quarta-feira, 3 de julho de 2024

A DIFÍCIL E NECESSÁRIA VOCAÇÃO DE PROFETA

Missa do 14º dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 2,2-5; 2Coríntios 12,7-10; Marcos 6,1-6.

 

Todos os textos bíblicos deste final de semana nos falam da vocação do profeta. A razão de ser dessa vocação está nas palavras que Deus dirigiu ao profeta Ezequiel: “Eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes, que se afastaram de mim” (Ez 2,3). Ezequiel foi enviado para juntos dos israelitas que estavam exilados na Babilônia não apenas para consolá-los e fortalecê-los na fé, mas também para fazê-los tomar consciência de que aquela situação de sofrimento foi criada por eles mesmos, por não terem obedecido à voz de Deus. E aqui já se revela a difícil missão do profeta: falar não o que as pessoas gostam de ouvir, mas o que elas precisam ouvir.

Ezequiel deve exercer a sua missão de profeta consciente de que será uma missão difícil e ingrata: ele falará a pessoas de “cabeça dura e coração de pedra”, a um “bando de rebeldes”. Essas expressões lembram muito bem a nossa época: cada vez mais as pessoas estão fechadas à verdade. Não admitem ser advertidas, nem corrigidas. A vida fala constantemente com elas, mas elas não querem ouvir. São pessoas obstinadas nos seus erros. Assim como os israelitas no exílio, reclamam da vida, buscam constantemente um culpado pela situação em que se encontram e não admitem se responsabilizar pelo que lhes acontece: elas estão sempre certas; os outros é que estão errados.

Assim como Ezequiel, nossa presença junto às pessoas não é acidental, mas querida por Deus. Ele nos coloca ali para ajudarmos as pessoas a reverem suas atitudes, a se abrirem à verdade e a se tornarem melhores. Devemos estar conscientes de que vivemos num tempo onde as pessoas se ofendem por qualquer coisa; são pessoas melindrosas, que se magoam facilmente. Sempre que escutam o que não querem, se revoltam e partem para a agressão verbal. São doentes que não admitem ouvir o nome da doença que carregam em si. Ao invés de admitirem que precisam de tratamento, se rebelam contra o “médico” que diagnosticou a doença e mostrou a necessidade do tratamento. Em todo o caso, como Deus disse a Ezequiel, “quer te escutem, quer não, ficarão sabendo que houve entre eles um profeta” (Ez 2,5).

            Jesus também se identificou como profeta. Diante da pregação da Palavra de Deus na sinagoga de Nazaré, cidade em que cresceu, Jesus viu duas reações diferentes nos seus ouvintes: primeiro, admiração (v.2); depois, escândalo (v.3). Jesus sempre tinha uma palavra certa, na hora certa, para a pessoa certa. Mas, como ela falava o que as pessoas precisavam ouvir e não o que elas queriam ouvir, suas palavras “escandalizaram” os nazarenos. Ora, o que as pessoas fazem quando não admitem ouvir a verdade? Atacam aquele que está dizendo a verdade. Desse modo, começaram a menosprezar Jesus. Não perceberam que esse desprezo por sua pessoa comprovava justamente que ele era um verdadeiro profeta: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (Mc 6,4).

            Esse alerta serve para nós hoje. É mais fácil encontrar abertura em quem não nos conhece do que nas pessoas que convivem conosco. Além de conhecerem o nosso lado humano, essas pessoas podem nos rejeitar simplesmente por orgulho ou por inveja. O trágico é que a rejeição à palavra do profeta não o diminui como pessoa, muito menos o desacredita como profeta, mas invalida a ação de Deus na vida de quem poderia ser curado, liberto ou transformado pela Palavra: “E ali não pôde fazer milagre algum” (Mc 6,5). O Pai não autorizou Jesus a fazer nenhum milagre onde as pessoas ouvem com má vontade a sua Palavra. Pessoas que, ao invés de acolherem a Palavra de Deus, desviam o foco para julgar, criticar e menosprezar o pregador, ficarão privadas de todo e qualquer milagre do qual a Palavra de Deus é portadora.

            Para quem busca um pregador impecável, vale o alerta do apóstolo Paulo: não existe profeta ou pregador sem um “espinho na carne” (2Cor 12,7). Deus nunca cancelará o humano, a fragilidade, a imperfeição, a falha, naquele que anuncia a sua Palavra exatamente para que o pregador não se encha de soberba, de orgulho ou de autossuficiência. Todo profeta sempre será uma pessoa ferida, portadora de uma fraqueza que vez ou outra o humilhará, mas essa fraqueza será justamente a porta de entrada da força de Deus em sua vida de profeta. “Por isso, de bom grado, eu me gloriarei das minhas fraquezas, para que a força de Cristo habite em mim” (2Cor 12,9).

            O Evangelho termina afirmando que Jesus “admirou-se com a falta de fé deles” (Mc 6,6). É mesmo de admirar a geração atual, que se melindra e ofende quando uma verdade lhe é dita; é de admirar a hipocrisia de uma sociedade na qual o comportamento doentio não pode ser diagnosticado, e aquele que o diagnostica pode ser processado e preso por “preconceito”; é de admirar igrejas cheias de cristãos que, quando não escutam o que desejam na pregação, saem criticando o pregador; é de admirar e de lamentar a quantidade enorme de pessoas privadas de milagres por rejeitarem o “pacote” no qual o milagre veio embrulhado...     

           

Pe. Paulo Cezar Mazzi



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