sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O PRIMEIRO EM QUE?

Missa do 25º. dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 2,12.17-20; Tiago 3,16 – 4,3; Marcos 9,30-37.

Quem de nós não se emocionou com a foto de Aylam Kurdi, um menino sírio de três anos, cujo corpo encontrado na praia se tornou símbolo da crise imigratória no mundo? Quem de nós não sentiu o desejo de fazer com ele o que Jesus acabou de fazer diante dos discípulos: pegar uma criança, colocá-la no meio deles e abraçá-la?  
            Abraçar uma criança pode não ser difícil para nós, mas o problema é o que a criança significava na cultura em que Jesus vivia. Ela não era nada. Era ignorada, desprezada, não levada em conta. Você abraçaria alguém que, aos olhos do mundo atual, nada vale? Até que ponto nós também já não nos acostumamos a ignorar, desprezar e não levar em conta tantas pessoas que cruzam o nosso caminho, se é que as enxergamos?
O que levou Jesus a colocar no meio dos discípulos uma pessoa “insignificante” aos olhos da sociedade do seu tempo e abraçá-la? Tudo começou com uma rejeição: os discípulos não quiseram se tornar conscientes do sofrimento pelo qual Jesus iria ter que passar (v.31). Além de não quererem entender o que Jesus disse e de ficarem com medo de perguntar – justamente por medo de se tornarem conscientes de tal sofrimento –, os discípulos mudaram de assunto e passaram a conversar sobre algo que realmente os preocupava e que importava para eles: ‘Quem de nós é o maior, o mais importante, o primeiro?’
Quem é o ‘maior’ na sua empresa ou na sua sala? Quem é o ‘maior’ na classe do seu filho? Quem é ‘maior’ na cidade? Quem é o ‘maior’ em nossa Paróquia ou Diocese? Bom, mas por que essa preocupação com “quem é o maior”? Deixemos que o apóstolo Tiago responda: “Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens... De onde vêm as guerras? De onde vêm as brigas entre vós? Não vêm, justamente, das paixões que estão em conflito dentro de vós?” (3,16; 4,1).
A preocupação em querer ser o maior é fruto de algo muito mal resolvido dentro de nós e que se chama ‘sentimento de inferioridade’. Quanto mais eu me sinto inferior – e se eu me sinto inferior é porque estou me comparando com os outros, os quais eu considero ‘superiores’ a mim – mais eu preciso compensar esse sentimento buscando formas de me sentir superior. Dessa forma, nós nos afastamos da nossa criança interior – da simplicidade, da bondade e da espontaneidade – e passamos a viver atormentados por uma única preocupação: eu preciso me destacar; se não for pela inteligência, que seja pela esperteza; se não for pelo corpo, que seja pelo modelo do carro; se não for pelo trabalho, que seja pelo dinheiro etc.
O resultado disso é uma sociedade doente, um ambiente de trabalho doente, uma Igreja doente, porque nós estamos doentes. Existe cura para essa doença chamada ‘mania de grandeza’? Se você quiser se livrar dessa preocupação inútil em querer ser o maior, faça uma visita ao Hospital do Câncer de Barretos, sobretudo na ala infantil. Quando você vir a quantidade de crianças com câncer e os diversos tipos de câncer que existem, se dará conta do quanto é inútil a maioria das suas preocupações e do quanto você tem muito mais do que precisa pra viver e ser feliz.
Nós, padres, também precisamos desse ‘choque terapêutico’, nós que vivemos atormentados em sermos os maiores: Quem atrai mais multidões? Quem tem mais “amigos” ou “seguidores” no Face? Quem tem o Dízimo mais alto da Diocese? Quem faz a melhor homilia? Quem brilha mais aos olhos do bispo? (E a preocupação inconfessável em muitos: Quem será o próximo a “sair” como bispo?) Nós também somos doentes, assim como também somos em boa parte responsáveis pelas “desordens” em nossa Igreja. Nós sabemos muito bem o quanto de inveja e rivalidade existem entre nós.
Ao abraçar uma pessoa “insignificante” para a sociedade de seu tempo, Jesus deixou claro que o mais importante aos olhos de Deus – e que deve ser visto como o mais importante para o nosso cuidado pastoral – é o mais fraco, o mais rejeitado, o mais exposto à violência ou à dor no mundo atual. O abraço de Jesus nesta criança nos lembra uma pergunta: “Você já abraçou seu filho hoje?” Poderíamos desdobrá-la em outras perguntas: Você já abraçou a sua criança interior hoje? Você já abraçou a sua fraqueza, a sua ferida, o seu sentimento de inferioridade hoje? Você já abraçou um ‘estranho’ hoje, aquele para quem ninguém liga?
Dois pequenos lembretes: 1) O descaso com os “pequenos” da sociedade se volta contra nós em forma de violência. 2) Muito bom que seu filho seja o “primeiro” da classe. Mas ele também é o “primeiro” a ser justo, a se preocupar com o próximo, a ser honesto, a não mentir, a cuidar do meio ambiente, a ajudar os que estão à sua volta? 

Pe. Paulo Cezar Mazzi


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