sexta-feira, 30 de agosto de 2013

HUMILDADE: ACOLHER-SE COMO SE É

Missa do 22º. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,19-21.30-31; Hebreus 12,18-19.22-24a.; Lucas 14,1.7-14.      

     No Evangelho de domingo passado, havíamos tomado consciência de que a porta do Reino dos Céus, a porta que nos dá acesso a Deus, é estreita, no sentido de que ela exige de nós um comportamento justo, um coração justo. No Evangelho de hoje, descobrimos um outro detalhe dessa porta que nos dá acesso a Deus e à sua graça: ela é pequena, baixa, e só quando nos tornamos pequenos, humildes, é que conseguimos entrar nela.
           Há uma afirmação muito séria a respeito da humildade na 1ª. carta de São Pedro: “Revistam-se de humildade em suas relações mútuas, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes” (1Pd 5,5). Uma pessoa orgulhosa, soberba, não tem como receber em si a graça de Deus porque num copo cheio não cabe mais nada. Em outras palavras, numa pessoa cheia de si não há lugar para Deus. Daí o conselho bíblico: “Na medida em que fores grande, deverás praticar a humildade, e assim encontrarás graça diante do Senhor” (Eclo 3,20).
            Ao nos convidar a praticar a humildade, a Palavra de Deus não está nos dizendo que devemos ficar nos rebaixando o tempo todo para as pessoas e permitindo que elas pisem em nós. Humildade é, antes de mais nada, uma questão de saúde de alma. O texto do Eclesiástico acabou de afirmar que o orgulho nos faz mal, nos adoece (cf. Eclo 3,30). Humildade é tomar consciência de si: da sua força, mas também da sua fraqueza; das suas potencialidades, mas também dos seus limites. A humildade exige que você pare de se rejeitar por não ser a pessoa que gostaria de ser e aprenda a se acolher pela pessoa que você é.  
        “Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares” (Lc 14,7). A questão não é em que lugar você se senta, mas com que intenção se senta ali. Uma pessoa pode, por exemplo, se sentar nos últimos lugares de uma igreja não por ser humilde, mas para ficar mais à vontade para bater papo com quem está ao lado ou para ficar enviando e recebendo mensagens pelo celular sem ser muito notada.
         Quando o Evangelho se refere à escolha dos primeiros lugares, está falando de algo muito comum em nossa época: a cultura da visibilidade. Porque a nossa geração é uma geração narcisista, e porque Narciso precisa ser visto e admirado pelos outros, o nosso maior medo é que as pessoas não nos percebam, não nos reconheçam – em uma palavra, que elas nos ignorem. Desse modo, aquilo que poderia ser funcional, como morar numa casa, ter um carro, vestir-se, alimentar-se, passa a ser um meio de projeção social. Pessoas se endividam, se atormentam e se consomem de inveja, numa disputa inútil e doentia para ver quem se projeta mais, quem aparece mais...
            Todo palco tem os seus bastidores. Nos bastidores do palco do narcisismo, geralmente você encontra muita tristeza, solidão e vazio. A pessoa tem uma casa e um carro invejáveis, se veste de forma impecável, frequenta os melhores lugares, saboreia comidas e bebidas requintadas, mas tem um vazio na sua alma que nada preenche: ela não se sente amada de verdade por ninguém. Na verdade, nem ela se ama, porque não ama a sua verdade como pessoa.      
            Porque Jesus conhece o ser humano por dentro, propõe no seu Evangelho o remédio da humildade para curar as feridas que o orgulho costuma abrir em nós e em nossa sociedade. Além da humildade, Jesus nos propõe a gratuidade: “Quando deres um almoço ou um jantar,... convida os pobres... porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (Lc 14,12-14). Deus é gratuito, e se queremos experimentar a alegria de viver como filhos de Deus, precisamos aprender a ser gratuitos nos nossos relacionamentos, lembrando que “Há mais felicidade em dar do que em receber” (At 20,35).
  Na Igreja, existem serviços por meio dos quais você pode exercitar a humildade e a gratuidade: o serviço anônimo e silencioso da Pastoral da Saúde, visitando pessoas idosas, solitárias, para rezar com elas e também ouvi-las; o serviço dos Vicentinos, visitando e socorrendo famílias carentes; o serviço do Setor Família, evangelizando famílias na periferia da Paróquia, e tantos outros serviços que, por falta de espaço, não são citados aqui. A ação pastoral e social da Igreja é um trabalho normalmente não divulgado, não valorizado, nem reconhecido pelos meios de comunicação social, e por isso mesmo, vivido na humildade e na gratuidade.  
          Uma palavra final. Por mais contraditório que isso pareça, a humildade produz espontaneamente aquilo que o orgulho e o narcisismo não conseguem obter de maneira forçada e artificial: a admiração, o encanto. Não é verdade que o mundo admira e se encanta cada vez mais com o Papa Francisco*, devido à sua humildade e simplicidade? Quando ele esteve no Brasil, numa conversa privada com os Bispos, disse-lhes que eles sejam “homens que não tenham psicologia de príncipes”. Hoje em dia, não são só alguns bispos e alguns padres que têm “psicologia de príncipes”, que gostam de ser tratados como tais. Atualmente é muito comum ver pais que tratam seus filhos como “príncipes”: se comportam como servos dos filhos, fazendo todas as suas vontades. Quando esses filhos crescerem, se tornarão pessoas difíceis de se conviver, porque se acharão o centro do mundo. Neste sentido, vale a pena assistir (ou rever) o desenho “A nova onda do imperador” (Walt Disney, 2000), um divertido alerta sobre o quanto a “psicologia de príncipes” nos faz passar muitas vezes por pessoas ridículas e que precisam “cair de quatro” muitas vezes, até reencontrar o caminho da humildade. 

                                                           Pe. Paulo Cezar Mazzi  


* Elton John disse que "o Papa Francisco é para a Igreja Católica a melhor notícia dos últimos vários séculos. Este homem, sozinho, foi capaz de reaproximar as pessoas dos ensinamentos de Cristo (...) Os não católicos, como eu, se levantam para aplaudir de pé a humildade de cada um dos seus gestos", porque "Francisco é um milagre da humildade na era da vaidade".

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

ABERTA, MAS ESTREITA; ESTREITA, MAS ABERTA

Missa do 21º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 66,18-21; Hebreus 12,5-7.11-13; Lucas 13,22-30.

        Porta significa acesso. Quando uma pessoa está desempregada, diz: “As portas estão fechadas para mim”. Quando queremos animar uma pessoa, dizemos: “Uma porta se fechou para você, mas outra se abrirá!” Jesus declara no livro do Apocalipse: “Eis que pus à tua frente uma porta aberta que ninguém poderá fechar, pois tens pouca força, mas guardaste minha palavra e não renegaste meu nome” (Ap 3,8). Jesus é a verdadeira e única porta que nos dá acesso ao Pai: “Por meio dele, nós, judeus e pagãos (isto é, todas as pessoas), num só Espírito, temos acesso ao Pai” (Ef 2,18).
       Jesus usou a imagem da porta para responder à pergunta que alguém lhe fez: “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?” (Lc 13,23), ao que Jesus respondeu: “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (Lc 13,24). Se não queremos ter uma ideia errada do que significa a “porta estreita”, devemos levar em conta a afirmação bíblica que diz que Deus “quer que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). Isso é comprovado na leitura que ouvimos do profeta Isaías, quando Deus declara: “Virei para reunir todos os povos e línguas; eles virão e verão minha glória” (Is 66,18), e também no final do Evangelho, quando Jesus diz: “Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus” (Lc 13,29).
A porta que dá acesso ao Pai, que dá acesso à salvação, foi aberta por Jesus e ninguém poderá fechá-la. Porém, qualquer pessoa pode não querer entrar por ela. Por qual motivo? Porque ela é estreita. Estreita em que sentido? Porque ela é a porta da justiça: “Afastai-vos de mim, todos vós, que praticais a injustiça!” (Lc 13,27). Não são poucas as pessoas de diferentes igrejas e religiões que se colocam como guardiãs da porta do Reino de Deus, julgando os outros e determinando quem vai ser salvo e quem vai ser condenado. Jesus deixa claro que, independente da religião, devemos ser pessoas justas e trabalhar em favor da justiça. Como afirmou o Papa Francisco, “que todos trabalhemos pelos outros... segundo os valores da sua (própria) fé. Primeiro, trabalhar pelos outros; depois, conversar entre nós (sobre nossas diferenças religiosas)... Acredito que as religiões não podem dormir tranquilas enquanto exista uma única criança que morra de fome, uma só criança sem educação, um só jovem ou idoso sem atendimento médico”.
“Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita” (Lc 13,24), disse Jesus. A porta estreita é o confronto consigo mesmo, o enfrentar os próprios sentimentos, o assumir a responsabilidade pela sua vida e parar de culpar os outros pela sua infelicidade. A porta estreita é o saber colocar limites para si mesmo, exercitar o autodomínio, lidar consigo como adulto e não como criança mimada. A porta estreita é o aprender a lidar com as frustrações, o aprender a conviver com as perguntas até que cheguem as respostas. A porta estreita é o suportar as demoras de Deus, o colocar-se na presença d’Ele com humildade, sem querer impor-Lhe a maneira como Ele deve agir para com você. A porta estreita é aceitar ser educado(a), repreendido(a), corrigido(a) pelo Senhor, sabendo que a dor dessa correção é sofrida, mas necessária para formar o seu coração na justiça (cf. Hb 12,5-7.11).  
A imagem de Deus como um Pai que corrige, repreende e educa seus filhos e filhas para formá-los na justiça contrasta com a atitude de muitos pais hoje que não corrigem, não repreendem e não se preocupam em formar seus filhos na justiça, mas em servir aos seus caprichos e proporcionar-lhes um constante bem-estar. O resultado já está sendo visto: personalidades fracas – crianças, adolescentes e jovens incapazes de lidar com frustrações; adultos infantilizados – caricaturas de cristãos, pessoas que escolhem passar longe de qualquer porta estreita porque rejeitam tudo aquilo que exige delas algum tipo de esforço, renúncia ou sacrifício.
O Evangelho termina com um alerta: “Há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos” (Lc 13,30). Muitos que hoje decidiram viver segundo a justiça talvez amanhã desistam dela, enquanto outros que hoje rejeitam o caminho da justiça amanhã decidam andar por ele. Jesus nos ensina que a decisão de entrar pela porta estreita é algo a ser tomado todos os dias. Portanto, “firmai as mãos cansadas e os joelhos enfraquecidos; acertai os passos dos vossos pés, para que não se extravie o que é manco, mas antes seja curado” (Hb 12,12-13).  
                                               Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

DO MURO DO ISOLAMENTO PARA A PONTE DA REAPROXIMAÇÃO

Missa da Assunção de Nossa Senhora. Palavra de Deus: Apocalipse 11,19a; 12,1.3-6a.10ab; 1Coríntios 15,20-27a; Lucas 1,39-56.

            Hoje, em todo o Brasil, se encerra a Semana Nacional da Família. Toda família nasce de um encontro marcado pelo amor. Mesmo que nem sempre se trate de um amor maduro, responsável, que ama até o fim, o fato é que toda família começa assim: um homem ama uma mulher, uma mulher ama um homem, e os dois dão início a uma família.
Para muitas famílias, porém, o encontro se transformou em desencontro, o amor se transformou em desamor. Enquanto uns, apesar disso, decidiram se manter juntos como família, outros, assim que deixaram de sentir felizes, decidiram romper o vínculo e tentar a felicidade de outra forma. No entanto, todos têm uma família na origem da sua existência e é por ela que nós rezamos hoje.
Nesta festa da Assunção, da elevação de Maria em corpo e alma ao céu, nossa família é convidada a olhar para aquilo que Deus fez em Maria e professar a nossa fé no Seu amor salvífico em favor de toda família. Desse modo, o livro do Apocalipse nos coloca diante de dois sinais: uma mulher, revestida de sol, grávida, e um Dragão, cor de fogo, pronto para devorar seu Filho, logo que nascesse. Qual sinal nos fala mais? Com qual sinal se identifica a nossa família?
Ao citar a tendência que os meios de comunicação têm de disseminarem as notícias sobre os escândalos e de ignorarem as notícias sobre a santidade de pessoas que constroem a Igreja, o Papa Francisco lembrava que uma árvore que cai faz mais barulho e chama mais a atenção do que um bosque que cresce silenciosamente. Nós estamos tão habituados com as notícias de desestruturação da família que acabamos por desacreditar que vale a pena trabalhar em favor da família.
Para muitos de nós, o sinal do Dragão fala mais alto do que o sinal da mulher grávida. Não há dúvida que, assim como a mulher do Apocalipse, a nossa família é perseguida pelo Dragão que hoje vem a nós na forma de violência, doença, desemprego, drogas, infidelidade, mal uso da televisão e da internet, descuido com o diálogo entre o casal e entre pais e filhos etc. Nos esquecemos, ou quem sabe deixamos de acreditar, que Deus ama a nossa família e pode intervir em favor dela, se nos abrirmos à sua Palavra, se nos deixarmos guiar pelo seu Espírito. Esse Dragão pode ser vencido por Deus, e para tanto, nossa família precisa diariamente se refugiar em Deus.
O encontro de Maria com Isabel também tem algo de importante a comunicar à nossa família. Aquela que proclamamos hoje como Assunta, elevada em corpo e alma ao céu, sempre soube subir as estradas da vida para ajudar quem precisava. Sempre que, a exemplo de Maria, encontramos um tempo para servir, para trabalhar em favor das pessoas, das famílias, estamos nos elevando ao céu, estamos mais perto de Deus. Além disso, a presença e a saudação de Maria fizeram com que Isabel e sua casa ficassem cheias do Espírito Santo, de modo que a criança pulasse de alegria no ventre de Isabel.
O ventre de muitas famílias está habitado pela tristeza, pela solidão, pelo abandono e pelo isolamento. As nossas famílias se isolam não somente umas das outras; também se isolam dentro de casa: raramente ou nunca se senta junta para almoçar ou jantar, e – fenômeno sempre mais crescente – cada um se isola no seu quarto, diante do seu computador. O motivo é um só: evitar o necessário diálogo, o confronto com os próprios sentimentos. O preço que se paga com esse isolamento costuma ser bastante alto: ansiolíticos e anti-depressivos, bebida e drogas, e, em alguns casos, suicídio.   
O Evangelho convida cada um de nós a levar a presença de Deus, sua Palavra, seu amor, seu Espírito a alguma casa, a alguém, para que a alegria volte a habitar naquela casa, naquele coração. A saudação de Maria nos convida a converter os muros que construímos, para nos isolar das pessoas, em pontes que nos reaproximem delas. O que estamos comunicando às pessoas com nossas palavras e atitudes está fazendo com que elas sintam a presença do Espírito Santo em nós?  
“Feliz aquela que acreditou,   porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu” (Lc 1,45). O que o Senhor promete à nossa família hoje? Sua Palavra nos diz que “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram... Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão” (1Cor 15,20.22). Pela fé em Jesus Cristo, nossa família está destinada à ressurreição. Toda semente de fidelidade, de amor, de sacrifício em favor da nossa família não ficará sem germinar. Mesmo que sintamos a ameaça do Dragão que ronda a nossa casa, devemos prosseguir confiantes, na certeza do socorro de Deus em nosso favor e na vitória de Jesus Cristo em favor da família humana, pois, “é preciso que ele reine até que todos os seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Cor 15,25-26). 
Unidos a Maria, mãe da fé, que a nossa família se alegre em Deus, nosso Salvador, na certeza de que o Todo-poderoso sempre olhará para a nossa pequenez e fará grandes coisas em nosso favor, demonstrando a força de Seu braço na vida de toda família que crê. 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

ONDE ESTÁ SEU CORAÇÃO?

Missa do 19º. dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 18,6-9; Hebreus 11,1-2.8-12; Lucas 12,32-48.

       “Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12,34). Biblicamente falando, o coração representa o centro de cada um de nós, o eixo em torno do qual nos movemos na vida, aquilo que para nós enche a vida de sentido. Onde está o seu coração, neste momento? Hoje é o dia dos pais. Onde está o coração o seu coração de pai? Onde está o coração dos pais hoje em dia? Hoje iniciamos a Semana da Família. Onde está o coração da nossa família? Quem ou o quê está sendo o tesouro, o coração da nossa casa?
        O livro da Sabedoria fala do coração dos nossos pais na fé, os homens e as mulheres do Antigo Testamento que guardavam no coração uma promessa: a promessa que seriam libertos por Deus da escravidão do Egito. “Sabendo a que juramento tinham dado crédito, se conservassem intrépidos” (Sb 18,6). Quando o seu coração não guarda dentro dele nenhuma promessa de Deus, quando ele segue pela vida desconhecendo as promessas de libertação e de salvação de Deus para todo aquele que crê, você não tem como se conservar intrépido, isto é, você é facilmente derrubado pelo medo, pelo desânimo, pela falta de fé. Além disso, “a noite da libertação... foi esperada... como salvação” (Sb 18,6.7). Você sabe esperar em Deus e nas promessas d’Ele? Seu coração está agora habitado pela esperança ou pelo desespero?
           Jesus não quer que sigamos pela vida com o nosso coração tomado pelo medo, mas habitado pela confiança, porque o Pai quer nos dar o seu Reino. Depois de nos ter alertado para o perigo da ganância e ter nos conscientizado que a nossa vida não depende dos bens que possuímos (evangelho de domingo passado), Jesus nos convida a uma revisão dos nossos valores: “Vendei os vossos bens e dai esmola... Fazei... um tesouro no céu que não se acabe” (Lc 12,33).
Embora os bens deste mundo encham os nossos olhos e fascinem o nosso coração, não podemos nos esquecer de que estamos esperando pelo nosso Senhor, que é o único e verdadeiro Bem da nossa vida. Ele voltará na hora em que menos imaginarmos, e quando Ele chegar, verificará se administramos com fidelidade e prudência o bem maior que nos confiou, que é a nossa fé. Por isso, é importante voltarmos à pergunta inicial: Onde está o seu coração? Na terra ou no céu? No provisório ou no definitivo? Nos homens ou em Deus?
Estamos no Ano da Fé. Olhemos para o coração dos nossos pais na fé, Abraão e Sara. Antes de falar deles, a carta aos Hebreus nos fala sobre a fé: “A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se veem” (Hb 11,1). A fé lhe dá condições de esperar porque enche o seu coração de esperança. Sem a fé, você nada espera e também nada possui. A fé é convicção: apesar de você não poder ver concretamente Deus presente e agindo em sua vida, você tem a convicção de que Ele está ali, e cuidará de você na medida em que se confiar aos cuidados d’Ele por meio da sua fé. Assim, você pode declarar: “O Senhor pousa o olhar sobre os que o temem e que confiam esperando em seu amor, para da morte libertar as suas vidas e alimentá-los quando é tempo de penúria. No Senhor nós esperamos confiantes, porque ele é nosso auxílio e proteção! Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, da mesma forma que em vós nós esperamos!” (Sl 33,18-20.22).
            “Pela fé, Abraão obedeceu” à Palavra de Deus “e partiu, sem saber para onde ia” (Hb 11,8). A fé não exige que Deus lhe mostre para onde Ele quer lhe conduzir, mas confia que, para onde Ele quer conduzi-lo e a forma de conduzi-lo, será sempre o melhor para você. “Pela fé”, Abraão “residiu como estrangeiro”, “morando em tendas”, enquanto “esperava pela cidade” que tem Deus “por alicerce e construtor” (Hb 11,9-10). A fé faz você aceitar o provisório na sua vida (morar em tendas), enquanto espera que o que Deus está preparando de definitivo para você esteja pronto. “Pela fé”, Sara, idosa e estéril, “se tornou capaz de ter filhos”, porque confiou no “autor da promessa” (Hb 11,11). A fé não se apoia na sua capacidade humana, naquilo que você pode fazer, mas em Deus, que pode fazer brotar água da rocha, que pode transformar um coração de pedra num coração de carne, que pode fazer surgir a vida num ventre que aos olhos humanos já morreu há muito tempo. 
           Por fim, pela fé “de um só homem, já marcado pela morte, nasceu a multidão” imensa como as estrelas do céu e como a areia das praias do mar (cf. Hb 11,12). Hoje, este “homem já marcado pela morte” pode ser você, pai, já marcado pela morte do seu vigor físico, da sua fidelidade em relação à sua família, da sua alegria e do sentido da sua vida... Hoje, este “homem marcado pela morte” pode ser a sua família, já marcada pela morte chamada “separação”, “desentendimento”, “falta de diálogo e de perdão”, “perda de sentido de continuar”... Seja onde for que a morte já tenha lhe marcado, a vida pode surgir intensa e abundante se você tiver fé; se, pela fé, você permitir que Deus possa se fazer presente ali. “Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12,34). Onde você cultivar o guardar o tesouro da fé, ali o seu coração voltará a viver em plenitude.
                    
                     Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

CELEIROS CHEIOS, MAS A ALMA VAZIA?

Missa do 18º. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiastes 1,2; 2,21-23; Colossenses 3,1-5.9-11; Lucas 12,13-21.

        Seja muito, seja pouco, seja o suficiente, o fato é que o dinheiro está presente em sua vida. Como você o administra? Ou você já passou a ser administrado(a) por ele? Sejam muitos, sejam poucos, sejam o suficiente, o fato é que alguns bens estão presentes em sua vida. É você que possui seus bens ou são eles que possuem você?
           “A vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15). A vida de nenhum ser humano está garantida pela quantidade de bens que possui. Apesar dessa verdade bíblica, nós nos deixamos enganar por um mundo que, ilusoriamente, nos garante que a nossa felicidade, a nossa paz, a nossa realização, a nossa autoestima depende absolutamente dos bens que possuímos: quanto mais bens, mais felicidade; quanto menos bens, menos felicidade.
            No mundo em que vivemos sem dúvida nenhuma o dinheiro é necessário, assim como alguns bens são necessários. O problema levantado por Jesus no Evangelho não é o dinheiro ou os bens, mas a forma como lidamos com eles em nossa vida. “Tomai cuidado contra todo tipo de ganância” (Lc 12,15). O dinheiro, os bens exercem fascínio sobre todos nós e facilmente nos levam à idolatria, ou seja, nos levam a acreditar que a garantia da nossa vida está neles e não em Deus. Por isso, a Palavra nos adverte: “a cobiça... é idolatria” (Cl 3,5).
            Este homem da parábola administrava seu dinheiro e seus bens unicamente em função de si. Para ele, os outros não existiam. Aqui é preciso que cada um se pergunte: Meu dinheiro é empregado somente para as minhas coisas, ou reservo uma parte dele para ajudar os outros, seja por meio da Igreja, seja por meio de alguma entidade beneficente? Até que ponto o meu coração não está voltado apenas para as coisas terrestres, esquecendo-me das coisas celestes? O apóstolo Paulo usa uma expressão forte: “Fazei morrer o que em vós pertence à terra...” (Cl 3,5). “Fazer morrer” significa não permitir que o dinheiro ou os bens materiais mandem em mim.
        Dias atrás o Papa Francisco afirmou que Deus está nos pedindo simplicidade.  Aos bispos e aos padres Francisco tem pedido que não entristeçam os pobres, que morem em casas simples e que andem em carros simples. Sem dúvida nenhuma, as palavras e o comportamento profético do Papa Francisco têm devolvido credibilidade à nossa Igreja perante o mundo. Muitos de nós concordamos plenamente com o nosso Papa, mas, se não queremos ser hipócritas, precisamos também rever nosso próprio estilo de vida, pois o Evangelho julgará a todos nós, e não somente aos ministros da Igreja.      
            Ainda falando do nosso Papa, há tempos atrás ele disse: “Eu nunca vi um caminhão de mudança atrás de um cortejo fúnebre”. Isso vem de encontro à pergunta de Jesus: “Quando pedirem de volta a sua vida, para quem ficará o que você acumulou?” (citação livre de Lc 12,20). Os bens que você acumula não têm o poder de impedir que você morra, e quando você morrer, não poderá levar consigo aquilo que acumulou. A única coisa que pode acompanhar você na morte e no seu encontro com Deus é o bem que você fez aos outros com o dinheiro que possuía.
     Dizem que existem pessoas tão pobres, mas tão pobres que a única coisa que elas possuem é dinheiro. Possuem muitos bens, mas não possuem amigos verdadeiros; experimentam muitos prazeres, mas não experimentam a verdadeira alegria; são capazes de construir muitas coisas materiais, mas não conseguem construir uma verdadeira família; são pessoas que têm os celeiros cheios, mas a alma vazia...
          Jesus nos convida a sermos ricos para Deus, a não nos fecharmos em nós mesmos, nos distanciando de quem necessita. Somos convidados a passar do vazio de quem vive somente para si, para a alegria de quem aprendeu a viver para os outros. Com o salmista, peçamos ao Senhor que nos ensine a viver os breves dias da nossa existência neste mundo com sabedoria (cf. Sl 90,12), administrando nosso dinheiro, nossos bens, segundo os valores do Evangelho.  
                                                             Pe. Paulo Cezar Mazzi