quinta-feira, 30 de outubro de 2025

DEIXE SUA CASA EM ORDEM, POIS A MORTE O(A) ENCONTRARÁ NA HORA EM QUE VOCÊ MENOS IMAGINAR.

 Missa pelos fiéis falecidos. Palavra de Deus: Jó,19,1.23-27a; 1Coríntios 15,20-24a.25-28; Lucas 12,35-40. 

 

Dia de Finados, palavra que nos remete para o fim. A nossa existência terrena um dia terá um fim. Mas a nossa fé nos faz olhar para além do fim, isto é, para a finalidade para a qual tende a nossa vida, que é a nossa ressurreição em Jesus Cristo, ele que nos prepara um lugar na casa do Pai, porque quer que estejamos onde ele mesmo está (cf. Jo 14,3). Se hoje sentimos saudades e tristeza por aqueles que partiram, sabendo que a tristeza é proporcional ao amor que temos pela pessoa, a nossa tristeza deve unir-se à esperança de reencontrarmos aqueles que partiram e que estão em Cristo (1Ts 4,13.16-17), o qual afirmou que o nosso Deus “não é Deus de mortos, mas sim de vivos; todos, com efeito, vivem para ele” (Lc 20,38).

A morte, fim da nossa existência terrena, nos ensina a rever a forma como vivemos a nossa vida. “Lembra-te do fim e deixa o ódio” (Eclo 28,6). Não devemos permitir que o ódio adoeça a nossa breve existência neste mundo. A consciência da nossa morte deve nos levar a perdoar. Mas o Eclesiástico também nos orienta quanto ao luto: “Filho, derrama tuas lágrimas por um falecido. Chora amargamente; depois, consola-te de tua tristeza. Porque a tristeza leva à morte. Não abandones teu coração à tristeza, afasta-a” (Eclo 38, 16.17.20).

A morte nos dá a consciência de que a nossa existência neste mundo é única, e nunca mais se repetirá: “Os homens morrem uma só vez, depois do que vem um julgamento” (Hb 9,27). A respeito desse julgamento, o apóstolo Paulo afirma: “Todos nós compareceremos perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba a retribuição do que tiver feito em sua vida no corpo, seja para o bem, seja para o mal” (2Cor 5,10). Aquilo que plantamos hoje, em nossa vida terrena, será colhido por nós mesmos, após a nossa morte.  

Segundo Jesus, a consciência da nossa morte deve nos libertar de todo tipo de ganância material. Quando um homem muito rico, após ter derrubado todos os seus celeiros para construir outros maiores, a fim de guardar toda a sua riqueza, diz a si mesmo: “Descansa, come, bebe, aproveita!”, Deus lhe diz: “Insensato, nesta mesma noite será pedida de volta a tua vida. E as coisas que acumulaste, de quem serão?” (Lc 12,16-20). Aqui entra também a sabedoria de Dalai Lama: “Os homens do nosso tempo vivem como se nunca fossem morrer, e morrem como se nunca tivessem vivido”.

Quando o rei Ezequias ficou gravemente enfermo, o profeta Isaías recebeu a ordem de Deus para dizer-lhe: “Põem em ordem a tua casa, porque vais morrer, e não sobreviverás” (2Rs 20,1). A consciência de que um dia iremos morrer deve nos fazer perguntar: O que eu preciso colocar em ordem, na minha vida, antes de morrer? Para Jesus, o principal a ser colocado em ordem é a nossa reconciliação com o próximo (cf. Mt 5,25-26).

Como encaramos a certeza de que um dia iremos morrer? O apóstolo Paulo nos anuncia uma grande consolação: “Ninguém de nós vive para si mesmo ou morre para si mesmo. Se vivemos é para o Senhor que vivemos, e se morremos é para o Senhor que morremos. Portanto, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor. Com efeito, Cristo morreu e ressuscitou para ser o Senhor dos vivos e dos mortos” (Rm 14,7-9). Ainda segundo o apóstolo, morrer significa mudar da tenda (morada provisória) para a casa, “morada eterna, não feita por mãos humanas” (2Cor 5,1). Em outras palavras, morrer significa “deixar a mansão deste nosso corpo para ir morar junto Senhor” (2Cor 5,8).       

Em cada experiência de morte que fazemos, diante da perda de pessoas que nos são caras, devemos manter os olhos fixos em Jesus, que disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim nunca morrerá” (Jo 11,25-26). A morte biológica do corpo não é a morte da pessoa. Jesus experimentou a morte “em favor de todos os seres humanos” (Hb 2,9). Como ele mesmo afirma: “Eu sou o Vivente: estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho comigo as chaves da morte e da região dos mortos” (Ap 1,17-18). Ter as chaves significa ter o poder de arrancar da morte e da região dos mortos todos os que morreram.

Diante desta catequese bíblica sobre a morte, podemos rezar, neste dia de Finados: “Ó Deus, nosso Pai, vossos dias não conhecem fim, e a vossa misericórdia não tem limites. Fazei-nos lembrar sempre a brevidade da vida e a incerteza da hora da nossa morte. Que o vosso Espírito Santo nos conduza neste mundo, todos os dias da nossa vida, na santidade e na justiça. E depois de vos servirmos na terra na comunhão da vossa Igreja, na confiança de uma fé segura, na consolação da esperança e na perfeita caridade para com todos, possamos chegar ao vosso Reino. Por Cristo, nosso Senhor. Amém” (Sacramentário, Rito das Exéquias, p.229).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

 

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

SANTIFICAR-SE SIGNIFICA TORNAR-SE SEMELHANTE A JESUS, "O SANTO DE DEUS" (Jo 6,69).

 Missa de todos os Santos. Apocalipse 7,2-4.9-14; 1João 3,1-3; Mateus 5,1-12a

 

A palavra “santo” significa “separado”. Jesus afirmou aos seus discípulos: “Minha escolha separou vocês do mundo” (Jo 15,19). O cristão é alguém “separado” do mundo, no sentido de estar no mundo, mas não aceitar ser corrompido por ele: “Não se conformem com o mundo, mas transformem-se, renovando a mente de vocês a fim de poderem discernir qual é a vontade de Deus” (Rm 12,2). Jesus foi chamado por Pedro de “o Santo de Deus” (Jo 6,69) exatamente porque buscou diariamente fazer a vontade do Pai: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou” (Jo 4,34).

Jesus é o nosso modelo de santidade. Como ele, somos chamados a ser pessoas pobres em espírito (que se apoiam unicamente em Deus); pessoas que se afligem com o sofrimento alheio; pessoas que mantém a mansidão diante dos conflitos; que desejam a justiça e lutam por ela; que são misericordiosas (compadecem-se com a miséria do outro); puras de coração; pessoas que não só desejam a paz, mas buscam promovê-la no ambiente em que se encontram; pessoas que suportam perseguições e sofrimentos por causa da justiça e por causa do próprio Jesus (cf. Mt 5,3-11).

Tudo isso nos faz entender que o nosso processo de santificação se dá na terra, não no céu. É na terra que os santos são “marcados na fronte” (Ap 7,3), procurando fortalecer orientar a cada dia a sua consciência de pertencimento a Deus. Segundo o livro do Apocalipse, os santos que estão nos céus são pessoas que “vieram da grande tribulação” (Ap 7,14), e se no céu trajam “vestes brancas” (Ap 7,9), símbolo da ressurreição e da santidade, é porque na terra “lavaram e alvejaram suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7,14), envolvendo-se na mesma luta que Jesus se envolveu, contra o pecado, a injustiça e a dor que tanto ferem a humanidade.

Na sua exortação apostólica sobre a santidade, o Papa Francisco afirmou que “todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra” (GE, n.14). É na rotina de cada dia, nas ocupações diárias, que cada um de nós é chamado a santificar-se. Quando você defende uma pessoa que está sendo injustiçada e sofre perseguição por causa disso, está sendo uma pessoa santa. Quando não aceita suborno, quando prefere levar uma vida mais simples, ganhando dinheiro de maneira honesta, ao invés de se enriquecer corrompendo-se, você está sendo uma pessoa santa. Quando, a exemplo de Jesus, você decide amar até o fim e não somente até que a beleza acabe, até que a doença chegue, até que a situação financeira se complique, você está sendo uma pessoa santa.

Um desafio para a nossa vida de santidade é integrar o nosso corpo, a nossa sexualidade, na vivência da nossa fé. Toda espiritualidade que despreza o corpo e demoniza a sexualidade é doentia e está na contramão do mistério da Encarnação. Jesus teve um corpo como o nosso e sentiu tudo o que nós sentimos: “ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado” (Hb 4,15). É a partir do nosso corpo e na vivência da nossa sexualidade que nós nos santificamos. Uma santidade “desencarnada” é estranha à Sagrada Escritura e, sobretudo, estranha ao próprio Jesus, modelo para a nossa santidade.

Enfim, o apóstolo João nos ensina que ser uma pessoa santa significa ter paciência conosco mesmos, com os nossos limites e as nossas imperfeições, pois a nossa santificação é um processo: “Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é” (1Jo 3,2). O que nós somos como pessoa não é algo definitivo; estamos em abertura, em processo, em transformação: a santificação tem por objetivo nos tornar semelhantes a Jesus, até que sejamos puros como ele é puro, até que sejamos como ele é: um verdadeiro sacramento do Deus Santo, Santo, Santo (cf. Is 6,3).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

 

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A HUMILDADE É A PORTA QUE ABRIMOS PARA QUE DEUS POSSA ENTRAR E NOS TRANSFORMAR, ENQUANTO REZAMOS.

 Missa do 30º dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 35,15b-17.20-22a; 2Timóteo 4,6-8.16-18; Lucas 18,9-14.


            Por que nós rezamos? Porque temos consciência da nossa insuficiência enquanto seres humanos. Em outras palavras, só pode rezar quem sente a necessidade de ser salvo. Pessoas que se sentem totalmente seguras, garantidas pelos seus recursos materiais, normalmente não buscam a Deus na oração, a menos que alguma coisa saia do controle delas e as ameace.

            Depois de nos ter ensinado a oração do Pai nosso (cf. Lc 11,1-13) e nos mostrado a importância de insistirmos com Deus na oração (cf. Lc 18,1-8), Jesus hoje nos apresenta duas formas de oração: a primeira, cheia de orgulho e arrogância; a segunda, cheia de humildade; a primeira, feita por um homem que se colocou diante de Deus não para louvá-Lo, mas para louvar a si mesmo por se considerar bom, justo e não necessitado de salvação; a segunda, feita por um homem consciente dos seus pecados e, portanto, profundamente necessitado de salvação.

            Antes de tudo, precisamos prestar atenção para quem Jesus contou a parábola que acabamos de ouvir no Evangelho: “Jesus contou esta parábola para alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros” (Lc 18,9). Confiar na própria justiça significa julgar-se bom o suficiente a ponto de não necessitar ser salvo. Mas o problema maior não é apenas a postura orgulhosa e arrogante diante de Deus, e sim o desprezo pelos outros, por aqueles que julgamos piores do que nós. Quando isso acontece, acabamos por erguer um muro de separação entre nós e essas pessoas, pensando que Deus as vê como nós as vemos.   

Eis a oração do fariseu: ele se coloca diante de Deus convencido de que não precisa da salvação que Deus lhe oferece, porque já a conquistou pelo esforço do seu bom comportamento. Apresenta-se diante de Deus como uma pessoa justa que veio “cobrar” a recompensa pelo seu esforço em ser uma pessoa de bem. O pior em tudo isso é que ele sente que a sua vivência “cristã” o coloca acima dos outros homens, “miseráveis pecadores”, como o cobrador de impostos que, aos olhos do fariseu, não passa de um ladrão e explorador do seu povo.

Diferente do fariseu, o cobrador de impostos, reza a partir da sua verdade. Consciente dos seus erros e da sua necessidade de ser salvo, ele clama a Deus por misericórdia. É um homem que tem consciência da sua indignidade. Na sua oração, ele não se compara com outros homens; apenas reconhece o seu pecado e invoca a misericórdia de Deus. Não podendo agarrar-se ao seu bom comportamento para se salvar – pois seu comportamento não é correto – ele só pode confiar na compaixão de Deus: “Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!” (Lc 18,13).

A oração do publicano nos lembra a verdade de todo ser humano: somos pecadores, falhos, imperfeitos, e não podemos nos salvar por nós mesmos, mas unicamente nos abrindo à ação do Espírito Santo de Deus. Da mesma forma como nenhuma pessoa doente pode ser curada, se não reconhecer a sua própria doença e não aceitar ajuda, assim nós não podemos sair da oração transformados se não admitimos diante de Deus a nossa impotência em nos modificar pelo nosso próprio esforço. De fato, para Jesus o fruto mais precioso da oração é quando saímos dela “justificados”, isto é, perdoados, reconciliados, salvos. Justamente porque “diante de Deus nenhum ser humano pode se declarar justo” (Sl 143,2), o Pai das misericórdias nos concede a graça da justificação, pela nossa fé em seu Filho Jesus Cristo (cf. Rm 4,25; 5,1.18-19).     

Jesus conclui o seu terceiro ensinamento sobre a nossa vida de oração afirmando que “quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado” (Lc 18,14). A humildade não é vista como um valor, na cultura atual. Pelo contrário, somos constantemente motivados a nos expor, a pisarmos sobre as pessoas para nos destacarmos como fortes e vencedores. O distanciamento da nossa humildade é o distanciamento da nossa verdade. É como uma árvore que, na sua obsessão em crescer e ser vista e admirada pelos outros, perde o contato com as próprias raízes, tornando-se superficial, sem profundidade.

Humilhar-se não significa rebaixar-se, mas se recusar a ser definido a partir de fora, por uma sociedade vazia e que cultua o próprio vazio. Humilhar-se é ter consciência do próprio tamanho, das suas capacidades e dos seus limites; é viver a partir da sua verdade interior; é sustentar-se a partir das próprias raízes que, escondidas no húmus, na terra, dão sustentação interior à pessoa, para que ela dê frutos, independente se as circunstâncias externas são favoráveis ou não.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

REZAR É TAMBÉM LUTAR CONOSCO MESMOS E COM DEUS

 Missa do 29º dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 17,8-13; 2Timóteo 3,14 – 4,2; Lucas 18,1-8.

 

“Rezar sempre, e nunca desistir” (Lc 18,1). Muitos desistiram de rezar. Muitas mãos não se levantam mais e muitos joelhos não se dobram mais para a oração, apesar do apelo da carta aos Hebreus: “Reerguei as mãos cansadas e fortalecei os joelhos vacilantes” (Hb 12,12). A desistência em rezar tem como causa principal a aparente indiferença de Deus para com as nossas orações. Ele nos ouve? Se nos ouve, por que não nos atende? Se Jesus afirmou, em Lucas 11,11-12, que o Pai nunca nos daria algo inútil (uma pedra em lugar de um pão) ou mau (uma serpente em lugar de um ovo), por que Ele deixou morrer aquele(a) pelo(a) qual suplicamos cura? A única resposta possível para essas perguntas é nos recordar dessa verdade: “Meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os meus caminhos são os caminhos de vocês, diz o Senhor” (Is 55,8).

Quando rezamos, nossos olhos se fixam no que está acontecendo agora, mas Deus enxerga o que ainda virá. Além disso, a grande maioria dos nossos pedidos se concentra na vida aqui e agora, nesta vida terrena, mas o propósito de Deus para nós é a verdadeira vida, a Vida Eterna. Toda vez que Ele diz “não” ao nosso pedido, ou “ainda não”, devemos confiar que Ele sabe perfeitamente o que está fazendo. “Rezar sempre, e nunca desistir” (Lc 18,1) vai na direção contrária do imediatismo do nosso tempo. Nós não sabemos mais esperar. No entanto, “os olhos do Senhor estão voltados sobre aqueles que esperam em seu amor” (Sl 33,18); “O Senhor ama aqueles que o respeitam, aqueles que esperam em seu amor” (Sl 147,11).

O que fazer enquanto esperamos pela intervenção de Deus? Rezar, e rezar com insistência, como a viúva do Evangelho fez, ao suplicar ao juiz que lhe fizesse justiça: “Esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha a agredir-me!” (Lc 18,5). Rezar com insistência é “aborrecer” Deus, é “cansá-Lo”, até que Ele atenda ao nosso pedido. Jesus nos manda ouvir aquele juiz da parábola: “Escutem o que diz este juiz injusto. E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar?” (Lc 18,7).

Diz o salmista: “Os que esperam em ti não ficam decepcionados; ficam decepcionados os que por um nada negam a sua fé” (Sl 25,3). São palavras que nos encorajam a nunca deixar de esperar no Senhor e por sua intervenção em nossa vida. No entanto, temos que admitir que a razão da nossa desistência em rezar vem da nossa decepção com Deus. Nós esperávamos cura, mas Ele permitiu a morte; nós esperávamos sucesso, mas Ele nos fez provar o fracasso; nós esperávamos subir ao mais alto dos céus, mas Ele nos fez descer ao mais profundo do abismo. Aqui é preciso recordar mais uma vez: a verdadeira oração não consiste em submeter Deus à nossa vontade, mas em nos abrir confiantemente ao Seu plano de amor e salvação para conosco.

Rezar é lutar com Deus. Se o texto do êxodo nos mostra que nossas lutas neste mundo só podem ser vencidas pela força da oração (Moisés de braços erguidos), cada um de nós precisa ter consciência que a oração é uma luta, antes de mais nada, conosco mesmos: precisamos lutar conosco mesmos para rezar; lutar contra a nossa decepção, a nossa falta de fé e de esperança; lutar contra a nossa preguiça; lutar contra o nosso ego, que não aceita se submeter à vontade de Deus. Quando rezamos profundamente, percebemos que o inimigo a ser derrotado não está fora (Amalec), mas dentro de nós.

Que a oração seja também uma luta com Deus fica claro em Gênesis 32,23-33. Durante uma noite inteira, Jacó ficou sozinho e lutou com alguém que personificava Deus. Jacó prevaleceu na luta, de modo que disse ao seu oponente: “Eu não deixarei você enquanto não me abençoar” (Gn 32,27). Essa é a postura que Jesus quer que tenhamos perante o Pai, em nossa oração: não deixar de rezar, até que Ele nos abençoe; agarrar o Pai e não soltar d’Ele, até que nos dê o que sabe ser o mais necessário para a luta que estamos enfrentando.

 Peçamos o auxílio do Espírito Santo. Só Ele pode vir em auxílio da fraqueza da nossa oração e interceder ao Pai (cf. Rm 8,26), segundo aquilo que o Pai deseja nos dar, em vista do nosso bem e da nossa salvação.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi




quinta-feira, 9 de outubro de 2025

A FORÇA INTERCESSORA DE NOSSA SENHORA

 Missa de Nossa Senhora Aparecida. Palavra de Deus: Ester 5,1b-2;7,2b-3; Apocalipse 12,1.5.13a.15-16a; João 2,1-11.

 

            O Evangelho escolhido pela Igreja no Brasil, para celebrar Nossa Senhora Aparecida, é justamente o texto bíblico que revela a força da sua intercessão. Da mesma forma como a rainha Ester intercedeu ao seu esposo pela salvação do seu povo – “Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, e se for de teu agrado, concede-me a vida - eis o meu pedido! - e a vida do meu povo - eis o meu desejo!” (Est 7,3) – Nossa Senhora intercede junto ao seu Filho pelo vinho novo, símbolo bíblico da alegria no coração humano, símbolo, sobretudo, do Espírito Santo no coração humano, fonte de alegria.

“Peça à mãe que o Filho atende”. Ouvimos ou falamos muito esta frase. Nossa Senhora conhece nossa falta de vinho. Quando rezamos a ela, pedimos que interceda junto ao seu Filho, para que ele nos socorra e nos conceda o que mais precisamos para aquele momento em nossa vida. Porém, não basta apresentar a Nossa Senhora as nossas necessidades. Precisamos também obedecer à sua orientação: “Façam tudo o que ele lhes disser” (Jo 2,5). Se nos consideramos realmente filhos da Virgem Maria, precisamos seguir o exemplo dela: “Faça-se em mim segundo a tua palavra (ou, segundo a tua vontade” (Lc 1,38).

A intercessão de Nossa Senhora aconteceu durante uma festa casamento, na qual acabou o vinho. Aquele casamento era símbolo do casamento por excelência, que é a união de amor entre Deus e a humanidade (Antigo Testamento), entre Cristo e a Igreja (Novo Testamento). A falta do vinho, isto é, a ausência da alegria no coração humano (cf. Sl 104,15), se deve ao fato de este ter se afastado de Deus e ter se tornado como aquelas talhas de pedra vazias (cf. Jo 2,6). Mas Deus havia feito uma promessa ao seu povo: “Tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei no vosso íntimo o meu espírito...” (Ez 36,26-27).

Aqui, algumas perguntas são necessárias: Quando foi que a alegria começou a acabar no meu relacionamento? Eu esgotei a jarra de vinho, sem me preocupar em reabastecê-la? “Há mais alegria em dar do que em receber” (At 20,35). Quanto eu dou de mim para que não falte alegria no meu relacionamento? Meu coração ainda é de carne, humano, sensível, ou endureceu como pedra, tornando-se indiferente, egoísta e individualista?

“Todo mundo serve primeiro o vinho melhor e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora!” (Jo 2,10). A rotina, o desencanto e o desgaste fazem parte de qualquer relacionamento, inclusive em nossa vida espiritual. É aqui que entra a crise. Recordemos, então, as palavras do Papa Francisco sobre “A alegria do amor”: “Não se vive juntos para ser cada vez menos feliz, mas para aprender a ser feliz de maneira nova, a partir das possibilidades que abre uma nova etapa. Cada crise implica uma aprendizagem” (n.232).

O “vinho novo” surgiu depois da crise da falta de vinho. Crise também significa “oportunidade”. A falta de vinho foi a oportunidade para Jesus realizar o seu primeiro sinal, como Filho de Deus, e deixar claro que ele pode transformar toda e qualquer situação que confiamos às suas mãos, por meio de sua e nossa Mãe. Nesta Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, em que também celebramos o Dia das Crianças, recordemos as palavras de Jesus: “Não impeçais as crianças de vir a mim, pois delas é o Reino dos Céus” (Mt 19,14). Sabemos o quanto nossas crianças estão adoecidas mentalmente devido ao vício do celular, o qual faz crescer sempre mais a ansiedade, a irritabilidade, a falta de concentração, baixa tolerância à frustração, insônia/sono fragmentado, e também a depressão. Não nos esqueçamos de que a plataforma digital mais usada por crianças e adolescentes é o Tik Tok, criado pela China, mas proibido na própria China. Pais que desejam orientar-se quanto ao cuidado e à educação dos filhos podem encontrar uma escelente ajuda no pediatra Daniel Becker, com inúmeros vídeos no You Tube.

Não nos esqueçamos de que a falta de vinho (alegria) na vida das crianças tem como causa principal a ausência dos pais, os quais substituem a presença por coisas materiais dadas aos filhos. Enfim, a cor vermelha do vinho deve nos fazer recordar que o Governo de Israel, nestes dois anos de guerra na faixa de Gaza, matou até agora 20 mil crianças! Segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o número de crianças mortas e feridas até agora, em Gaza, é de 64 mil!   

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi    

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

SEM A FÉ, TODOS SEREMOS DERROTADOS PELAS DIFICULDADES DA VIDA

 Missa do 27º. dom comum. Palavra de Deus: Habacuc 1,2-3; 2,2-4; 2Timóteo 1,6-8.13-14; Lucas 17,5-10.

 

            “Os apóstolos disseram ao Senhor: ‘Aumenta a nossa fé!’” (Lc 17,5). A resposta de Jesus é surpreendente: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria” (Lc 17,6). Enquanto os discípulos pedem uma fé maior, Jesus compara fé à menor semente que existe na terra: o grão de mostarda. Portanto, o problema da nossa fé não é o tamanho, mas a confiança na sua eficácia: embora sendo a menor semente da terra, a mostarda se torna a maior hortaliça que existe. Quanto à amoreira, é a árvore cujas raízes são expansivas, agressivas e podem causar danos às calçadas, canos e fundações se não forem controladas. Portanto, arrancar uma amoreira do lugar não é tarefa fácil, mas Jesus usa propositalmente a imagem da amoreira para falar da força da fé: ela remove aquilo que nossas forças humanas não podem fazê-lo.

            A fé é absolutamente necessária para nos mantermos em pé diante dos ventos contrários e das dificuldades da vida: “Se vocês não tiverem fé, não poderão se manter firmes” (Is 7,9). Quem não tem fé é como uma folha seca levada pelo vento da desorientação, do medo e da perturbação: “Na conversão e na calma estava a vossa salvação, na tranquilidade e na confiança estava a vossa força, mas vós não o quisestes” (Is 30,15). Assim como Israel, nós preferimos confiar em nossos recursos humanos, do que nos apoiar unicamente em Deus. Quando fazemos isso, a vida desaba sobre nós.

            A fé não significa crer em uma suposta força positiva do universo, mas crer em Alguém que tem o poder de nos salvar e de transformar toda e qualquer situação. Por isso, as palavras “Se vocês não tiverem fé, não poderão se manter firmes” (Is 7,9) devem ser entendidas como: “Se vocês não se atreverem a se apoiar em mim, jamais saberão que são amparados”. Só quem se joga nos braços de Deus, através da fé, sente a verdade do Seu amparo, da Sua sustentação.

            Hoje, a fé foi reduzida à emoção, de modo que as pessoas mudam de igreja ou de religião quando deixam de “sentir” Deus. Além disso, a fé deixou de ser compromisso com Deus Pai e com o Evangelho de seu Filho, para se tornar isso: “Eventos cheios, pastorais vazias”. Multidões se deslocam para participar de shows católicos ou evangélicos, mas não participam das missas e muitos menos das pastorais em suas próprias comunidades ou paróquias. Não são pessoas de fé, mas uma massa anônima correndo atrás de emoção (“efeito manada” – vão onde todo mundo está indo). Não são construtores do Reino, mas consumidores de emoções espirituais. Jesus nunca se deixou enganar por multidões. Dois exemplos claros: Jo 6 e Lc 14,25-33.   

            O profeta Habacuc nos mostra que a fé muitas vezes é uma luta com Deus: “Senhor, até quando clamarei, sem me atenderes? Até quando devo gritar a ti: ‘Violência!’, sem me socorreres? Por que me fazes ver iniquidades, quando tu mesmo vês a maldade? Destruições e prepotência estão à minha frente; reina a discussão, surge a discórdia” (Hab 1,2-3). O grito de Habacuc é o grito dos cristãos que sofrem e dos ateus que se perguntam: Se Deus existe, por que permite o mal? A oração de Habacuc é a nossa revolta contra o silêncio de Deus diante da dor dos inocentes. Esse silêncio nos machuca e põe em crise a nossa fé, nos tornando conscientes de que nunca iremos compreender os desígnios de Deus. Aqui é importante recordar que “a fé nunca sabe para onde está sendo conduzida, mas ela confia e ama Aquele que a conduz” (Oswald Chambers).          

            Diante da oração de Habacuc, Deus rompeu o Seu silêncio e disse: “Escreve esta visão... Ela refere-se a um prazo definido, mas tende para um desfecho, e não falhará; se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará. Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2,2-4). Deus garante a quem n’Ele crê e n’Ele se apoia que intervirá na história humana, mas essa intervenção não será imediata, como estamos acostumados, devido à rapidez da tecnologia: “se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará” (Hab 2,3). É aqui que a nossa fé é provada, verificada como verdadeira ou não: suportar as demoras de Deus, crendo que, no fim, o Seu desígnio prevalecerá em nossa vida pessoal e na história humana.

“Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2,4). Quem perder a sua fé, se tornará como um arco frouxo, do qual nenhuma flecha pode ser lançada. Sem a fé, nós nos tornamos vivos mortos; o corpo vive, mas a alma definha e o espírito está morto. Sem a fé, somos vencidos por toda e qualquer dificuldade. Sem a fé, não sobreviveremos às provações que já estão aí, características dos tempos finais (cf. Ap 3,10). Somente as pessoas que têm fé sobreviverão a tudo o que já está acontecendo e que virá a acontecer na história humana. Portanto, a fé não nos blinda contra o sofrimento, mas nos dá força para enfrentá-lo.

O apóstolo Paulo chama a fé de “precioso depósito”. Esse depósito deve ser guardado (mantido vivo, protegido, defendido) dentro de nós com o auxílio do Espírito Santo, sabendo que a nossa fé em Cristo Jesus também significa “sofrer por causa do Evangelho”.

Enfim, após esclarecer aos discípulos que a fé é uma questão de qualidade (transportar uma amoreira de lugar) e não de quantidade (do tamanho de um grão de mostarda), Jesus fala da fé como algo concreto: ter fé é ser um servo de Deus, um simples servo, uma pessoa que não contamina a sua fé com ambições de recompensa e nem com a expectativa de retorno imediato, mas faz o que faz por causa do Reino de Deus, por causa do Evangelho, não se deixando abalar em sua confiança em Deus por causa das circunstâncias externas, mas mantendo seus olhos fixos no próprio Jesus, “iniciador e consumador da nossa fé” (Hb 12,2).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

Oração pela fé (Papa São Paulo VI)

 

Senhor, creio em Ti. Eu quero crer em Ti.

Senhor, faze que minha fé seja plena, sem reservas e que penetre em minha inteligência e em meu modo de julgar as realidades divinas e humanas.

Senhor, faze que minha fé seja livre, isto é, que tenha a minha adesão pessoal, aceite as renúncias e os deveres que ela impõe e seja a última instância decisiva de minha pessoa. Creio em Ti, Senhor.

Senhor, faze que minha fé seja certa. Certa pela coerência exterior dos motivos e certa pelo testemunho interior do Espírito Santo. Certa por uma luz que lhe dê segurança, por uma conclusão que a tranquilize, por uma assimilação que a faça repousar.

Senhor, faze que a minha fé seja forte. Que ela não tema a contradição que surge com os problemas, quando é plena a experiência de nossa vida à vida de luz. Que não tema a oposição de quem a discute, a ataca, a rejeita, a nega; mas que ela se robusteça com a experiência íntima de Tua verdade, resista ao cansaço da crítica, fortaleça-se com a afirmação contínua que vence as dificuldades dentro das quais se desenrola nossa existência terrena.

Senhor, faze que minha fé seja cheia de tranquilidade e que dê ao meu espírito paz e alegria, gosto pela oração com Deus e a convivência com os homens, de maneira que, no diálogo com Deus e com o mundo, se irradie a alegria interior de sua posse afortunada.

Senhor, faze que minha fé seja operante e dê à caridade os motivos de sua atuação, de sorte que a caridade seja verdadeira amizade contigo, busca contínua de Ti, contínuo testemunho, contínuo alimento de esperança nas obras, nos sofrimentos, na expectativa da revelação final.

Senhor, faze que minha fé seja humilde e não pretenda apoiar-se na experiência de meu pensamento, mas que se entregue ao testemunho do Espírito Santo e não busque maior garantia a não ser a docilidade à Tradição e à Autoridade do Magistério da Igreja. Amém.