Missa do 16º dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 23,1-6; Efésios 2,13-18; Marcos 6,30-34.
Ovelhas e pastores: essas duas
imagens marcam a liturgia de hoje. Enquanto “ovelha” é toda pessoa que
necessita de cuidado, “pastor” é toda pessoa que exerce a função de cuidadora.
Cada um de nós é ao mesmo tempo ovelha e pastor, ou seja, uma pessoa que
necessita de cuidados e também uma pessoa chamada a cuidar de algo ou de
alguém.
Na Sagrada Escritura, Deus é o
Pastor por excelência, o cuidador do seu povo: “O Senhor é o pastor que me conduz;
não me falta coisa alguma” (Sl 23,1). Para cuidar, Deus escolhe pastores
humanos – líderes políticos e religiosos –, a fim de garantir que seu povo
tenha vida digna. No entanto, a função de liderar carrega consigo a tentação de
usar o poder em benefício próprio: “Ai dos pastores de Israel que se apascentam
a si mesmos!” (Ez 34,2). “Ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o
rebanho de minha pastagem, diz o Senhor” (Jr 23,1). Há uma relação direta entre
o cuidador que se fecha em si mesmo, priorizando os seus interesses, e as
ovelhas que ficam à mercê dos lobos do nosso tempo.
Um exemplo concreto de ovelhas
perdidas e dispersas em nosso país são as favelas das grandes cidades. A
ausência do poder político abriu espaço para o domínio dos traficantes nas
favelas. Ao mesmo tempo em que eles são cuidadores e protetores das favelas,
cobram para “cuidar” desse imenso rebanho. Como esse “cuidado” dá muito
dinheiro, surgiu um novo grupo de “cuidadores” – a milícia –, que vive em
guerra com os traficantes para ocupar o lugar deles e lucrar em cima do rebanho
(favelados). Paralelo a isso, temos muitos pastores evangélicos que fazem o que
podem para cuidar das ovelhas expostas à constante violência nas favelas, ao
mesmo tempo em que surge uma nova modalidade de líderes religiosos evangélicos:
o narcopentecostalismo – traficantes evangélicos pentecostais que perseguem
comunidades católicas e religiões de cunho afro, como a Umbanda.
Todo cuidador é pastor. Os pais são
os primeiros cuidadores. Se a maior parte das famílias brasileiras é chefiada
pela mãe, devido à separação ou à omissão do pai, precisamos nos perguntar: “Quem
cuida da cuidadora?”. Além disso, temos muitos filhos que são criados pelos
avós – sobretudo pela avó –, seja porque mãe e pai trabalham fora, seja porque um
dos dois ou ambos vivem na rua, consumidos pelas drogas. Que tipo de amparo os
avós recebem para cuidar dos seus netos, “órfãos” de pai e mãe?
O salmo de hoje nos traz um detalhe
importante sobre a forma como o pastor cuida das ovelhas: “Mesmo que eu passe
pelo vale tenebroso, nenhum mal eu temerei; estais comigo com bastão e com
cajado; eles me dão a segurança!” (Sl 23,4). Bastão e cajado: o primeiro serve
para proteger as ovelhas de um animal selvagem; o segundo, para guiá-las e,
quando preciso, resgatá-las. Mas o bastão tem ainda outra função importante:
ele serve para bater na ovelha que teima em se afastar do pastor e expõe-se a
perigos. O cuidado do pastor é tão sério que, para salvar a ovelha, ele às vezes
precisa bater forte com o bastão na sua pata e quebrá-la, para que ela aprenda
a ficar perto dele.
Em grande parte das famílias, o
cajado está sempre presente, mas o bastão nunca. Por desejarem ser amados por
seus filhos, os pais não usam o bastão quando necessário – não dizem “não”, e, se
dizem, não o sustentam; evitam que o filho sofra frustração, despreparando-o
assim para enfrentar a vida. Quando usam o bastão, não é para corrigir o filho
que erra, mas para atacar quem tenta educar o filho, principalmente a escola.
Desse modo, enquanto nas escolas públicas você tem inúmeras ovelhas perdidas
por falta de alguém que efetivamente as eduque em casa, nas escolas
particulares você tem uma geração “intocável”, cujos professores e a própria
direção são impedidos de educá-la porque, se tentarem fazê-lo, perderão o “cliente”.
Diante do abandono do seu povo por parte
das lideranças políticas e religiosas da época de Jeremias, Deus fez uma
promessa: “Eu reunirei o resto de minhas ovelhas... Suscitarei para elas novos
pastores que as apascentem; não sofrerão mais o medo e a angústia, nenhuma
delas se perderá, diz o Senhor” (Jr 23,3.4). Essa promessa se cumpriu em Jesus, o Pastor segundo o coração de
Deus. Enquanto os maus pastores abandonavam o rebanho para priorizarem seus
interesses pessoais, Jesus e seus discípulos passavam o dia cuidando do povo,
de modo que não tinham tempo nem para comer! (v.31).
O primeiro cuidado que Jesus tem é
com seus próprios discípulos: “Vinde sozinhos para um lugar deserto, e
descansai um pouco” (Mc 6,31). Nenhum cuidador é uma fonte inesgotável de
cuidado. Quem cuida dos outros precisa também cuidar de si. Todo cuidador
precisa ter o seu lugar de deserto, onde descansar. Toda mãe, todo pai, todo
avô ou avó precisa ter seu espaço, precisa de tempo para si mesmo(a):
alimentação, descanso, exercício físico, oração, diversão. Filhos e netos não
podem consumir a saúde física e psíquica de quem cuida deles.
Quando Jesus vai com seus discípulos
para um lugar à parte, a fim de descansar um pouco, as multidões correm a pé e
chegam lá antes deles! “Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve
compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes
muitas coisas” (Mc 6,34). Jesus é o verdadeiro cuidador, cuja prioridade não é
seu próprio bem-estar, mas o de suas ovelhas. Mesmo necessitando de descanso,
ele consegue deixar em suspenso por um pouco sua necessidade, para cuidar
daqueles que estão precisando de sua Palavra. Não nos esqueçamos de que essa
capacidade de Jesus de esquecer-se de si para doar-se aos outros vinha da sua
vida de oração: descansando no Pai, ele encontrava forças para cuidar das
ovelhas que o procuravam diariamente.
Coloquemo-nos sob os cuidados do
nosso Pastor, Jesus Cristo. Permitamos que o seu bastão nos corrija e que o seu
cajado nos resgate. Entreguemos a ele os muros de separação que nós mesmos
erguemos – a inimizade –, pois “Ele, de fato, é a nossa paz: do que era
dividido, ele fez uma unidade. Em sua carne ele destruiu o muro de separação: a
inimizade” (Ef 2,14). Trabalhemos com Jesus para derrubar muros e construir
pontes, para trazer para perto aqueles que temos mantido distantes de nós, pois
Jesus “veio anunciar a paz a vós que estáveis longe, e a paz aos que estavam
próximos. É graças a ele que uns e outros, em um só Espírito, temos acesso
junto ao Pai” (Ef 2,17-18).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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