sexta-feira, 7 de abril de 2017

TODA SITUAÇÃO PODE TORNAR-SE LUGAR E CAUSA DE SALVAÇÃO

Missa do domingo de ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Mateus 26,14 – 27,66.

Acompanhando a narrativa da Paixão de Jesus segundo São Mateus, nos deparamos com os seguintes sentimentos, atitudes e acontecimentos: traição, decepção, dispersão, negação, tristeza profunda, vontade do Pai, violência, fuga, choro amargo, suicídio, escolhas, cruz, abandono, ressurreição e fé.
Traição: “Um de vós vai me trair” (Mt 26,21). Judas traiu Jesus por dinheiro (30 moedas de prata). Ele se corrompeu. Muitas das pessoas em que depositamos nossa esperança de mudança no que diz respeito à Justiça e à Política em nosso País nos traíram, corrompendo-se por dinheiro. Além disso, muitos de nós já experimentamos a dor da traição no campo afetivo, assim como tantos de nós já traíram a confiança que alguém depositou em nós. A traição que Jesus sofreu por parte de Judas questiona a nossa fidelidade e as nossas atitudes corruptas na forma de ganhar dinheiro.
Decepção: “Vós ficareis decepcionados por minha causa” (Mt 26,31). Sempre que Deus não tira a cruz do nosso caminho, sempre que Ele não remove a nossa fraqueza e não nos impede de sofrer, nós ficamos decepcionados com Ele. A decepção dos discípulos em relação à fragilidade de Jesus na cruz precisa nos ajudar a rever as nossas expectativas exageradas e irrealistas quanto a nós mesmos, às pessoas e ao próprio Deus.
Dispersão: “Ferirei o pastor e as ovelhas do rebanho se dispersarão” (Mt 26,31). Uma vez que muitas famílias estão feridas pela desestruturação emocional e/ou financeira, o Estado está ferido pela corrupção e pela impunidade, as igrejas estão feridas pela fragilidade e/ou pela incoerência dos seus pastores, a Escola está ferida pela ditadura e/ou pela agressividade dos alunos, o meio ambiente está ferido pela ganância desmedida do agronegócio, a população brasileira se dispersa, se desorienta e se fragiliza cada vez mais. Essa dispersão só pode ser sanada se nos unirmos em vista do bem comum, da união dos nossos esforços em favor da justiça, da paz e da vida em nossa sociedade.   
Negação: “Tu me negarás três vezes”... “Ainda que eu tenha que morrer contigo, mesmo assim não te negarei”. E todos os discípulos disseram a mesma coisa (Mt 26,34-35). Como disse Oswaldo Montenegro, “Quantas mentiras você condenava? Quantas você teve que cometer?” (música A lista). Quantas atitudes nós condenávamos nos outros ontem e quantas estamos cometendo hoje, porque queremos sobreviver, porque não queremos estar por baixo, porque queremos vencer no jogo cotidiano do poder? Jesus conhecia os limites de Pedro e dos demais discípulos. Nós temos consciência dos nossos limites? O nosso desejo em sermos coerentes com o Evangelho é maior do que o nosso desejo de sobreviver numa sociedade pautada por contra valores?
Tristeza profunda: “Minha alma está triste até a morte. Ficai aqui e vigiai comigo!” (Mt 26,38). A nossa cultura é marcada pela exigência de felicidade, ainda que seja uma felicidade mentirosa, aparente. Você se permite sentir tristeza? Você acolhe sua tristeza, sobretudo quando ela é fruto de escolhas que você fez em vista da sua retidão, da sua seriedade, da sua obediência à vontade de Deus? Você procura estar junto das pessoas que estão tristes, rezando por elas e procurando encorajá-las nas suas decisões difíceis?
Vontade do Pai: “Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que eu o beba, seja feita a tua vontade!” (Mt 26,42). Se muitas vezes nos causa sofrimento viver segundo a vontade de Deus, muito maiores são os sofrimentos que causamos a nós mesmos, aos outros e ao mundo quando decidimos fazer o contrário do que Deus orienta à nossa consciência. A maturidade de Jesus em ajustar-se à vontade do Pai questiona a imaturidade da nossa fé, quase sempre rasteira, presa aos caprichos do nosso ego, um ego mimado, que exige que todo mundo à sua volta esteja a serviço dos seus desejos.
Violência: “Guarda a espada..., pois todos os que usam a espada pela espada morrerão” (Mt 26,52). Por causa da impunidade em nosso País, cresce sempre mais em nós a intolerância, a raiva e o desejo de medidas extremas para se combater a injustiça e a violência, como a execução (extra-oficial) e a pena de morte (oficial). Eis um ensinamento de Jesus extremamente difícil de ser assimilado por nós: não devemos recorrer à violência, ainda que seja para defender uma causa justa. Os meios nunca justificarão os fins. Deus tem uma outra forma de fazer prevalecer a sua Verdade em nós: “Não pela força, não pelo poder, mas sim por meu espírito – disse o Senhor dos Exércitos” (Zc 4,6).
Fuga: “Então todos os discípulos, abandonando Jesus, fugiram” (Mt 26,56). Numa época de profundo individualismo como a nossa, a atitude mais “natural” diante das ameaças e dos perigos tem sido esta: “Salve-se quem puder!” Jesus nos convida a não fugir das nossas responsabilidades, a não fugir do confronto conosco mesmos, a não fugir da luta por uma sociedade mais humana e justa só por causa das ameaças de perseguição. O enfrentamento e não a fuga é o melhor caminho para se chegar à solução dos nossos problemas pessoais e sociais.
Choro amargo: “Pedro se lembrou do que Jesus tinha dito: ‘Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes’. E saindo dali, chorou amargamente” (Mt 26,75). O choro sempre é muito bem vindo, sobretudo quando expressa arrependimento. Não devemos ter medo de admitir nossos erros e chorar nossos pecados. Este tipo de choro nos liberta. Todos nós somos falhos. Nosso instinto de sobrevivência muitas vezes se sobrepõe à nossa fé e ao nosso desejo de fidelidade aos valores do Evangelho. O importante não é não tropeçar e cair, mas nos reerguer das nossas quedas e continuar o nosso seguimento a Jesus Cristo.
Suicídio: “Pequei, entregando à morte um homem inocente”. Eles responderam: “O que temos nós com isso? O problema é teu”. Judas jogou as moedas no santuário, saiu e foi se enforcar (Mt 27,4-5). Há uma diferença muito grande entre sentir-se culpado e sentir-se condenado. Judas, diferente de Pedro, não enxergou saída para a sua culpa, e jogou-se nos braços da autocondenação. Sem dúvida que o suicídio é sempre uma decisão individual, mas muitas vezes ele tem uma “ajuda” externa: o descaso dos outros diante do sofrimento psíquico do suicida, ao lhe dizerem “O problema é teu”. Não! O problema é de todos nós! Todos nós acabamos colaborando para a indiferença e o isolamento, dizendo àquele que está doente, desempregado, deprimido, desesperado etc.: “O problema é teu!” Nossa solidariedade e nossa atenção àqueles que estão à nossa volta podem, em muitos casos, impedir o suicídio de pessoas.
Escolhas: “Qual dos dois quereis que eu solte?” Eles gritaram: “Barrabás”. “Que farei com Jesus, que chamam de Cristo?” Todos gritaram: “Seja crucificado!” (Mt 27,21-22). Somos livres para escolher, mas quantas escolhas erradas já fizemos ao longo da vida? A escolha de Barrabás é a escolha do anti-heroi, amplamente promovida pela mídia atual, para a qual o bem é mal e o mal é bem. Além disso, é bom tomar consciência de que nem sempre nossas escolhas são entre algo bom e algo ruim, mas entre algo aparentemente bom e algo verdadeiramente bom. Estejamos mais atentos às nossas escolhas e não as façamos movidos unicamente pelos impulsos do momento, pela miopia das nossas emoções.
Cruz: “Se és o Filho de Deus, desce da cruz!”... “A outros salvou... a si mesmo não pode salvar! Desça agora da cruz! e acreditaremos nele” (Mt 27,40.42). Eis uma exigência que muito frequentemente fazemos a Deus: ‘Tire a cruz da minha vida e eu acreditarei em Ti!’. É a nossa visão estreita da vida: ou Deus ou o sofrimento; se há um, não pode haver o outro. Precisamos nos lembrar de que a nossa experiência de cruz é o lugar onde Deus escolheu manifestar a força da Sua salvação, como afirmou Pe. Amedeo Cencini: “Depois que Cristo morreu na cruz, toda situação, inclusive a mais frágil e trágica ou a aparentemente falimentar e maldita, pode tornar-se lugar e causa de salvação. Ou seja, se um crime horrendo foi o contexto histórico escolhido por Deus ou por meio do qual o Pai nos salvou, isso quer dizer que qualquer cenário histórico é ideal para se viver a própria história pessoal de salvação”. 
Abandono: “Pelas três horas da tarde, Jesus deu um forte grito: ‘Eli, Eli, lamá sabactâni?’, que quer dizer: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’” (Mt 27,46). Não há um ser humano que nunca se sinta abandonado por Deus em algum momento da vida, nem mesmo entre aqueles que creem. Os grandes santos passaram por momentos terríveis de aridez espiritual, nos quais constataram que o lugar de Deus neles era um imenso vazio. Não confundamos nossa sensação de vazio com abandono da parte Deus. Não sentir Deus conosco, sobretudo na hora mais extrema da dor, não significa que Ele não esteja ali, nos amparando e nos sustentando em Seus braços. 
Ressurreição: “(...) a terra tremeu e as pedras se partiram. Os túmulos se abriram e muitos corpos dos santos falecidos ressuscitaram!” (Mt 27,51-52). Eis a força redentora da morte de Jesus! Assim que o grão de trigo cai na terra e morre, começa a produzir fruto! A ressurreição da humanidade começou no exato momento em que Cristo morreu na cruz. Mesmo tendo que enfrentar situações de morte, podemos seguir pela vida com a plena confiança de que “se morremos com ele (Cristo), com ele viveremos” (2Tm 2,11). Além disso, podemos ter a certeza de que Jesus é o Senhor tanto daquilo que já morreu quanto daquilo que ainda vive em nós (cf. Rm 14,9)!
Fé: “Ele era mesmo Filho de Deus!” (Mt 27,54). Eis o motivo pelo qual estamos hoje iniciando a Semana Santa! Nós cremos no Filho de Deus, que se fez obediente até a morte de cruz para nos tirar das consequências destrutivas da nossa desobediência (cf. Fl 2,8; Rm 5,19). Nós cremos no Filho de Deus, que aceitou ser condenado na cruz para nos livrar de todo tipo de condenação (cf. Rm 8,1). Nós cremos no Filho de Deus, crucificado e ressuscitado, Ele que agora possui as chaves da morte e da região dos mortos (cf. Ap 1,18), para a todos conceder o perdão dos pecados e a participação na Sua ressurreição.  

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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