor da salvação da humanidade.
            A ideia do “sangue derramado” sempre esteve unida, na Sagrada Escritura, à ideia de sacrifício. A “hóstia” que comungamos na missa é exatamente o sacrifício de Cristo – lembremos que a palavra “hóstia” significa “sacrifício”. Não foi à toa que o apóstolo Paulo disse: “ofereçam seus corpos como hóstia viva (sacrifício vivo), santo e agradável a Deus” (Rm 12,1). Sendo assim, precisamos nos perguntar: pelo quê temos nos sacrificado? Sem dúvida, a maioria de nós se sacrifica para sobreviver neste mundo cada vez mais desumano, injusto e competitivo. Mas o perigo está em reduzirmos o nosso sacrifício às coisas materiais, não tendo a mesma disposição em nos sacrificar pelas coisas espirituais...
            Muitos pais se sacrificam para dar uma vida digna aos seus filhos. Eles também se sacrificam para lhes transmitir fé e valores espirituais? Além disso, quantos filhos hoje se sacrificam por seus pais? Que sacrifícios mulher e marido estão dispostos a fazer pelo bem, pela recuperação ou pela restauração do casamento/da família? Que sacrifícios nós fazemos pelo bem das outras pessoas, pelo bem dos necessitados, pelo bem da nossa Igreja ou da nossa comunidade? Que sacrifícios estamos dispostos a fazer em vista da nossa conversão e da nossa salvação?
            O Evangelho de hoje nos mostra que Jesus escolheu o vinho para expressar a verdade do seu Sangue derramado por nós. O vinho nasce do “sacrifício” das uvas que se entregam para serem esmagadas, da mesma forma que o pão nasce do “sacrifício” dos grãos de trigo que se entregam para serem triturados. Pão e vinho, Corpo e Sangue de Jesus, alimento de vida eterna, convite a não fugirmos daqueles sacrifícios que são necessários serem abraçados, enfrentados, em vista da nossa edificação e do bem da família, da Igreja e da sociedade.  

Oração:
Senhor Jesus Cristo, teu sangue foi prefigurado na morte de Abel, cuja vida foi tirada por seu próprio irmão (cf. Gn 4,8). Hoje pedimos que o teu precioso sangue seja aspergido sobre a consciência de todas as pessoas que, como Caim, estão feridas pela raiva e pelo ódio, expostas a tantas situações de violência, para que aprendam a dialogar com sua própria ira e não deem espaço para o mal agir sobre elas (cf. Ef 4,26-27).
Teu sangue também foi prefigurado no sangue dos cordeiros que os hebreus passaram nas portas de suas casas, para que elas fossem poupadas do espírito exterminador (cf. Ex 12,13). Hoje pedimos que o teu precioso sangue seja derramado sobre nossas casas, para nos livrar do espírito exterminador da discórdia, da dependência química, do abuso sexual, do desemprego e da desestruturação familiar.
Teu sangue foi prefigurado no sangue que Moisés aspergiu sobre o povo de Israel, no momento em que selou a aliança com Deus (cf. Ex 24,8). Diante da consciência da nossa fraqueza e da nossa infidelidade, te pedimos, como o salmista: “Purifica-nos dos nossos pecados; lava-nos no teu sangue, e ficaremos mais brancos do que a neve. Cria em nós um coração que seja puro” (cf. Sl 51,9.12). Ajuda-nos em nosso combate contra o pecado!
Teu sangue foi prefigurado no sangue dos santos inocentes, daqueles meninos que foram mortos por Herodes (cf. Mt 2,16-18). Hoje pedimos que o teu sangue seja derramado sobre as crianças do mundo inteiro, para que os “Herodes” do tráfico de drogas, da pedofilia, do abuso sexual, da fome, da violência e da guerra não tenham poder sobre nenhuma delas.
Teu sangue tem o poder de purificar nossa consciência, de perdoar nossos pecados, de curar nossas feridas: derrama-o sobre todos nós! Teu sangue é a expressão do teu amor, amor que nos amou até o fim. Ensina-nos a amar até o fim! Teu sangue é a expressão de uma vida entregue, doada, oferecida como sacrifício pelo bem da humanidade. Que assim seja a nossa vida também. Desse modo, estaremos honrando o sangue que nos redimiu. Que assim seja!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário