Missa de Cristo
Rei. Palavra de Deus: Ezequiel 34,11-12.15-17; 1Coríntios 15,20-26.28; Mateus
25,31-46.
Duas afirmações bíblicas nos ajudam
a compreender o sentido da festa de hoje, na qual celebramos Cristo Rei. A
primeira é de Deus, no Antigo Testamento, ao afirmar: “Quanto a vós, minhas
ovelhas, (...) eu farei justiça entre uma ovelha e outra” (Ez 34,17). A segunda
é do próprio Cristo, no Novo Testamento, ao afirmar: “Quando o Filho do Homem
vier em sua glória..., todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e
ele separará uns dos outros” (Mt 25,31-32). “Fazer justiça” e “separar uns dos
outros” significa “julgar”, e quando Deus julga, Ele restabelece a justiça na
terra.
Para nós, brasileiros, que vivemos num
país marcado por injustiça e impunidade, é confortador saber que a palavra
final sobre a história da humanidade e sobre a consciência de cada ser humano
virá do Filho, Jesus Cristo, a quem o Pai confiou o julgamento sobre todo ser
humano, um julgamento que significa o confronto com a verdade que sempre se
propôs como verdade que nos liberta. E esta cena do julgamento final, descrita
no Evangelho, é confirmada pelo apóstolo Paulo, ao declarar que “todos nós
compareceremos perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba a
retribuição do que tiver feito durante sua vida terrena, seja para o bem, seja
para o mal” (2Cor 5,10). E ainda: “Todos nós compareceremos perante o tribunal
de Deus... Assim, cada um de nós prestará contas a Deus de si próprio” (Rm
14,10.12).
Talvez essas afirmações bíblicas
caiam como uma imposição intolerável da parte de Deus para sobre aqueles que
escolheram não crer n’Ele ou não seguir religião nenhuma. No entanto, vale a
pena perceber como Jesus nos surpreende neste Evangelho, ao revelar que o
julgamento de cada ser humano não terá como critério a sua conduta cristã ou religiosa,
mas a sua conduta humana! Jesus, na sua função de Juiz, não questionará o ser
humano se ele teve fé, se praticou alguma religião ou se foi fiel à doutrina da
sua igreja; Ele questionará todo e qualquer ser humano como ele se comportou
diante da necessidade do seu semelhante! Isso é surpreendente e tira de todos
nós, que seguimos alguma igreja ou religião, a falsa segurança ou a presunção
de que ser uma pessoa religiosa garante por si só a nossa participação no Reino
de Deus.
A separação, no julgamento final,
entre os justos e os injustos, entre os “benditos” e os “malditos”, deixa claro
que só existem duas atitudes possíveis diante das pessoas que sofrem ou passam
por alguma necessidade: ou nós nos compadecemos e ajudamos essas pessoas, ou
nós nos desinteressamos pelo que se passa com elas e as abandonamos. Não há
neutralidade, e a nossa postura agora diante delas vai refletir no momento do nosso
encontro definitivo com Deus, sabendo que o critério para entrar no Reino não será
o que cada um de nós fez ou deixou de fazer “para” Deus, mas o que um de nós fez
ou deixou de fazer “para” os nossos semelhantes que cruzaram o nosso caminho e
que clamaram por nossa presença solidária e compassiva.
O pano de fundo do julgamento final
é o “Reino de Deus”. Segundo os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, o Reino
de Deus foi o centro da pregação de Jesus. Já o evangelista João traduziu o
Reino de Deus pela expressão “vida eterna”. Portanto, perder o Reino, perder a
vida eterna, significa perder tudo; significa falir como ser humano e afastar-se
definitivamente da meta que Deus desejou para cada ser humano: a vida plena.
Nas palavras do Pe. J.A. Pagola, “o Reino do Pai é a fraternidade entre Seus
filhos; é a realização de cada promessa de Deus e de cada desejo do homem; é o
fim de toda e qualquer escravidão, egoísmo, tristeza, guerra, inquietação,
maldade, dureza etc”.
Na oração do Pai nosso, Jesus nos
ensinou a pedir: “Venha a nós o vosso Reino!” (Mt 6,10). E aqui é importante
lembrar que o Reino de Deus não é um lugar, mas uma situação de vida, conforme
nos ensina o apóstolo Pedro: “O que nós esperamos, conforme a sua promessa, são
novos céus e numa nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13). Desejar o
Reino é desejar a justiça de Deus que cura, restaura e corrige tudo aquilo que
as injustiças dos homens causaram e têm causado de dor, de sofrimento e morte
em nosso mundo. Ao mesmo tempo, é importante lembrar que Jesus também nos
convidou a “buscar, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt
6,33), e todas as outras coisas nos serão dadas em acréscimo.
Preocupa-nos, hoje, o nosso
descrédito cada vez maior em relação à justiça em nosso país, e a consequente
apatia, tolerância e indiferença para com as injustiças e a impunidade. Mas
também é preocupante o fato de que muitos de nós estejamos nos corrompendo em
nossa consciência e nos permitindo praticar atitudes injustas, apostando na
impunidade. Uma pessoa que deixou se corromper deixou de acreditar no céu,
deixou de acreditar no julgamento final, deixou de acreditar no Reino de Deus,
na vida eterna. Essa verdade se aplica especialmente aos líderes religiosos:
todo líder religioso que passou a se corromper, desviando para sua conta
particular um dinheiro que foi custosamente doado por seus fiéis, faz isso
porque não crê no céu; esqueceu-se – e faz questão de não lembrar – de que um
dia ouvirá do Justo Juiz: “Presta contas da tua administração” (Lc 16,2). A
Palavra do Senhor hoje é muito clara: Deus fará justiça entre um ser humano e
outro. Nada ficará impune, porque tudo tem consequências. Por não acreditarem
no céu, as pessoas corruptas favorecem o inferno aqui na terra, o qual se
concretiza por meio das inúmeras injustiças que causam sofrimento a muitas pessoas.
E pessoas que favorecem o inferno aqui na terra o receberão com consequência
natural dos seus atos, conforme está escrito: “O que o homem semear, isso
colherá” (Gl 5,17).
Ao terminar esta reflexão sobre Cristo Rei,
lembremos que Deus escolheu a figura do rei para expressar o seu cuidado para
com seu povo, um cuidado carinhosamente descrito pelo profeta Ezequiel nestas
palavras: “Vou cuidar de minhas ovelhas e vou resgatá-las de todos os lugares
em que foram dispersadas num dia de nuvens e escuridão. Vou procurar a ovelha
perdida, reconduzir a extraviada, enfaixar a da perna quebrada, fortalecer a
doente, e vigiar a ovelha gorda e forte. Vou apascentá-las conforme o direito”
(Ez 34,12.16). Ao proclamarmos Jesus Cristo como Rei do Universo, nós
professamos a fé no Pai que confiou ao seu Filho o poder de redimir e salvar
todo ser humano, o poder de restaurar todas as coisas, de reconciliar tudo o
que está no céu e sobre a terra, realizando a paz, restabelecendo a justiça e
concedendo-lhes a vida eterna.
Oração: Senhor Deus, eu confio na
Tua justiça e no Teu julgamento sobre o mundo e sobre cada ser humano. Eu
acredito do Teu Reino, confiando e esperando na Tua promessa de criar novos
céus e uma nova terra onde habitará a justiça. Venha a nós o Teu Reino! Estende
sobre todo ser humano o Teu cuidado de Pai, especialmente sobre as pessoas que
ainda estão sob o domínio do mal e de todo tipo de injustiça e sofrimento.
Restaura todas as coisas em Teu Filho Jesus Cristo, Rei do Universo! Amém!
Senhor Jesus Cristo, quero
submeter-me à Tua autoridade, ao Teu poder, ao Teu senhorio. Livra-me de perder
o medo de perder o céu. Quero estar consciente do meu julgamento diante de Ti.
Quero reconhecer-Te na pessoa do necessitado. Quero passar por este mundo
compadecendo-me e ajudando aqueles que precisam, jamais assumindo a atitude de
me desinteressar do sofrimento deles e de abandoná-los a si mesmos. Que a Tua
palavra continue a orientar a minha consciência diariamente, para que eu possa
estar confiante, diante de Ti, no momento do meu julgamento. Podes reinar, Senhor Jesus! O Teu poder Teu
povo sentirá! Reina, Senhor, neste lugar! Visita cada irmão, ó meu Senhor,
dá-lhe paz interior e razões pra Te louvar. Desfaz toda tristeza, incerteza e
desamor. Glorifica o Teu nome, ó meu Senhor! (Podes reinar).