quinta-feira, 18 de julho de 2024

CUIDAR DE SI PARA PODER CUIDAR DO OUTRO

 Missa do 16º dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 23,1-6; Efésios 2,13-18; Marcos 6,30-34.

 

            Ovelhas e pastores: essas duas imagens marcam a liturgia de hoje. Enquanto “ovelha” é toda pessoa que necessita de cuidado, “pastor” é toda pessoa que exerce a função de cuidadora. Cada um de nós é ao mesmo tempo ovelha e pastor, ou seja, uma pessoa que necessita de cuidados e também uma pessoa chamada a cuidar de algo ou de alguém.

            Na Sagrada Escritura, Deus é o Pastor por excelência, o cuidador do seu povo: “O Senhor é o pastor que me conduz; não me falta coisa alguma” (Sl 23,1). Para cuidar, Deus escolhe pastores humanos – líderes políticos e religiosos –, a fim de garantir que seu povo tenha vida digna. No entanto, a função de liderar carrega consigo a tentação de usar o poder em benefício próprio: “Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos!” (Ez 34,2). “Ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho de minha pastagem, diz o Senhor” (Jr 23,1). Há uma relação direta entre o cuidador que se fecha em si mesmo, priorizando os seus interesses, e as ovelhas que ficam à mercê dos lobos do nosso tempo.

            Um exemplo concreto de ovelhas perdidas e dispersas em nosso país são as favelas das grandes cidades. A ausência do poder político abriu espaço para o domínio dos traficantes nas favelas. Ao mesmo tempo em que eles são cuidadores e protetores das favelas, cobram para “cuidar” desse imenso rebanho. Como esse “cuidado” dá muito dinheiro, surgiu um novo grupo de “cuidadores” – a milícia –, que vive em guerra com os traficantes para ocupar o lugar deles e lucrar em cima do rebanho (favelados). Paralelo a isso, temos muitos pastores evangélicos que fazem o que podem para cuidar das ovelhas expostas à constante violência nas favelas, ao mesmo tempo em que surge uma nova modalidade de líderes religiosos evangélicos: o narcopentecostalismo – traficantes evangélicos pentecostais que perseguem comunidades católicas e religiões de cunho afro, como a Umbanda.  

            Todo cuidador é pastor. Os pais são os primeiros cuidadores. Se a maior parte das famílias brasileiras é chefiada pela mãe, devido à separação ou à omissão do pai, precisamos nos perguntar: “Quem cuida da cuidadora?”. Além disso, temos muitos filhos que são criados pelos avós – sobretudo pela avó –, seja porque mãe e pai trabalham fora, seja porque um dos dois ou ambos vivem na rua, consumidos pelas drogas. Que tipo de amparo os avós recebem para cuidar dos seus netos, “órfãos” de pai e mãe?

            O salmo de hoje nos traz um detalhe importante sobre a forma como o pastor cuida das ovelhas: “Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso, nenhum mal eu temerei; estais comigo com bastão e com cajado; eles me dão a segurança!” (Sl 23,4). Bastão e cajado: o primeiro serve para proteger as ovelhas de um animal selvagem; o segundo, para guiá-las e, quando preciso, resgatá-las. Mas o bastão tem ainda outra função importante: ele serve para bater na ovelha que teima em se afastar do pastor e expõe-se a perigos. O cuidado do pastor é tão sério que, para salvar a ovelha, ele às vezes precisa bater forte com o bastão na sua pata e quebrá-la, para que ela aprenda a ficar perto dele.

            Em grande parte das famílias, o cajado está sempre presente, mas o bastão nunca. Por desejarem ser amados por seus filhos, os pais não usam o bastão quando necessário – não dizem “não”, e, se dizem, não o sustentam; evitam que o filho sofra frustração, despreparando-o assim para enfrentar a vida. Quando usam o bastão, não é para corrigir o filho que erra, mas para atacar quem tenta educar o filho, principalmente a escola. Desse modo, enquanto nas escolas públicas você tem inúmeras ovelhas perdidas por falta de alguém que efetivamente as eduque em casa, nas escolas particulares você tem uma geração “intocável”, cujos professores e a própria direção são impedidos de educá-la porque, se tentarem fazê-lo, perderão o “cliente”.

Diante do abandono do seu povo por parte das lideranças políticas e religiosas da época de Jeremias, Deus fez uma promessa: “Eu reunirei o resto de minhas ovelhas... Suscitarei para elas novos pastores que as apascentem; não sofrerão mais o medo e a angústia, nenhuma delas se perderá, diz o Senhor” (Jr 23,3.4). Essa promessa se cumpriu em Jesus, o Pastor segundo o coração de Deus. Enquanto os maus pastores abandonavam o rebanho para priorizarem seus interesses pessoais, Jesus e seus discípulos passavam o dia cuidando do povo, de modo que não tinham tempo nem para comer! (v.31).  

            O primeiro cuidado que Jesus tem é com seus próprios discípulos: “Vinde sozinhos para um lugar deserto, e descansai um pouco” (Mc 6,31). Nenhum cuidador é uma fonte inesgotável de cuidado. Quem cuida dos outros precisa também cuidar de si. Todo cuidador precisa ter o seu lugar de deserto, onde descansar. Toda mãe, todo pai, todo avô ou avó precisa ter seu espaço, precisa de tempo para si mesmo(a): alimentação, descanso, exercício físico, oração, diversão. Filhos e netos não podem consumir a saúde física e psíquica de quem cuida deles.  

            Quando Jesus vai com seus discípulos para um lugar à parte, a fim de descansar um pouco, as multidões correm a pé e chegam lá antes deles! “Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6,34). Jesus é o verdadeiro cuidador, cuja prioridade não é seu próprio bem-estar, mas o de suas ovelhas. Mesmo necessitando de descanso, ele consegue deixar em suspenso por um pouco sua necessidade, para cuidar daqueles que estão precisando de sua Palavra. Não nos esqueçamos de que essa capacidade de Jesus de esquecer-se de si para doar-se aos outros vinha da sua vida de oração: descansando no Pai, ele encontrava forças para cuidar das ovelhas que o procuravam diariamente.

            Coloquemo-nos sob os cuidados do nosso Pastor, Jesus Cristo. Permitamos que o seu bastão nos corrija e que o seu cajado nos resgate. Entreguemos a ele os muros de separação que nós mesmos erguemos – a inimizade –, pois “Ele, de fato, é a nossa paz: do que era dividido, ele fez uma unidade. Em sua carne ele destruiu o muro de separação: a inimizade” (Ef 2,14). Trabalhemos com Jesus para derrubar muros e construir pontes, para trazer para perto aqueles que temos mantido distantes de nós, pois Jesus “veio anunciar a paz a vós que estáveis longe, e a paz aos que estavam próximos. É graças a ele que uns e outros, em um só Espírito, temos acesso junto ao Pai” (Ef 2,17-18).

 

             Pe. Paulo Cezar Mazzi

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