Me desculpe a pergunta acima. O que a despertou em mim foi um vídeo que
recebi pelo whatsapp, uma entrevista com o filósofo brasileiro
Mário Sérgio Cortella, onde ele analisa a atitude de um atleta espanhol, o qual
estava em segundo lugar numa corrida (em 2012). Aquele que estava em primeiro
se enganou com relação à linha de chegada e diminuiu a marcha antes da hora. O
que estava em segundo percebeu o engano dele e o avisou de que deveria
continuar correndo, o que acabou acontecendo e ele, então, ganhou a competição.
Quando o repórter questionou o segundo colocado sobre o porquê ele não
“aproveitou” a distração do que estava em primeiro para ultrapassá-lo, ele
disse que, além de a vitória não ser justa, ele não saberia como “explicar”
essa atitude “esperta” à sua mãe.
Cortella explicou, então, que a figura da mãe representa a vergonha. “Se
a pessoa que te trouxe ao mundo ficar com vergonha de ter te parido, é porque
você não presta. Não presta pra quê? Pra conviver, pra estar junto, pra ser
gestor público ou privado, pra ser professor, pra ser marido ou esposa, pra ser
amigo ou amiga”, explicou o filósofo.
Vivemos tempos difíceis, onde muitos não sentem mais vergonha. Não
sentem vergonha de mentir, roubar, trapacear; não sentem vergonha de se
enriquecerem de maneira ilegal, de corromperem e serem corrompidos; não sentem
vergonha em trair, adulterar, ser infiel; não sentem vergonha em serem uma
pessoa dentro da igreja e outra fora; não sentem vergonha em não sustentarem
hoje o que disseram ontem; não sentem vergonha em serem parasitas, vivendo
sempre à custa dos outros etc.
Talvez você pergunte: mas, o que é “vergonha”? Na entrevista, Cortella
lembra uma frase de um outro filósofo, chamado Immanuel Kant: “Tudo o que não
puder contar como fez, não faça!”. Esse é um princípio que vale para toda e
qualquer pessoa, em toda e qualquer situação, em toda e qualquer área da vida.
Se eu sentir vergonha em contar para alguém como eu fiz aquilo, significa que
aquilo não é moralmente bom, nem justo.
Estamos ouvindo cada vez mais pessoas dizendo: “Os outros que se
danem!”. Cada vez mais pessoas estão deixando de lado a vergonha, a honestidade
e a fidelidade porque querem tirar proveito de alguma situação. Cada vez mais
nós estamos convivendo com gente que não presta: não presta pra ser mãe, nem
pai; não presta pra ser político, nem funcionário público; não presta pra ser
médico, nem pedreiro, nem lixeiro; não presta para ser padre, nem pastor, nem
cristão...
Mas, não nos enganemos. Ainda existe gente que presta. Ainda existe
gente que sente vergonha. Quem sabe você seja uma dessas pessoas. Quem sabe
você ainda não tenha perdido de tudo a vergonha. Quem sabe você tenha decidido
não jogar a sua honestidade no lixo com a desculpa de que ninguém mais é
honesto hoje em dia. Quem sabe você tenha decidido continuar a ser justo, mesmo
que ao seu lado ninguém mais se preocupe em sê-lo. Se você ainda é capaz de sentir
vergonha significa que você ainda presta. Preserve isso. Preserve sua vergonha.
Pe. Paulo Cezar Mazzi