Missa da Santíssima Trindade – Palavra de Deus: Deuteronômio 4,32-34.39-40; Romanos 8,14-17; Mateus 28,16-20.
Apesar da multiplicidade de religiões que existem no mundo e da multiplicação de igrejas evangélicas no Brasil, há um problema que precisa ser enfrentado por todos nós que nos consideramos cristãos: a perda da fé em Deus. É cada vez maior o número de pessoas que deixam de acreditar em Deus, seja porque tiveram ou estão tendo que se confrontar com o sofrimento, seja porque as igrejas não estão falando corretamente de Deus, ou não estão conseguindo falar uma linguagem religiosa que chegue ao coração das novas gerações.
Embora uma das motivações em deixar de acreditar em Deus seja o querer ser diferente dos outros, a desistência em crer em Deus, por parte de muitas pessoas, também questiona a cada um de nós que (ainda) cremos. Que imagem de Deus temos dentro de nós? Que imagem de Deus passamos para as pessoas, com as nossas palavras e com as nossas atitudes?
O Deus em quem nós cremos é o único Senhor: “Reconhece, pois, hoje, e grava-o em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima no céu e cá embaixo na terra e que não há outro além dele” (Dt 4,39); “O Senhor nosso Deus é um” (Dt 6,4). Se o Deus em quem nós cremos é “um” e se o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27), quando uma pessoa deixa de crer em Deus, deixa de ser “una”; seu coração se divide, sua alma se fragmenta e ela, para sobreviver, tenta se agarrar a qualquer coisa que possa ilusoriamente preencher o vazio que está em seu coração, já que Deus foi varrido dali.
Apesar de serem vários os motivos que levam pessoas a deixarem de crer em Deus, o ponto central é a questão do sofrimento. Diante da experiência do sofrimento, a imagem que temos de Deus se quebra, e em algumas pessoas não se refaz mais. Por isso, vale a pena retomar as palavras que Deus dirigiu aos amigos de Jó, que se viram perdidos ao tentar ajudar Jó a manter a fé em Deus no meio do seu sofrimento: “Estou indignado contra ti e teus dois companheiros, porque não falaste corretamente de mim, como o fez meu servo Jó” (Jó 42,7). Essa é a questão: nós falamos corretamente de Deus a quem está sofrendo? Nós pensamos corretamente sobre Deus quando estamos sofrendo?
Nas páginas 167-178 do livro “Se quiser experimentar Deus”, Anselm Grün fala da imagem de Deus diante do sofrimento humano, e afirma que nossa imagem de Deus atualmente é assim: sem lugar para o sofrimento. “Nós construímos uma imagem de Deus que corresponda aos nossos gostos. Quando, então, um sofrimento nos atinge, nossa imagem de Deus se desmorona. E quanto Deus não corresponde a esta imagem, nós nos distanciamos dele”.
O mistério da Santíssima Trindade, que celebramos hoje, nos recorda que o Deus em quem cremos é amor (cf. 1Jo 4,8). Justamente porque Deus é amor, Ele não é solidão, mas comunhão, proximidade, abraço. Amor é movimento. “O movimento que parte do Pai, passa pelo Filho e se consuma no Espírito Santo é um movimento de amor” (homilia do Pe. Adroaldo, sj). São Paulo apóstolo nos convida a nos deixar conduzir pelo Espírito de amor de Deus, a nos dar conta de que dentro de nós, dentro de cada ser humano, inclusive dos que dizem não mais acreditar em Deus, existem um clamor de filho, que faz com que todo ser humano se dirija a Deus com a palavra “Pai!” (Rm 14,15), como sempre fez o Filho Jesus.
Quando nos deixamos conduzir pelo Espírito de Deus, voltamos a ter a certeza não somente de que Deus existe, mas de que nós somos filhos Seus (cf. Rm 14,16), e não há sofrimento que possa retirar de nós essa certeza porque sabemos que “se sofremos com Cristo, é para sermos também glorificados com ele” (Rm 14,17). Assim, olhamos para Jesus, que quando sofreu também se sentiu abandonado por Deus (“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Mc 15,34), mas nunca abandonou a Deus (“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” Lc 23,46).
Pe. Paulo Cezar Mazzi