Missa
do domingo de ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Mateus
26,14 – 27,66.
Acompanhando
a narrativa da Paixão de Jesus segundo São Mateus, nos deparamos com os
seguintes sentimentos, atitudes e acontecimentos: traição, decepção, dispersão,
negação, tristeza profunda, vontade do Pai, violência, fuga, choro amargo, suicídio,
escolhas, cruz, abandono, ressurreição e fé.
Traição: “Um de vós vai
me trair” (Mt 26,21). Judas traiu Jesus por dinheiro (30 moedas de prata). Ele
se corrompeu. Muitas das pessoas em que depositamos nossa esperança de mudança
no que diz respeito à Justiça e à Política em nosso País nos traíram,
corrompendo-se por dinheiro. Além disso, muitos de nós já experimentamos a dor
da traição no campo afetivo, assim como tantos de nós já traíram a confiança
que alguém depositou em nós. A traição que Jesus sofreu por parte de Judas
questiona a nossa fidelidade e as nossas atitudes corruptas na forma de ganhar
dinheiro.
Decepção: “Vós ficareis
decepcionados por minha causa” (Mt 26,31). Sempre que Deus não tira a cruz do
nosso caminho, sempre que Ele não remove a nossa fraqueza e não nos impede de
sofrer, nós ficamos decepcionados com Ele. A decepção dos discípulos em relação
à fragilidade de Jesus na cruz precisa nos ajudar a rever as nossas
expectativas exageradas e irrealistas quanto a nós mesmos, às pessoas e ao
próprio Deus.
Dispersão: “Ferirei o
pastor e as ovelhas do rebanho se dispersarão” (Mt 26,31). Uma vez que muitas
famílias estão feridas pela desestruturação emocional e/ou financeira, o Estado
está ferido pela corrupção e pela impunidade, as igrejas estão feridas pela
fragilidade e/ou pela incoerência dos seus pastores, a Escola está ferida pela
ditadura e/ou pela agressividade dos alunos, o meio ambiente está ferido pela
ganância desmedida do agronegócio, a população brasileira se dispersa, se
desorienta e se fragiliza cada vez mais. Essa dispersão só pode ser sanada se
nos unirmos em vista do bem comum, da união dos nossos esforços em favor da
justiça, da paz e da vida em nossa sociedade.
Negação: “Tu me negarás três vezes”... “Ainda que
eu tenha que morrer contigo, mesmo assim não te negarei”. E todos os discípulos
disseram a mesma coisa (Mt 26,34-35). Como disse Oswaldo Montenegro, “Quantas
mentiras você condenava? Quantas você teve que cometer?” (música A lista). Quantas atitudes nós
condenávamos nos outros ontem e quantas estamos cometendo hoje, porque queremos
sobreviver, porque não queremos estar por baixo, porque queremos vencer no jogo
cotidiano do poder? Jesus conhecia os limites de Pedro e dos demais discípulos.
Nós temos consciência dos nossos limites? O nosso desejo em sermos coerentes
com o Evangelho é maior do que o nosso desejo de sobreviver numa sociedade
pautada por contra valores?
Tristeza
profunda:
“Minha alma está triste até a morte. Ficai aqui e vigiai comigo!” (Mt 26,38). A
nossa cultura é marcada pela exigência de felicidade, ainda que seja uma
felicidade mentirosa, aparente. Você se permite sentir tristeza? Você acolhe
sua tristeza, sobretudo quando ela é fruto de escolhas que você fez em vista da
sua retidão, da sua seriedade, da sua obediência à vontade de Deus? Você
procura estar junto das pessoas que estão tristes, rezando por elas e
procurando encorajá-las nas suas decisões difíceis?
Vontade
do Pai:
“Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que eu o beba, seja feita a tua
vontade!” (Mt 26,42). Se muitas vezes nos causa sofrimento viver segundo a
vontade de Deus, muito maiores são os sofrimentos que causamos a nós mesmos,
aos outros e ao mundo quando decidimos fazer o contrário do que Deus orienta à
nossa consciência. A maturidade de Jesus em ajustar-se à vontade do Pai
questiona a imaturidade da nossa fé, quase sempre rasteira, presa aos caprichos
do nosso ego, um ego mimado, que exige que todo mundo à sua volta esteja a
serviço dos seus desejos.
Violência: “Guarda a
espada..., pois todos os que usam a espada pela espada morrerão” (Mt 26,52). Por
causa da impunidade em nosso País, cresce sempre mais em nós a intolerância, a
raiva e o desejo de medidas extremas para se combater a injustiça e a violência,
como a execução (extra-oficial) e a pena de morte (oficial). Eis um ensinamento
de Jesus extremamente difícil de ser assimilado por nós: não devemos recorrer à
violência, ainda que seja para defender uma causa justa. Os meios nunca justificarão
os fins. Deus tem uma outra forma de fazer prevalecer a sua Verdade em nós: “Não
pela força, não pelo poder, mas sim por meu espírito – disse o Senhor dos
Exércitos” (Zc 4,6).
Fuga: “Então todos os
discípulos, abandonando Jesus, fugiram” (Mt 26,56). Numa época de profundo
individualismo como a nossa, a atitude mais “natural” diante das ameaças e dos perigos
tem sido esta: “Salve-se quem puder!” Jesus nos convida a não fugir das nossas
responsabilidades, a não fugir do confronto conosco mesmos, a não fugir da luta
por uma sociedade mais humana e justa só por causa das ameaças de perseguição.
O enfrentamento e não a fuga é o melhor caminho para se chegar à solução dos
nossos problemas pessoais e sociais.
Choro
amargo:
“Pedro se lembrou do que Jesus tinha dito: ‘Antes que o galo cante, tu me
negarás três vezes’. E saindo dali, chorou amargamente” (Mt 26,75). O choro
sempre é muito bem vindo, sobretudo quando expressa arrependimento. Não devemos
ter medo de admitir nossos erros e chorar nossos pecados. Este tipo de choro
nos liberta. Todos nós somos falhos. Nosso instinto de sobrevivência muitas
vezes se sobrepõe à nossa fé e ao nosso desejo de fidelidade aos valores do
Evangelho. O importante não é não tropeçar e cair, mas nos reerguer das nossas
quedas e continuar o nosso seguimento a Jesus Cristo.
Suicídio: “Pequei, entregando
à morte um homem inocente”. Eles responderam: “O que temos nós com isso? O
problema é teu”. Judas jogou as moedas no santuário, saiu e foi se enforcar (Mt
27,4-5). Há uma diferença muito grande entre sentir-se culpado e sentir-se
condenado. Judas, diferente de Pedro, não enxergou saída para a sua culpa, e
jogou-se nos braços da autocondenação. Sem dúvida que o suicídio é sempre uma
decisão individual, mas muitas vezes ele tem uma “ajuda” externa: o descaso dos
outros diante do sofrimento psíquico do suicida, ao lhe dizerem “O problema é
teu”. Não! O problema é de todos nós! Todos nós acabamos colaborando para a
indiferença e o isolamento, dizendo àquele que está doente, desempregado,
deprimido, desesperado etc.: “O problema é teu!” Nossa solidariedade e nossa
atenção àqueles que estão à nossa volta podem, em muitos casos, impedir o
suicídio de pessoas.
Escolhas: “Qual dos dois
quereis que eu solte?” Eles gritaram: “Barrabás”. “Que farei com Jesus, que
chamam de Cristo?” Todos gritaram: “Seja crucificado!” (Mt 27,21-22). Somos
livres para escolher, mas quantas escolhas erradas já fizemos ao longo da vida?
A escolha de Barrabás é a escolha do anti-heroi, amplamente promovida pela mídia
atual, para a qual o bem é mal e o mal é bem. Além disso, é bom tomar
consciência de que nem sempre nossas escolhas são entre algo bom e algo ruim,
mas entre algo aparentemente bom e
algo verdadeiramente bom. Estejamos
mais atentos às nossas escolhas e não as façamos movidos unicamente pelos
impulsos do momento, pela miopia das nossas emoções.
Cruz: “Se és o Filho
de Deus, desce da cruz!”... “A outros salvou... a si mesmo não pode salvar!
Desça agora da cruz! e acreditaremos nele” (Mt 27,40.42). Eis uma exigência que
muito frequentemente fazemos a Deus: ‘Tire a cruz da minha vida e eu
acreditarei em Ti!’. É a nossa visão estreita da vida: ou Deus ou o sofrimento;
se há um, não pode haver o outro. Precisamos nos lembrar de que a nossa
experiência de cruz é o lugar onde Deus escolheu manifestar a força da Sua
salvação, como afirmou Pe. Amedeo Cencini: “Depois
que Cristo morreu na cruz, toda situação, inclusive a mais frágil e trágica ou
a aparentemente falimentar e maldita, pode tornar-se lugar e causa de salvação.
Ou seja, se um crime horrendo foi o contexto histórico escolhido por Deus ou
por meio do qual o Pai nos salvou, isso quer dizer que qualquer cenário
histórico é ideal para se viver a própria história pessoal de salvação”.
Abandono: “Pelas três horas
da tarde, Jesus deu um forte grito: ‘Eli, Eli, lamá sabactâni?’, que quer
dizer: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’” (Mt 27,46). Não há um ser
humano que nunca se sinta abandonado por Deus em algum momento da vida, nem
mesmo entre aqueles que creem. Os grandes santos passaram por momentos terríveis
de aridez espiritual, nos quais constataram que o lugar de Deus neles era um
imenso vazio. Não confundamos nossa sensação de vazio com abandono da parte Deus.
Não sentir Deus conosco, sobretudo na hora mais extrema da dor, não significa
que Ele não esteja ali, nos amparando e nos sustentando em Seus braços.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
Ressurreição: “(...) a terra
tremeu e as pedras se partiram. Os túmulos se abriram e muitos corpos dos
santos falecidos ressuscitaram!” (Mt 27,51-52). Eis a força redentora da morte
de Jesus! Assim que o grão de trigo cai na terra e morre, começa a produzir
fruto! A ressurreição da humanidade começou no exato momento em que Cristo
morreu na cruz. Mesmo tendo que enfrentar situações de morte, podemos seguir
pela vida com a plena confiança de que “se morremos com ele (Cristo), com ele
viveremos” (2Tm 2,11). Além disso, podemos ter a certeza de que Jesus é o
Senhor tanto daquilo que já morreu quanto daquilo que ainda vive em nós (cf. Rm
14,9)!
Fé: “Ele era mesmo
Filho de Deus!” (Mt 27,54). Eis o motivo pelo qual estamos hoje iniciando a
Semana Santa! Nós cremos no Filho de Deus, que se fez obediente até a morte de
cruz para nos tirar das consequências destrutivas da nossa desobediência (cf.
Fl 2,8; Rm 5,19). Nós cremos no Filho de Deus, que aceitou ser condenado na
cruz para nos livrar de todo tipo de condenação (cf. Rm 8,1). Nós cremos no
Filho de Deus, crucificado e ressuscitado, Ele que agora possui as chaves da
morte e da região dos mortos (cf. Ap 1,18), para a todos conceder o perdão dos
pecados e a participação na Sua ressurreição.
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