quinta-feira, 9 de março de 2017

SER PRESENÇA QUE TRANSFIGURA

Missa do 2º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Gn 12,1-4; 2Timóteo 1,8b-10; Mt 17,1-9.

            Com o passar do tempo as cores vão perdendo o brilho, a beleza, e se tornando opacas; também a pele vai sendo modificada na sua textura e se tornando enrugada. Com o passar do tempo, o vigor físico vai se enfraquecendo, os cabelos vão ficando brancos, os pensamentos e os movimentos vão ficando mais lentos. Fisicamente, exteriormente, é normal que tudo vá aos poucos se desfigurando. Mas há algo em nós que precisa fazer o caminho contrário da desfiguração: a nossa fé precisa amadurecer de tal modo que, por meio dela, possamos ter um olhar transfigurado, um olhar que nos faça enxergar a luz da ressurreição para além da sombra da cruz.
            Depois de ter tornado seus discípulos conscientes da realidade da cruz que O aguardava, e percebendo o quanto isso havia perturbado o coração deles (cf. Mt 16,21-28), Jesus quis revelar-lhes a outra face da realidade: toda pessoa que se desfigura, que sofre, que se desgasta, que se doa para transfigurar a realidade à sua volta, experimentará em si mesma a força da transfiguração. Ainda que externamente nós passemos por um processo de desfiguração, no fim de tudo resplandecerá a glória de Deus em nós, glória que por enquanto permanece guardada, escondida, em nossa carne mortal (cf. 2Cor 4,6-10). Por isso, ao invés de nos lamentar por tantas coisas bonitas, sagradas e importantes que vão se desfigurando à nossa volta, precisamos nos perguntar o que temos feito para transfigurar a realidade que nos cerca.
            O livro do Gênesis nos fala de Abrão, um homem desfigurado não só pela idade avançada, mas por ver o horizonte da sua vida sombrio, fechado, sem futuro, pois ele não tinha terra, nem filhos. Foi quando Deus o chamou e lhe desafiou a romper com o desânimo e com uma vida sem sentido, para caminhar com Ele rumo a uma terra, a um horizonte aberto, a uma vida com sentido. “E Abrão partiu”, dispondo-se a caminhar com Deus mesmo não sabendo ao certo para onde seria levado; partiu apenas confiando que Deus tinha poder para transfigurar a sua vida e, por meio dele, a vida de todos os que decidissem crer na Sua palavra.  
            Hoje a mesma Palavra é dirigida a nós: “Saia”. ‘Saia do seu desânimo, da sua passividade, do seu egoísmo, do seu mundo fechado; enxergue a vida para além dos seus interesses. Saia do seu medo, das suas reclamações, do seu pessimismo diante da desfiguração em que se encontra a realidade à sua volta. Eu te transfigurarei, para que você se torne também uma presença de transfiguração junto às outras pessoas. Meus olhos estão voltados para aqueles que confiam esperando em meu amor. Eu posso libertar você das desfigurações que o mundo provoca em sua vida e alimentar em você a força da transfiguração. Escute o meu Filho, que “não só destruiu a morte, como também fez brilhar a vida e a imortalidade por meio do Evangelho”’ (2Tm 1,10).             
            Assim como aconteceu com os discípulos, nós costumamos nos sentir impotentes diante das forças de morte que desfiguram a vida do nosso país: a corrupção e a impunidade de grande parte do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, a violência não só dos bandidos, mas também de alguns policiais, a ação devastadora das drogas, o desemprego, os juros injustos, desonestos e absurdos cobrados pelos Bancos etc. Mas Jesus hoje nos ensina que o problema maior não é força da desfiguração, e sim o nosso silêncio, a nossa omissão, a nossa falta de vontade em reagir e fazer valer a força da transfiguração que o Espírito Santo nos dá para que possamos ajudar a modificar a realidade à nossa volta.
            Qual é a chance que temos de ver o nosso país transfigurado? Qual é a chance de você ver seu local de trabalho transfigurado, a escola do seu filho transfigurada, sua rua, seu bairro, sua cidade, sua igreja transfigurada? “Uma sociedade só tem chance quando os homens de bem tem a mesma audácia dos corruptos” (Professora Lucia Helena Galvão, comentando a frase de Benjamin Disraeli: “O momento exige que os homens de bem tenham a audácia dos canalhas”). Por isso Jesus nos diz hoje o que disse aos discípulos sobre a montanha: “Levantem-se e não tenham medo!” (Mt 17,7). Levante-se! Não se deixe derrubar por aqueles que são audaciosos em desfigurar a vida pública. Não tenha medo de sacrificar parte de sua vida e de seus interesses em favor do bem comum. Não tenha medo de doar a sua vida para que a vida e a imortalidade resplandeçam no mundo por meio do meu Evangelho. Não tenha medo de ser uma pessoa com ideias, sentimentos e atitudes transfigurados no meio de uma sociedade domesticada pela grande mídia e habituada com a desfiguração. Levante-se e siga-me no caminho que, embora tenha a cruz como ponto de passagem, tem a vida transfigurada como ponto de chegada.     
            Oração: Levanta-me, Senhor! Envolve-me com a luz da tua transfiguração. Afasta de mim o espírito de medo, de covardia, de acomodação, que me impede de trabalhar para transfigurar a realidade à minha volta. Reaviva em mim a força do teu Espírito, para que eu tenha a audácia necessária para combater as estruturas desfiguradas e desfiguradoras da nossa sociedade. Em comunhão com a tua Cruz, aceito desfigurar-me, doar-me, desgastar-me, para que a vida e a imortalidade do teu Evangelho prevaleçam sobre a morte e a desfiguração em que se encontra hoje grande parte da humanidade. Ensina-me a ouvir-te, como o Pai me pediu (cf. Mt 17,5), e assim eu sempre terei a luz da tua Palavra para que guiar, até que todos nós sejamos transfigurados definitivamente na luz da tua glória (cf. Fl 3,20-21). Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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