Missa
do 22º. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,19-21.30-31; Hebreus
12,18-19.22-24a.; Lucas 14,1.7-14.
No Evangelho de domingo passado,
havíamos tomado consciência de que a porta do Reino dos Céus, a porta que nos
dá acesso a Deus, é estreita, no sentido de que ela exige de nós um
comportamento justo, um coração justo. No Evangelho de hoje, descobrimos um
outro detalhe dessa porta que nos dá acesso a Deus e à sua graça: ela é
pequena, baixa, e só quando nos tornamos pequenos, humildes, é que conseguimos
entrar nela.
Há uma afirmação muito séria a
respeito da humildade na 1ª. carta de São Pedro: “Revistam-se de humildade em
suas relações mútuas, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos
humildes” (1Pd 5,5). Uma pessoa orgulhosa, soberba, não tem como receber em si
a graça de Deus porque num copo cheio não cabe mais nada. Em outras palavras,
numa pessoa cheia de si não há lugar para Deus. Daí o conselho bíblico: “Na
medida em que fores grande, deverás praticar a humildade, e assim encontrarás
graça diante do Senhor” (Eclo 3,20).
Ao nos convidar a praticar a
humildade, a Palavra de Deus não está nos dizendo que devemos ficar nos
rebaixando o tempo todo para as pessoas e permitindo que elas pisem em nós. Humildade
é, antes de mais nada, uma questão de saúde de alma. O texto do Eclesiástico
acabou de afirmar que o orgulho nos faz mal, nos adoece (cf. Eclo 3,30). Humildade é tomar consciência de si: da sua
força, mas também da sua fraqueza; das suas potencialidades, mas também dos seus
limites. A humildade exige que você pare de se rejeitar por não ser a pessoa
que gostaria de ser e aprenda a se acolher pela pessoa que você é.
“Jesus notou como os convidados
escolhiam os primeiros lugares” (Lc 14,7). A questão não é em que lugar você se
senta, mas com que intenção se senta ali. Uma pessoa pode, por exemplo, se
sentar nos últimos lugares de uma igreja não por ser humilde, mas para ficar
mais à vontade para bater papo com quem está ao lado ou para ficar enviando e
recebendo mensagens pelo celular sem ser muito notada.
Quando o Evangelho se refere à
escolha dos primeiros lugares, está falando de algo muito comum em nossa época:
a cultura da visibilidade. Porque a nossa geração é uma geração narcisista, e
porque Narciso precisa ser visto e admirado pelos outros, o nosso maior medo é
que as pessoas não nos percebam, não nos reconheçam – em uma palavra, que elas
nos ignorem. Desse modo, aquilo que poderia ser funcional, como morar numa
casa, ter um carro, vestir-se, alimentar-se, passa a ser um meio de projeção social.
Pessoas se endividam, se atormentam e se consomem de inveja, numa disputa
inútil e doentia para ver quem se projeta mais, quem aparece mais...
Todo palco tem os seus bastidores. Nos bastidores do palco do narcisismo,
geralmente você encontra muita tristeza, solidão e vazio. A pessoa tem uma
casa e um carro invejáveis, se veste de forma impecável, frequenta os melhores
lugares, saboreia comidas e bebidas requintadas, mas tem um vazio na sua alma
que nada preenche: ela não se sente amada
de verdade por ninguém. Na verdade, nem ela se ama, porque não ama a sua
verdade como pessoa.
Porque Jesus conhece o ser humano
por dentro, propõe no seu Evangelho o remédio da humildade para curar as
feridas que o orgulho costuma abrir em nós e em nossa sociedade. Além da humildade,
Jesus nos propõe a gratuidade: “Quando deres um almoço ou um jantar,... convida
os pobres... porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na
ressurreição dos justos” (Lc 14,12-14). Deus é gratuito, e se queremos experimentar
a alegria de viver como filhos de Deus, precisamos aprender a ser gratuitos nos
nossos relacionamentos, lembrando que “Há mais felicidade em dar do que em
receber” (At 20,35).
Na Igreja, existem serviços por meio dos
quais você pode exercitar a humildade e a gratuidade: o serviço anônimo e
silencioso da Pastoral da Saúde, visitando pessoas idosas, solitárias, para rezar
com elas e também ouvi-las; o serviço dos Vicentinos, visitando e socorrendo famílias
carentes; o serviço do Setor Família, evangelizando famílias na periferia da
Paróquia, e tantos outros serviços que, por falta de espaço, não são citados
aqui. A ação pastoral e social da Igreja é um trabalho normalmente não divulgado,
não valorizado, nem reconhecido pelos meios de comunicação social, e por isso
mesmo, vivido na humildade e na gratuidade.
Uma
palavra final. Por mais contraditório que isso pareça, a humildade produz espontaneamente
aquilo que o orgulho e o narcisismo não conseguem obter de maneira forçada e
artificial: a admiração, o encanto. Não é verdade que o mundo admira e se
encanta cada vez mais com o Papa Francisco*, devido à sua humildade e
simplicidade? Quando ele esteve no Brasil, numa conversa privada com os Bispos,
disse-lhes que eles sejam “homens que não tenham psicologia de príncipes”. Hoje
em dia, não são só alguns bispos e alguns padres que têm “psicologia de
príncipes”, que gostam de ser tratados como tais. Atualmente é muito comum ver
pais que tratam seus filhos como “príncipes”: se comportam como servos dos
filhos, fazendo todas as suas vontades. Quando esses filhos crescerem, se
tornarão pessoas difíceis de se conviver, porque se acharão o centro do mundo.
Neste sentido, vale a pena assistir (ou rever) o desenho “A nova onda do
imperador” (Walt Disney, 2000), um divertido alerta sobre o quanto a
“psicologia de príncipes” nos faz passar muitas vezes por pessoas ridículas e
que precisam “cair de quatro” muitas vezes, até reencontrar o caminho da
humildade.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
* Elton John disse que "o Papa
Francisco é para a Igreja Católica a melhor notícia dos últimos vários séculos.
Este homem, sozinho, foi capaz de reaproximar as pessoas dos ensinamentos de
Cristo (...) Os não católicos, como eu, se levantam para aplaudir de pé a
humildade de cada um dos seus gestos", porque "Francisco é um milagre
da humildade na era da vaidade".