quinta-feira, 21 de novembro de 2024

QUEM EU PERMITO QUE EXERÇA DOMÍNIO SOBRE MIM?

 Missa de Cristo, Rei do universo. Palavra de Deus: Daniel 7,13-14; Apocalipse 1,5-8; João 18,33b-37.

 

            Para entendermos o título atribuído a Jesus como Rei do universo, recordemos o que Deus disse ao profeta Samuel, quando o povo de Israel quis ter um rei: “Não é a ti que eles rejeitam, mas é a mim que eles rejeitam, porque não querem mais que eu reine sobre eles” (1Sm 8,7). Ao pedir um rei, Israel queria, na verdade, ter a sua segurança garantida por um exército, pois era uma época de muitos conflitos e guerras com diversos povos. O erro de Israel foi se esquecer de que um rei só consegue manter um exército cobrando impostos do seu povo.

            Quem reina sobre nós? Quem nós queremos ou permitimos que reine sobre nós? O rei exerce domínio sobre seu povo. Alguém, alguma situação ou algo exerce domínio sobre você atualmente? Não nos esqueçamos de que ninguém é totalmente livre e autônomo; todo ser humano escolhe debaixo de qual domínio se colocar. Quem não escolhe livremente depender de Deus, acaba por sofrer uma dependência imposta a partir de fora, tornando-se escravo de um vício, de um pecado, de uma relação doentia ou do próprio espírito do mal.

            A história humana já teve inúmeros reis, mas, na verdade, só existe um rei que faz o mundo dobrar os joelhos diante dele: o dinheiro. O fascínio por ele provoca guerras, violência e morte. A servidão a esse “rei” corrompe políticos e líderes religiosos, destrói casamentos e distancia os pais dos filhos. O próprio Jesus foi tentado a “facilitar” a sua vida colocando a sua segurança na ilusão das riquezas: “Eu te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque ela me foi entregue e eu a dou a quem eu quiser” (Lc 4,6). Mas Jesus escolheu viver na absoluta dependência do Pai e jamais na falsa autonomia de uma vida financeira confortável. Resumindo, por trás da servidão ao dinheiro está uma dependência escolhida de submissão a Satanás, o “príncipe deste mundo” (Jo 12,31; 14,30) .

            Depois de descrever o desmoronamento dos reinos humanos, que produzem sofrimento, injustiça, violência e morte, Daniel nos fala do “Filho do Homem”, representação do Deus humano, a quem foi entregue o poder de julgar todas as nações: “Seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá” (Dn 7,14). Quem livremente se coloca debaixo do seu domínio salvífico é liberto de todo domínio que escraviza, adoece, fere e mata: “Se o Filho vos libertar, vós sereis verdadeiramente livres” (Jo 8,36).

            Mas a questão é: nós realmente queremos ser livres? Ser livre significa responsabilizar-se pela sua própria vida. A maioria das pessoas escolhe responsabilizar alguém ou as circunstâncias pelos males que lhes acontecem, esquecendo-se de que são as escolhas e as decisões delas no dia a dia que determinam o seu próprio destino. Que as circunstâncias influenciam a nossa vida, isso é fato, mas influenciar não significa determinar. O que, de fato, determina a nossa vida são as nossas decisões diante das circunstâncias em que nos encontramos. Neste sentido, cada um precisa tomar nas mãos as rédeas da própria vida e assumir o domínio sobre suas escolhas e decisões.

            A liberdade que Jesus veio nos oferecer está intimamente ligada ao conhecimento da verdade: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8,32).  “Eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,37). Jesus nunca foi dominado por nenhum tipo de escravidão porque escolheu viver na verdade do Pai. Essa verdade é a Palavra de Deus (“tua palavra é verdade”: Jo 17,17) que nos liberta das mentiras do diabo – o “pai da mentira” (Jo 8,44). Se muitas pessoas hoje vivem debaixo de algum domínio que as escraviza e adoece é porque não querem escutar a voz de Jesus, isto é, não querem obedecer à verdade da sua Palavra, abrindo mão das falsas compensações provenientes da mentira do seu pecado ou dos seus enganos.

            Algumas perguntas que cada um de nós precisa se fazer, nesta Festa de Cristo Rei: Quem eu permito que exerça domínio sobre mim: o Rei do Universo ou o príncipe deste mundo? Eu escolho me orientar diariamente pela verdade que é Cristo ou pelo “pai da mentira”, que é o diabo? Eu me responsabilizo pelo meu destino, que é construído todos os dias pela liberdade que tenho ao fazer escolhas e tomar decisões, ou me coloco numa posição de vítima dos acontecimentos?

 

            Senhor Jesus Cristo, o Pai lhe concedeu o poder de salvar todo ser humano, mas tal salvação é uma escolha que cada pessoa tem que fazer. Eu escolho obedecer à sua voz e viver segundo a verdade do seu Evangelho. Retira-me debaixo do domínio do espírito do mal, o príncipe deste mundo, e guarda-me sob o seu domínio, capaz de me libertar, curar e salvar. Venha o seu Reino! Reine sobre a consciência e o coração de cada ser humano. Estende o seu domínio salvífico sobre toda pessoa escrava do pecado pessoal e desumanizada pelo pecado social. Reine, Senhor, em nossas casas, escolas, locais de trabalho, cidades e países. Revela-nos a verdade capaz de nos libertar das mentiras e dos enganos que nos adoecem. Destina cada um de nós para o seu Reino Eterno. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi     

 

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

O FIM ESTÁ DENTRO DE UMA FINALIDADE

 Missa do 33º dom. comum. Palavra de Deus: Daniel 12,1-3; Hebreus 10,11-14.18; Marcos 13,24-32.

 

Os dois textos principais da Liturgia da Palavra de hoje – o profeta Daniel e Jesus (Evangelho) – querem nos tornar conscientes de que existe um fim. Este fim é a intervenção definitiva de Deus na história humana, para acabar de vez com o mal, a injustiça e a morte e fazer triunfar o bem, a justiça e a vida. Tanto Daniel quanto Jesus falam conosco a partir de uma linguagem apocalíptica, segundo a qual a história humana não está nas mãos de nenhum homem poderoso da face da terra, mas de Deus, cujo Reino se estabelecerá após o fim de todos os reinos humanos, que causaram dor e sofrimento à humanidade.

Aos judeus, que estavam sendo massacrados pelo rei Antíoco IV Epífanes (167 aC), Daniel encoraja afirmando a intervenção de Deus através do Arcanjo Miguel, que se levantará para defender o povo de Deus, que vive mergulhado num tempo de grande angústia: “Será um tempo de angústia, como nunca houve até então... Mas, nesse tempo, teu povo será salvo” (Dn 12,1). Nós também vivemos um tempo de grande angústia, não somente devido aos problemas do tempo presente, mas em relação ao nosso próprio futuro. O que agrava o sentimento de angústia em nós é o enfraquecimento da esperança e a consequente perda de sentido da vida. Temos a impressão de que o mal sempre vence o bem, e o próprio Deus parece ausente da história humana, tendo abandonado o homem a si mesmo.

Mas, na época de Daniel, os judeus perguntavam: ainda que Deus intervenha e faça justiça, acabando com o mal no mundo, de que adiantaria isso se tantos que nós amamos morreram e não serão beneficiados com a salvação de Deus? Eis aqui a resposta de Daniel: os mortos ressuscitarão e terão destinos diferentes: os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida eterna; os que fizeram o mal, para a vergonha eterna (cf. Jo 5,28-29!). Nada ficará impune. Portanto, se vivemos num mundo onde cada vez mais pessoas desistem de fazer o bem e se entregam à indiferença, lembremos a advertência de Jesus: “Aquele que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 24,13; Mc 13,13).   

Vivendo num tempo de grande angústia, precisamos renovar diariamente nossa confiança em Deus, rezando com o salmista: “Meu destino está seguro em vossas mãos! Eis por que meu coração está em festa, minha alma rejubila de alegria, e até meu corpo no repouso (na morte!) está tranquilo; pois não haveis de me deixar entregue à morte” (Sl 16,5.9-10). Nossa vida não está nas mãos do acaso, mas de Jesus, a quem o Pai confiou o destino de salvação da humanidade. Se existe um fim, esse fim significa finalidade: “recapitular (reunir, resgatar, sanar) em Cristo todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra” (Ef 1,10).

Jesus também nos torna conscientes do fim, no Evangelho de hoje. Esse fim será precedido por uma grande tribulação (“No mundo tereis tribulações, mas coragem: eu venci o mundo!” – Jo 16,33). Após essa tribulação, sol, lua e estrelas perderão o brilho, uma linguagem bíblica apocalíptica para falar da intervenção de Deus para destruir o mal e libertar o seu povo (cf. Is 13,10). Aqui voltamos para a profecia de Daniel: “Os que tiverem sido sábios, brilharão como o firmamento; e os que tiverem ensinado a muitos homens os caminhos da virtude, brilharão como as estrelas, por toda a eternidade” (Dn 12,3). É uma referência à glorificação dos corpos dos ressuscitados.

Na verdade, essa escuridão total do céu já se deu no momento da morte de Jesus (cf. Mc 15,33). Ali começou o julgamento de Deus sobre a humanidade e a condenação de todos os que fazem o mal. Jesus, por sua vez, contrasta a escuridão do céu com a luz da sua vinda gloriosa: “Então vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. Ele enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos de Deus, de uma extremidade à outra da terra” (Mc 13,26-27). Portanto, nós, cristãos, não vivemos angustiados esperando pelo fim do mundo, mas vivemos cheios de esperança pela vinda do nosso Salvador Jesus Cristo: “Ele virá uma segunda vez, (...) para aqueles que o esperam para lhes dar a salvação” (Hb 9,28).

  Olhemos para a nossa história pessoal e social. Nós já experimentamos a angústia do fim diversas vezes: o fim da infância, da adolescência, da juventude, da idade adulta, da saúde, do relacionamento, da vida de uma pessoa que amamos, do nosso animal de estimação, de um sonho etc. Para quantos de nós o fim de algo precioso conseguiu colocar fim à nossa alegria, à nossa fé, à nossa esperança em Deus? Mas hoje a Palavra de Deus nos convida a olhar para além do fim. Não existe “algo” além do fim, mas “Alguém”, nosso Salvador Jesus, Aquele a quem a Igreja, animada, sustentada, pela força do Espírito Santo, chama continuamente: “Vem!” (cf. Ap 22,17). Portanto, o fim está dentro de uma finalidade...

 

Oração: Senhor Jesus, a minha existência está dentro de uma finalidade e não entregue às mãos do acaso. Cada fim que eu já experimentei em minha história de vida só foi permitido pelo Pai porque há uma finalidade, há um propósito, uma razão de ser que ultrapassa a minha compreensão, mas que eu confio, porque sei que o meu destino está seguro em tuas mãos. Quero confiar que o fim deste mundo injusto é necessário para o nascimento de um mundo novo, de “novos céus e de uma nova terra onde habitará a justiça” (2Pd 3,13). Que o Senhor, ao vir, me encontre perseverando no bem, cuidando com fidelidade e amor da tarefa que me foi confiada. Ajuda-me a atravessar esse tempo de grande angústia mantendo meu coração firmado na intervenção final do Pai em vista da restauração de todas as coisas em Ti. Que o teu Santo Espírito complete em mim a obra começada, até o dia da Tua vinda. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi  

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

QUAL BARULHO CHAMA A SUA ATENÇÃO?

 Missa do 32º dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 17,10-16; Hebreus 9,24-28; Marcos 12,38-44.

 

            A liturgia da Palavra nos coloca diante de duas viúvas. Elas representam toda pessoa que precisa ser amparada, protegida. Ao meu redor há alguma viúva? Há alguma pessoa desamparada e desprotegida, para a qual eu posso fazer algo? Na verdade, nossas cidades estão cheias de “viúvas”, de mulheres que lutam para sustentar, sozinhas, sua casa e seus filhos. Nossas igrejas também estão cheias de “viúvas”, de mulheres que vêm sozinhas às nossas celebrações: em suas casas, são as únicas que buscam a Deus.

            O profeta Elias, homem de Deus, encontra uma viúva em Sarepta. É uma época de grande fome, por falta de chuva. Elias está com fome e com sede, e pede ajuda à viúva. Esta, por sua vez, não tem praticamente nada em casa: “Só tenho um punhado de farinha numa vasilha e um pouco de azeite na jarra” (1Rs 17,12). Mas Elias provoca a fé desta viúva: “Primeiro, prepara-me com isso um pãozinho, e traze-o. Depois farás o mesmo para ti e teu filho. Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘A vasilha de farinha não acabará e a jarra de azeite não diminuirá, até ao dia em que o Senhor enviar a chuva sobre a face da terra’” (1Rs 17,13-14). E, de fato, não faltou alimento na casa da viúva até o dia em que voltou a chover.

            Às vezes, Deus entra em nossa vida não como Aquele que dá, mas como Aquele que pede. Ele deseja saber se nós vivemos fechados em nós mesmos ou se, mesmo tendo quase nada, não perdemos a sensibilidade de socorrer alguém que esteja mais desamparado do que nós. Deus deseja saber se a nossa fé n’Ele se mantém também no tempo da fome, no tempo do pouco, do quase nada, confiando que “Ele dá alimento aos famintos... Ele ampara a viúva e o órfão” (Sl 146,7.9). Só experimenta o socorro de Deus quem, apesar das suas necessidades, é capaz de socorrer quem está mais necessitado do que ele mesmo.  

            Antes de chamar a nossa atenção para a oferta da viúva, no Evangelho, Jesus nos convida a observar e a tomar cuidado com determinados líderes religiosos que, ao invés de cuidar dos desamparados, estão em constante busca de reconhecimento para alimentar a própria vaidade e afirmar a sua posição de poder. São homens que se afastam da simplicidade, que alimentam um padrão de vida caro e que, quando se aproximam de alguma “viúva”, é em vista de explorá-la financeiramente. São homens que frequentam constantemente as casas das viúvas ricas e nunca encontram tempo para visitar uma viúva pobre. Quando falece um paroquiano pobre, por exemplo, nunca são encontrados para fazer a encomendação do corpo; já quando falece um paroquiano rico, antecipam-se em entrar em contato com a família e prestarem toda a assistência necessária. Quem sabe sua dedicação exemplar, embora hipócrita e interesseira, seja reconhecida e retribuída com uma oferta robusta na missa de sétimo dia?... Em relação a esse tipo de líder religioso, Jesus é muito claro: “Tomem cuidado!” (Mc 12,38); literalmente, “Afastem-se desse tipo de líder religioso!”.   

            Depois de denunciar o péssimo exemplo de alguns líderes religiosos, Jesus convida seus discípulos a aprenderem com a atitude de uma pobre viúva, que depositou no cofre das esmolas do Templo duas pequenas moedinhas. No texto grego, língua em que foram escritos os Evangelhos, as moedinhas se chamam “leptá”. O “leptá” era uma moeda de cobre, a menor e mais insignificante das moedas judaicas. Detalhe: o cofre das esmolas era feito de bronze; quando as moedas caíam dentro faziam barulho. Ora, as ofertas dos ricos faziam muito barulho, pois eles “depositavam grandes quantias” (Mc 12,41)! Quão insignificante deve ter sido o “barulho” das duas moedinhas da viúva!

            Quem é que faz barulho nas nossas comunidades, ao executar um trabalho voluntário ou ao efetuar uma oferta? Não nos esqueçamos de que, quanto mais vazia uma carroça, mais barulho ela faz. Além disso, nossos ouvidos são como os ouvidos de Jesus, capazes de ouvir o insignificante barulho da “insignificante” presença das “viúvas” em nossas comunidades? Sabemos reconhecer e agradecer a doação do dízimo tanto de quem dá “muito” como de quem dá “pouco”? A aplicação do dízimo tem como prioridade as melhorias na Matriz e nas capelas, ou o conforto da casa paroquial ou, pior ainda, as frequentes saídas do pároco para descansar?   

            Para terminar, não nos esqueçamos de que a viúva do Evangelho é a imagem do próprio Jesus: ela “ofereceu tudo aquilo que possuía para viver” (Mc 12,44); da mesma forma, Ele oferecerá sua vida na cruz, pela salvação de todo ser humano. Em outras palavras, Jesus se reconheceu numa pobre viúva e não nos líderes religiosos do seu tempo. Qualquer semelhança com a nossa época não é mera coincidência.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi