quinta-feira, 28 de maio de 2015

DA CARICATURA PARA A IMAGEM

Missa da Santíssima Trindade. Palavra de Deus: Deuteronômio 4,32-34.39-40; Romanos 8,14-17; Mateus 28,16-20.

            O que é uma caricatura? É uma imagem ambígua: ao mesmo tempo em que ela se parece com a pessoa que representa, também traz consigo deformações e imperfeições, feitas propositalmente. A caricatura é, por assim dizer, a imagem deformada de uma pessoa. Ela se parece com a pessoa, mas a pessoa representada na caricatura não tem aquelas deformações.
            No mundo atual existem muitas caricaturas de Deus: religiosas, políticas, econômicas, tecnológicas etc. No campo da religião, a caricatura mais assustadora de Deus é o fanatismo religioso. Por causa dele, alguns matam “em nome de Deus”. Na verdade, matam em nome da caricatura de Deus que carregam dentro de si. O campo político e econômico se encontram quase sempre ajoelhados diante da mesma deformação de Deus: o “poder econômico”. Para esses adoradores do ídolo dinheiro, o bolso tomou o lugar da consciência. Enfim, no campo tecnológico encontramos uma caricatura de Deus chamada “poder infinito”, o qual nos remete sempre ao futuro, a uma suposta vida sem doenças, sem dor, sem sofrimento. Enquanto esse futuro não chega, a tecnologia nos mantém distraídos e/ou hipnotizados com seus “brinquedinhos”, os quais nos oferecem infinitas caricaturas de Deus.
            O Deus vivo e verdadeiro Se revelou a Israel unicamente através da Sua voz, falando-lhe do meio do fogo (cf. Dt 4,33), fogo que, embora transmita vida, calor e luz, não pode ser tocado pelo ser humano. Este fogo, que não podemos tocar, precisa tocar e consumir todas as caricaturas de Deus que existem dentro e fora de nós, para que possamos reconhecer a gravar no coração a verdadeira imagem do Deus vivo, do Deus que, sendo invisível, se tornou visível a nós na pessoa de seu Filho Jesus Cristo (cf. Cl 1,15), do Deus cujo amor “foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).
Se o Filho e o Espírito Santo procedem do coração do mesmo Deus, isso significa que o Pai não é solidão, mas comunhão e, por ser comunhão, Ele mesmo disse, depois de ter criado o homem sobre a terra: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 1,18). Apesar de toda dificuldade que possa haver nos relacionamentos, não é bom que o ser humano se isole, que se feche em si mesmo, que se torne indiferente àquele que é sua própria carne (cf. Is 58,7). Também não é bom que deixemos pessoas na solidão. Uma das coisas que favorece o mal de Alzheimer é deixar a pessoa sozinha, sem ninguém para conviver e conversar...
            Porque fomos criados à imagem e semelhança do nosso Deus (cf. Gn 1,26-27), precisamos nos perguntar se hoje ainda mantemos a imagem de Deus em nós ou se nos tornamos apenas Sua caricatura. Ser imagem de Deus significa enxergar o outro como alguém certamente diferente de nós, mas que se encontra em nosso caminho de vida para nos ensinar alguma coisa. Neste sentido, nossos atritos com as pessoas também têm um lado positivo: aparar as nossas arestas e alisar as nossas asperezas. Ainda que o individualismo tenha se tornado a “palavra de ordem” para a sobrevivência no mundo atual, precisamos nos perguntar: “Se Deus é nosso Pai, quem é que não é nosso irmão?” (Cantores de Deus, Direito de viver). 
              O mistério da Santíssima Trindade nos ensina que nosso Deus é o único e verdadeiro Deus, mas um Deus que se revelou ao ser humano como Pai criador, como Filho redentor e como Espírito santificador. Em meio às provações e aos combates da vida do dia a dia, devemos reconhecer e gravar no coração “que o Senhor é o Deus lá em cima no céu e cá embaixo na terra e que não há outro além dele” (Dt 4,39). Isso significa que o amor que une as três pessoas da Santíssima Trindade é o mesmo amor que se inclina sobre a terra para recriar, salvar e santificar o ser humano.
            Nossa tarefa como cristãos e como imagens vivas do Deus uno e trino consiste em duas coisas: nos deixar conduzir pelo Espírito de Deus (cf. Rm 8,14), para que o Pai e o Filho possam habitar em nós, e fazer com que, pelo anúncio do Evangelho, todas as pessoas que encontrarmos desejem se tornar discípulas de Jesus Cristo, mergulhando sua vida na comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo (cf. Mt 28,20). 

                                                    Pe. Paulo Cezar Mazzi

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