sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O FÔLEGO DA ESPERANÇA

Missa do 1º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 2,1-5; Romanos 13,11-14; Mateus 24,37-44.

            Nós precisamos de esperança para viver, tanto quanto precisamos do ar para respirar. Nós precisamos de esperança porque o nosso agora não nos basta; ele não contém tudo o que Deus quer nos dar. Nós precisamos que a esperança nos tome pela mão, nos faça sair de dentro do nosso sentimento de vazio, de decepção – seja conosco, seja com os outros, seja com o mundo, seja com o próprio Deus – e nos leve para fora, para que possamos enxergar aquela estrada pela qual Deus continuamente vem ao nosso encontro, para nos dar um futuro e uma esperança.   
            Hoje iniciamos o tempo do advento, tempo de esperar Aquele que vem, tempo de abrir as janelas e portas da nossa vida para que o ar da esperança possa entrar e devolver sentido, ânimo, fôlego novo àquilo pelo qual até agora cremos, lutamos, amamos e esperamos. E assim como Deus concedeu uma visão ao profeta Isaías, assim Ele vem abrir nossos olhos para que possamos enxergar a presença da esperança junto a nós, uma esperança que se assenta numa promessa: no fim dos tempos, a presença de Deus se estenderá e se fará sentir sobre toda a terra. Sua palavra/seus ensinamentos provocarão uma mudança de atitude nas pessoas que se deixarem ensinar por Ele: elas transformarão sua agressividade em atitudes em favor da vida; os conflitos darão lugar à convivência pacífica entre as pessoas. E a promessa termina com um convite: “deixemo-nos guiar pela luz do Senhor” (Is 2,5).
            Uma boa forma de você entrar neste tempo de advento é depositar diante do Senhor suas espadas, suas lanças e suas armas (cf. Is 2,4), e se perguntar: contra o quê eu estou lutando atualmente? Meu alvo está correto? Eu realmente preciso dessas armas, ou estou desperdiçando energia com algo contra o qual eu não deveria lutar? Não seria o caso de eu permitir que Deus transforme minhas armas de guerra em instrumentos de paz, de reconciliação comigo mesmo, com os outros e com Ele próprio?
            Embora o advento seja tempo de esperar Aquele que vem, é importante trazer aqui uma bonita definição do Pe. Adroaldo para este tempo que estamos começando a viver em nossa Igreja: “Advento não é aguardar Alguém ausente; mas despertar para se fazer presente Àquele que está sempre presente”. Deus nunca se ausentou da história humana, mas a Sua presença é “escondida”, isto é, não visível aos nossos olhos. Somos nós que temos que “despertar”, conforme o convite do apóstolo Paulo (cf. Rm 13,11); despertar no sentido de não ter a nossa consciência anestesiada, de não vivermos como se fôssemos pagãos, cuja vida se resume em comilança, bebedeira, orgias, imoralidades, brigas e rivalidades. Quem vive assim demonstra não ter nenhuma esperança dentro de si; vive somente o hoje, porque não espera coisa alguma do amanhã.
            Mas nós esperamos! Não esperamos alguma coisa; esperamos Alguém: esperamos pelo Senhor Jesus! Esperamos por sua segunda vinda, e como ele mesmo acabou de nos dizer, essa sua vinda “será como no tempo de Noé” (Mt 24,37): as pessoas “nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos” (Mt 24,39). Isto significa que não haverá nenhum acontecimento extraordinário que fará o mundo parar e se preparar para o encontro com Jesus.
            Não haverá nenhum acontecimento extraordinário... Não são poucas as pessoas que só enxergam Deus ou só experimentam Sua presença se e quando acontece algo extraordinário na vida delas. Quem vive assim, deixa de prestar atenção no ordinário da sua vida; quem vive assim, se comporta como um viciado em droga: a vida só ganha cor sob o efeito do extraordinário e torna-se insuportável no ordinário, no cotidiano. As pessoas do tempo de Noé “nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos” (Mt 24,39). Aqui cabe perguntar: Precisa realmente acontecer algo de extraordinário para que você se dê conta de que algo importante em sua vida está sendo cotidianamente arrastado para o buraco?    
            Em nosso encontro com Jesus haverá uma separação de pessoas: algumas serão levadas e outras serão deixadas (cf. Mt 24,40.41); é uma linguagem simbólica para falar do julgamento final e da salvação: “ser levado” significa ser salvo; “ser deixado” significa ficar perdido para sempre. Portanto, esta palavra de Jesus pede de nós responsabilidade para com a nossa existência, que é única. Desse modo, ele nos diz: “Ficai atentos! (...) Ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá” (Mt 24,42.44). O tempo de preparação para o encontro com Jesus é hoje! É no momento atual que nos é oferecida a salvação. Em nosso comportamento de cada dia se decide a nossa salvação ou condenação.
            Que o sopro da esperança, sopro que emana do Espírito de Deus, encontre alguma porta ou janela da sua vida aberta neste início de advento, e devolva a você a sensibilidade para perceber nas coisas mais comuns e rotineiras do seu dia a dia a presença d’Aquele que está sempre presente, ainda que de maneira oculta, em sua história da vida.


Pe. Paulo Cezar Mazzi  

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

NÃO CONFIE SEU DÍZIMO ÀS MÃOS DE PADRES "BRAÇO CURTO"



A expressão “braço curto” diz respeito a pessoas preguiçosas, que não gostam de trabalhar. Eu não sei muito bem como está essa questão nas igrejas evangélicas, mas ela começa a se tornar preocupante em nossa Igreja. Uma possível explicação para esse tipo de atitude é que cada geração é, em certa medida, fruto da sua época. Não são poucos os pais que sofrem com esse comportamento dentro de casa: o filho cresceu acostumado a não fazer nada, ou a fazer apenas o mínimo; cresceu achando que os outros existem para servi-lo e ele está convencido de que veio ao mundo exatamente para isso: para ser servido. Em muitos casos, os pais são diretamente responsáveis por esta visão distorcida que o filho tem da vida: ele foi ou tem sido criado assim.
Mas, uma vez que eu não tenho gabarito para fazer análises psicológicas ou sociológicas a respeito da geração “nem-nem” – nem trabalha, nem estuda – entendo que nós temos uma indicação muito clara da Palavra de Deus para quem quer que ache normal – e, quem sabe, muito conveniente – ser uma pessoa “braço curto”: “Quem não quer trabalhar também não deve comer” (2Ts 3,10). Perceba que o apóstolo Paulo não diz “quem não pode trabalhar”; ele diz “quem não quer trabalhar”. Dizendo de outra maneira, quem se acha no direito de viver como parasita, quem vive fazendo corpo mole no trabalho precisa levar um choque de realidade: seu “ganho” deverá ser proporcional ao seu trabalho; se a pessoa não quer arregaçar as mangas, que a ela não sejam dados recursos para que continue a ter a vida boa que tem.
Jesus diz que você conhece uma árvore pelos frutos que ela produz (cf. Mt 7,16-20). Como é o padre da sua igreja? Ele trabalha? O trabalho dele se reduz a celebrar missas, ou ele também procura atender as pessoas que procuram por ele e fazer-se presente, o quanto possível, na dor das pessoas (doença, luto, conflito familiar etc.)? Quantas vezes ao longo do ano ele sai “de férias”, alegando que precisa “descansar”? A “presença geográfica” dele se restringe à casa paroquial e à igreja Matriz, ou ele também procura fazer-se presente na periferia da paróquia? Já que, infelizmente, o nosso trabalho pastoral como padres é gasto, em sua maior parte do tempo, na administração de sacramentos – embora a evangelização peça de nós muito mais do que isso – como o padre da sua igreja dispensa tais sacramentos: como quem o faz com o coração voltado para Deus? Como quem dá o melhor de si no que está fazendo ou como quem precisa se livrar logo disso para ter tempo de se dedicar às coisas que realmente lhe dão satisfação, como assistir TV, navegar na internet, sair para bater papo com os amigos, ficar teclando no celular etc.?     
O conselho bíblico “Quem não quer trabalhar também não deve comer” (2Ts 3,10) também se aplica ao dízimo. O dízimo é um dinheiro sagrado que você doa para ajudar nas necessidades da Igreja, seja no seu serviço de evangelização, seja na sua assistência aos pobres. Acontece que o padre é o administrador da paróquia e a última palavra a respeito de como o dinheiro do dízimo deve ser gasto vem dele. Ora, “o que se exige dos administradores é que cada um seja fiel” (1Cor 4,2). O padre da sua igreja pode ser considerado um “administrador fiel”? Ele, para dar o exemplo, também contribui com o dízimo? De que maneira ele administra o dinheiro do dízimo? Com o quê ele gasta esse dinheiro?
Ainda sobre essa questão, se você já contribui ou pretende contribuir com o dízimo, procure se informar como são realizados o recolhimento, a soma e o depósito bancário do dízimo que entra na paróquia. Desconfie de padres que concentram essas funções em suas mãos ao invés de confiá-las a um grupo de pelos menos dois ou três leigos. Enfim, se o padre da sua igreja é “braço curto” ou um administrador suspeito, procure saber se na sua paróquia existe o grupo dos Vicentinos ou algum outro grupo que trabalha diretamente na assistência aos pobres. Destine seu dízimo a eles. Se não houver nenhum grupo neste sentido, destine seu dízimo a entidades beneficentes da sua cidade que cuidam de idosos, de crianças órfãs, de dependentes químicos, de pessoas com algum tipo de deficiência etc. Lembre-se: “Quem não quer trabalhar também não deve comer” (2Ts 3,10). Não confie mais o seu dízimo às mãos de padres “braço curto”.

     Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

QUEM VOCÊ PERMITE QUE EXERÇA DOMÍNIO SOBRE VOCÊ?

Missa de Cristo Rei – Palavra de Deus: 2Samuel 5,1-3; Colossenses 1,12-20; Lucas 23,35-43.

            No início da sua história, o povo de Israel foi guiado por Moisés; depois, por Josué; depois, por Juízes. Mas, na época de Samuel, o último juiz, o povo de Israel pediu-lhe: “Constitui sobre nós um rei, que exerça a justiça entre nós” (1Sm 8,5). Samuel foi consultar Deus na oração a respeito desse pedido, e Deus lhe respondeu: “Atende a tudo o que te diz o povo, porque não é a ti que eles rejeitam, mas a mim; Israel não quer mais que eu reine sobre ele” (1Sm 8,7).
            Hoje, ao celebrarmos Jesus Cristo Rei do universo, precisamos nos perguntar: quem nós queremos que reine sobre nós? Por quem ou pelo que nós nos deixamos dominar? Na Bíblia, o rei é aquele que tem a responsabilidade de proteger o povo e cuidar para que haja justiça e paz entre os homens. Nós nos sentimos protegidos por aqueles que nos governam? Eles têm ajudado nosso mundo a encontrar o caminho da justiça e da paz? De que maneira nós podemos entender Jesus Cristo como Rei?       
            Certa vez, depois que Jesus saciou a multidão faminta no deserto, o povo quis fazê-lo rei, mas Jesus se retirou do meio deles (cf. Jo 6,15). Por quê? Porque Jesus nunca aceitou fazer o papel de solucionador mágico dos nossos problemas. O papel do rei não é oferecer “pão e circo” (comida e diversão) ao povo, coisa que a maioria dos nossos políticos sabe fazer muito bem e o nosso povo gosta – se não fosse assim, não elegeria tais políticos. O domínio que Jesus quis exercer sobre nós a partir da cruz foi um domínio que nos liberta do poder do mal, um domínio que nos devolve a nós mesmos e nos faz tomar nas mãos as rédeas da nossa vida, muitas vezes confiadas às mãos de pessoas e situações que nos fazem mal.
            Portanto, se você é o tipo de pessoa que, ao invés de assumir a responsabilidade pela sua vida, vive procurando “reis”, pessoas que te governem, que te sustentem, que te carreguem no colo quando você tem duas pernas saudáveis e pode andar por si mesmo, pessoas que decidam por você porque lhe falta força de vontade e coragem para fazê-lo, desista de querer eleger Jesus como seu rei particular. Não foi para isso que ele veio e não é esse tipo de reinado que ele exerce. 
            Todo rei tem um trono, o lugar a partir de onde ele exerce o seu poder, o seu domínio. Mas eis a grande contradição! O trono de Jesus foi a cruz, um trono tão estranho, um lugar tão desprovido de poder, que aqueles que passavam diante desse “trono” gritavam: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!” (Lc 23,37). “Salva-te a ti mesmo e a nós!” (Lc 23,39). Eis a nossa grande dificuldade em crer no domínio de Jesus sobre o mundo. Se ele é, de fato, Rei, como entender que o nosso mundo esteja tão dominado pelo mal e pela injustiça? Uma explicação possível para isso é que aqueles que praticam o mal e a injustiça não estão debaixo do domínio de Jesus e sim do maligno. Mas esta explicação basta?
            Um dos homens que estava crucificado com Jesus lhe fez este pedido: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado” (Lc 23,42). Este homem nos ensina que a cruz que carregamos não é a prova de que Jesus é um rei fracassado e seu domínio é totalmente incapaz de nos libertar do mal. Mesmo na cruz, mesmo na dor nós podemos escolher às mãos de quem confiar a nossa existência: se às mãos de reis ilusórios, que nos prometem uma vida de sucesso e de vitória, ou se ao verdadeiro rei, ao único que pode nos fazer esta promessa: “Ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43).
            Jesus é Rei porque o Pai lhe confiou o poder, o domínio salvífico sobre todo ser humano (cf. Jo 17,2), e somente ele pode nos reintroduzir no Paraíso; somente ele pode restabelecer a plena comunhão do homem com Deus, consigo mesmo, com seu semelhante e com a natureza. Assim também, só pode experimentar o Paraíso quem decide viver sob a autoridade de Jesus, quem aceita livremente submeter-se ao domínio do Espírito Santo, quem permite que o Pai o liberte do poder das trevas e o receba no reino de seu Filho amado, por quem temos a redenção, o perdão dos pecados (cf. Cl 1,13-14).
            Se hoje a Igreja nos convida a proclamar ao mundo todo que Jesus Cristo é Rei do universo é porque, por meio dele, Deus Pai quis “reconciliar consigo todos os seres, os que estão na terra e os que estão no céu, realizando a paz pelo sangue de sua cruz” (Cl 1,20). Portanto, todo ser humano pode encontrar em Jesus – e somente nele – a libertação do domínio do mal.    
            Termino esta reflexão compartilhando as palavras abaixo, retiradas do site dos dehonianos: “Em termos pessoais, a Festa de Cristo Rei convida-nos, também, a repensar a nossa existência e os nossos valores. Diante deste ‘rei’ despojado de tudo e pregado numa cruz, não nos parecem completamente ridículas as nossas pretensões de honras, de glórias, de títulos, de aplausos, de reconhecimentos? Diante deste ‘rei’ que dá a vida por amor, não nos parecem completamente sem sentido as nossas manias de grandeza, as lutas para conseguirmos mais poder, as invejas mesquinhas, as rivalidades que nos magoam e separam dos irmãos? Diante deste ‘rei’ que se dá sem guardar nada para si, não nos sentimos convidados a fazer da vida um dom?” (http://www.dehonianos.org/portal/).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

COMO ANDA O SEU CARÁTER?

Missa do 33º. dom. comum. Palavra de Deus: Malaquias 3,19-20a; 2Tessalonicenses 3,7-12; Lucas 21,5-19.

            Você sentiu algum terremoto na última quarta-feira? Pois é. Alguns meios de comunicação escolheram a expressão “terremoto político” para falar da eleição surpresa de Donald Trump, o novo presidente dos Estados Unidos, um “terremoto político” que “abalou o mundo todo”, segundo alguns comentadores. Será mesmo? Confesso a você que sinto raiva quando leio ou escuto esse tipo de comentário, atribuindo ao presidente dos Estados Unidos o poder de, ou salvar, ou destruir o mundo. Ele não tem esse poder. Nenhum homem tem esse poder. Os Estados Unidos não têm o poder que pretendem ter ou que seus subordinados ideológicos lhes atribuem de ‘messias’. Messias e Salvador da humanidade só existe um: Jesus Cristo.
            Quando Pilatos declarou a Jesus, na arrogância do seu poder, “Não sabes que eu tenho poder para te libertar e poder para te crucificar?”, Jesus lhe respondeu: “Não terias poder nenhum sobre mim, se não te fosse dado do alto” (Jo 19,10-11). Era como se Jesus tivesse dito: ‘Você, Pilatos, que se julga acima do bem e do mal, também está debaixo do poder de Deus, e a Ele você também um dia, como qualquer outro ser humano, prestará contas a respeito de como administrou o poder que te foi confiado’.
            No mundo em que vivemos, há muitas pessoas que se julgam poderosas, ou que são tratadas e paparicadas como tais. Até ontem, o Congresso Nacional era comandado por um homem considerado ‘grandemente poderoso’: Eduardo Cunha. Hoje este ‘poderoso’ se encontra atrás das grades (até que algum juiz, igualmente corrupto, ordene que ele seja solto). Ora, quem é Eduardo Cunha? Quem é Renan Calheiros, presidente do Senado, que tem onze processos contra ele no Supremo Tribunal Federal? Quem é Vladimir Putin, presidente da Rússia, reconhecido internacionalmente como assassino de um incontável número pessoas, um dos responsáveis diretos pela guerra na Síria? Quem é Donald Trump? Quem sou eu, que escrevo esta reflexão? Quem é você, que a lê neste momento? Todos nós somos “ca-dá-veres”, carnes dadas aos vermes, seres humanos mortais.
Tudo isso que escrevi acima é para nos situar diante dessas palavras de Jesus: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (Lc 21,6). Você admira as pessoas que a mídia considera “poderosas?” Você admira a sua beleza física, a sua saúde e o seu vigor sexual? Você admira seu carro novo, seu novo modelo de celular, sua mais nova aquisição? Você admira seu novo cargo na empresa ou na Igreja? Acorde pra vida! “Tudo será destruído”, porque todo o nosso poder, soberba e arrogância serão enterrados conosco, e seremos comidos pelos vermes (leia At 12,21-23); todos, sem exceção. Todos nós estamos debaixo do poder de Deus; todos nós estamos destinados a nos confrontar com o fogo do seu julgamento, com uma diferença: sobreviverão a esse fogo os que procuram ser pessoas justas, ao passo que serão destruídos e não restará nem raiz daqueles que se julgam fortes, poderosos e intocáveis, mas que são, aos olhos de Deus, apenas isso: palhas secas (cf. Ml 3,19-20a).
O fato é que Deus não trouxe você a esta igreja e não está lhe dirigindo a Palavra com o objetivo de ameaçar você. O que Deus está fazendo é um alerta, para que você não se engane em relação aos homens e não coloque a sua segurança e salvação em quem não tem poder para lhe oferecer nem uma coisa nem outra. Como nos ensina o Salmo 146, não deposite sua segurança nas pessoas consideradas fortes, importantes; elas não podem salvar, nem a você, nem a si mesmas. Quando o respiro lhes faltar, elas morrerão, e com elas os seus planos de poder (cf. Sl 146,3-4). Além do mais, lembre-se disso: se Deus permitiu a destruição de Jerusalém e do Templo, é porque Ele não está preso a nenhum lugar, a nenhuma igreja, a nenhuma religião, a nenhum sistema político, a nenhuma filosofia de vida e a nenhuma pessoa, seja ela quem for. Além do mais, Ele quer que você e eu, enquanto Igreja, nos coloquemos junto aos que não têm poder nem importância para a nossa sociedade, junto àqueles que, por causa do abuso de poder de alguns, são sistematicamente expostos ao sofrimento, à violência e à morte no mundo em que vivemos.    
Sim, o nosso mundo passa por mudanças climáticas, políticas, religiosas e culturais. Essas mudanças provocam em nós instabilidade, insegurança, ansiedade, medo, sentimento de ameaça, incertezas etc. Diante da realidade atual, você talvez pudesse cair na tentação de desejar ter vivido numa outra época, quando a realidade parecia bem mais simples, bem menos complicada do que está hoje. Mas, não se iluda, nem seja ingênuo; não fuja do seu compromisso como cristão. Este é o tempo em que Deus te chamou a viver. Como nos disse Jesus, “esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé” (Lc 21,13). Quanto mais as mudanças abalam nossas seguranças e parecem confundir os nossos valores, mais devemos procurar nos manter firmes na fé que professamos e na Palavra do nosso Deus que nos orienta, lembrando o que Jesus disse: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” (Lc 21,19).
  Se você ainda tem tempo e paciência para acompanhar esta reflexão, deixo-lhe um alerta do livro do Apocalipse: “(...) o Tempo está próximo. Que o injusto cometa ainda a injustiça e o sujo continue a sujar-se; que o justo pratique ainda a justiça e que o santo continue a santificar-se” (Ap 22,11). Isto significa que as perturbações dos últimos dias terão a tendência de fixar o caráter de cada indivíduo segundo os hábitos que ele já tenha formado. No momento do julgamento diante de Deus, a mudança do caráter será impossível e não haverá mais possibilidade conversão. Tudo, no mundo, permanecerá como está: o injusto que pratique o mal, e o santo que pratique o bem, pois o injusto não dará importância aos apelos de Deus contidos na Escritura, ao contrário do santo.

                                                                     Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

CRISTÃOS MUNDANOS OU EM PROCESSO DE SANTIFICAÇÃO?

Missa de todos os santos. Palavra de Deus: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1Jo 3,1-3; Mateus 5,1-12a.

            Hoje, dia de todos os Santos, é uma boa ocasião para nos darmos conta de que, nem o mundo em que vivemos, nem a igreja da qual participamos se divide unicamente em “santos” e “pecadores”. Graças ao Papa Francisco, nós pudemos nos dar conta de que, além dessas duas “categorias” de pessoas, existe uma terceira, cada vez mais comum: os “cristãos mundanos”. Vamos lembrar: a Sagrada Escritura define Deus como “Santo”, no sentido de “Sagrado”, “separado” do mundo. Por sua vez, o mundo – não enquanto humanidade, mas enquanto uma realidade que se opõe a Deus – é entendido como algo “profano”, oposto ao sagrado.
            A oposição entre “sagrado” e “profano” nos oferece alguns questionamentos: O que é “sagrado” para você? A família é algo sagrado? O casamento? A consciência? O corpo (seu e do outro)? O meio ambiente? A honestidade e o comportamento justo são valores sagrados para você? Se o contrário de “sagrado” é “profano”, o que está sendo profanado hoje em você ou à sua volta? Você ainda consegue perceber a linha divisória entre “sagrado” e “profano”, ou essas duas realidades já estão misturadas dentro de você? Ainda uma outra questão: Para Jesus, aquilo que é sagrado tem de ser protegido, defendido (cf. Mt 7,6). Você se preocupa em proteger/defender aquilo que considera sagrado em sua vida?
            Voltemos ao assunto do “mundanismo”. Na sua Exortação “A alegria do Evangelho”, o Papa Francisco enumera seis atitudes de “mundanismo” dentro da Igreja: 1) A pessoa usa da sua imagem religiosa e do seu (aparente) amor à Igreja para buscar a sua própria glória e o seu bem-estar pessoal (EG* 93). 2) A pessoa se sente superiora às outras por cumprir certas normas ou por ser fiel a um estilo católico próprio do passado (EG 94). 3) A pessoa exibe-se através da liturgia ou da realização de trabalhos sociais, mas não se preocupa que o Evangelho tenha uma real inserção na vida do povo e nas necessidades concretas da história, permanecendo distante dos que andam perdidos e das imensas multidões sedentas de Cristo (EG 95). 4) A pessoa vive opinando sobre “o que se deveria fazer” em termos de evangelização, mas mantém-se distante da realidade sofrida do povo, esquecendo-se de que a nossa história de Igreja é uma história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço (EG 96). 5) A pessoa vive escondida atrás de uma aparência religiosa, mas é vazia de Deus; chega até mesmo a viver uma vida corrupta, mascarada sob a aparência de ser uma pessoa boa (EG 97). 6) A pessoa alimenta dentro da Igreja várias formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, e desejo de impor as próprias ideias a todo o custo... E o Papa Francisco pergunta: “Quem queremos evangelizar com estes comportamentos?” (EG 100), o que equivale a perguntar também: Quem nós queremos evangelizar, sem nos preocuparmos em sermos santos, sem nos incomodarmos em sermos “cristãos mundanos”?
No que diz respeito à santidade dos seus discípulos de todos os tempos, Jesus fez a seguinte oração ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é verdade... Em favor deles eu me santifico, para que também eles sejam santificados na verdade” (Jo 17,17.19). A “Palavra de Deus” realiza tanto a separação do discípulo em relação ao mundo (cf. Jo 17,14a) quanto a sua santificação na verdade (cf. Jo 17,17b). Se os Santos são as pessoas que na terra têm/tiveram que lidar com grandes tribulações (cf. Ap 7,14), a única forma de estarmos em pé diante dessas tribulações é nos fortalecendo na “verdade”, que é a Palavra de Deus, nunca nos esquecendo de que o próprio Jesus se santificou por nós, pela maneira como Ele morreu na  cruz (cf. Hb 10,10).
“Em favor deles eu me santifico” (Jo 17,19a). Muito provavelmente você tem pessoas sob a sua responsabilidade na vida familiar, profissional ou consagrada a Deus. Você se esforça em se santificar para que essas pessoas também sejam santificadas? Uma vez que não há santificação sem sacrifício, sem luta, sem derramamento de muito suor, de muitas lágrimas e até mesmo do próprio sangue (cf. Hb 12,4), qual é a sua vontade de santificar-se em favor das pessoas que estão sob sua responsabilidade familiar, profissional ou de vida consagrada?
Santificar-se é um processo que dura a nossa vida toda e, justamente por isso, deve ser retomado a cada dia. E uma vez que o mundo em que vivemos promove sistematicamente a profanação de tantas coisas sagradas, devemos nos lembrar dessas palavras do Pe. Léo: “O cristão não pode ser uma folha que se joga em um rio e se deixa levar pela água. É preciso nadar contra a corrente”. Santificar-se significa não se permitir ser arrastado pela profanação promovida pelo mundo atual, mas deixar-se conduzir pelo Espírito Santo de Deus, ainda que o Espírito Santo nos obrigue muitas vezes a andar na contramão, a nadar contra a corrente. Por fim, consideremos essas palavras do Pe. Alfredo J. Gonçalves: “Antes de crescer para cima, a árvore necessita crescer para baixo. Depois de nutrir-se com os ingredientes que encontra no chão, então sim, estará pronta para elevar-se ao alto – forte, robusta e vigorosa”. Que cada um de nós procure enraizar a sua vida em Jesus Cristo, que se sacrificou no altar da cruz em favor da nossa santificação. Permitamos que Ele nos torne cristãos não mundanos...

*EG, abreviação de Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho)

Para a sua oração pessoal: Em santidade (Adoração e Vida)


Pe. Paulo Cezar Mazzi

CRISTÃOS MUNDANOS OU EM PROCESSO DE SANTIFICAÇÃO?

Missa de todos os santos. Palavra de Deus: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1Jo 3,1-3; Mateus 5,1-12a.

            Hoje, dia de todos os Santos, é uma boa ocasião para nos darmos conta de que, nem o mundo em que vivemos, nem a igreja da qual participamos se divide unicamente em “santos” e “pecadores”. Graças ao Papa Francisco, nós pudemos nos dar conta de que, além dessas duas “categorias” de pessoas, existe uma terceira, cada vez mais comum: os “cristãos mundanos”. Vamos lembrar: a Sagrada Escritura define Deus como “Santo”, no sentido de “Sagrado”, “separado” do mundo. Por sua vez, o mundo – não enquanto humanidade, mas enquanto uma realidade que se opõe a Deus – é entendido como algo “profano”, oposto ao sagrado.
            A oposição entre “sagrado” e “profano” nos oferece alguns questionamentos: O que é “sagrado” para você? A família é algo sagrado? O casamento? A consciência? O corpo (seu e do outro)? O meio ambiente? A honestidade e o comportamento justo são valores sagrados para você? Se o contrário de “sagrado” é “profano”, o que está sendo profanado hoje em você ou à sua volta? Você ainda consegue perceber a linha divisória entre “sagrado” e “profano”, ou essas duas realidades já estão misturadas dentro de você? Ainda uma outra questão: Para Jesus, aquilo que é sagrado tem de ser protegido, defendido (cf. Mt 7,6). Você se preocupa em proteger/defender aquilo que considera sagrado em sua vida?
            Voltemos ao assunto do “mundanismo”. Na sua Exortação “A alegria do Evangelho”, o Papa Francisco enumera seis atitudes de “mundanismo” dentro da Igreja: 1) A pessoa usa da sua imagem religiosa e do seu (aparente) amor à Igreja para buscar a sua própria glória e o seu bem-estar pessoal (EG* 93). 2) A pessoa se sente superiora às outras por cumprir certas normas ou por ser fiel a um estilo católico próprio do passado (EG 94). 3) A pessoa exibe-se através da liturgia ou da realização de trabalhos sociais, mas não se preocupa que o Evangelho tenha uma real inserção na vida do povo e nas necessidades concretas da história, permanecendo distante dos que andam perdidos e das imensas multidões sedentas de Cristo (EG 95). 4) A pessoa vive opinando sobre “o que se deveria fazer” em termos de evangelização, mas mantém-se distante da realidade sofrida do povo, esquecendo-se de que a nossa história de Igreja é uma história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço (EG 96). 5) A pessoa vive escondida atrás de uma aparência religiosa, mas é vazia de Deus; chega até mesmo a viver uma vida corrupta, mascarada sob a aparência de ser uma pessoa boa (EG 97). 6) A pessoa alimenta dentro da Igreja várias formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, e desejo de impor as próprias ideias a todo o custo... E o Papa Francisco pergunta: “Quem queremos evangelizar com estes comportamentos?” (EG 100), o que equivale a perguntar também: Quem nós queremos evangelizar, sem nos preocuparmos em sermos santos, sem nos incomodarmos em sermos “cristãos mundanos”?
No que diz respeito à santidade dos seus discípulos de todos os tempos, Jesus fez a seguinte oração ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é verdade... Em favor deles eu me santifico, para que também eles sejam santificados na verdade” (Jo 17,17.19). A “Palavra de Deus” realiza tanto a separação do discípulo em relação ao mundo (cf. Jo 17,14a) quanto a sua santificação na verdade (cf. Jo 14,17b). Se os Santos são as pessoas que na terra têm/tiveram que lidar com grandes tribulações (cf. Ap 7,14), a única forma de estarmos em pé diante dessas tribulações é nos fortalecendo na “verdade”, que é a Palavra de Deus, nunca nos esquecendo de que o próprio Jesus se santificou por nós, pela maneira como Ele morreu na  cruz (cf. Hb 10,10).
“Em favor deles eu me santifico” (Jo 17,19a). Muito provavelmente você tem pessoas sob a sua responsabilidade na vida familiar, profissional ou consagrada a Deus. Você se esforça em se santificar para que essas pessoas também sejam santificadas? Uma vez que não há santificação sem sacrifício, sem luta, sem derramamento de muito suor, de muitas lágrimas e até mesmo do próprio sangue (cf. Hb 12,4), qual é a sua vontade de santificar-se em favor das pessoas que estão sob sua responsabilidade familiar, profissional ou de vida consagrada?
Santificar-se é um processo que dura a nossa vida toda e, justamente por isso, deve ser retomado a cada dia. E uma vez que o mundo em que vivemos promove sistematicamente a profanação de tantas coisas sagradas, devemos nos lembrar dessas palavras do Pe. Léo: “O cristão não pode ser uma folha que se joga em um rio e se deixa levar pela água. É preciso nadar contra a corrente”. Santificar-se significa não se permitir ser arrastado pela profanação promovida pelo mundo atual, mas deixar-se conduzir pelo Espírito Santo de Deus, ainda que o Espírito Santo nos obrigue muitas vezes a andar na contramão, a nadar contra a corrente. Por fim, consideremos essas palavras do Pe. Alfredo J. Gonçalves: “Antes de crescer para cima, a árvore necessita crescer para baixo. Depois de nutrir-se com os ingredientes que encontra no chão, então sim, estará pronta para elevar-se ao alto – forte, robusta e vigorosa”. Que cada um de nós procure enraizar a sua vida em Jesus Cristo, que se sacrificou no altar da cruz em favor da nossa santificação. Permitamos que Ele nos torne cristãos não mundanos...

*EG, abreviação de Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho)

Para a sua oração pessoal: Em santidade (Adoração e Vida)


Pe. Paulo Cezar Mazzi