Missa do 17º dom. comum. Palavra de Deus: 2Reis 4,42-44; Efésios 5,1-6; João 6,1-15
Qual é a missão da Igreja: cuidar do
corpo ou cuidar da alma das pessoas? Eis uma pergunta equivocada. Jesus veio
salvar o ser humano nas suas três dimensões, segundo a mentalidade bíblica:
corpo (físico), alma (psíquico) e espírito. Quando a Igreja levanta a sua voz
para denunciar uma política e uma economia que produzem desigualdade social,
fome, violência e morte, está sendo fiel a Jesus, que, “levantando os olhos, e vendo
que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: ‘Onde
vamos comprar pão para que eles possam comer?’” (Jo 6,5). Jesus não ignorou a
fome daquela multidão e nós também não devemos ignorar a fome, a miséria, a
violência e tudo aquilo que atenta contra a vida das pessoas à nossa volta.
A fome no mundo não é um problema de
falta de alimento, mas de concentração de renda, a qual produz desigualdade
social. A fome de muitos é consequência direta da ganância de poucos, como
afirmou Gandhi: “A Terra tem o suficiente para as necessidades de todos, mas
não para a ganância de alguns”. Por isso, a solução do problema da fome passa
pela partilha, como fizeram o profeta Eliseu e Jesus. Quando Eliseu mandou
distribuir 20 pães de cevada para cem pessoas e foi questionado – “Como vou
distribuir tão pouco para cem pessoas?” (2Rs 4,43) – respondeu: “Dá ao povo
para que coma; pois assim diz o Senhor: ‘Comerão e ainda sobrará’” (2Rs 4,43). Diferente
de Eliseu, nós temos uma mentalidade individualista, que nos leva a acumular,
achando que aquilo garantirá a nossa sobrevivência.
Hoje Jesus nos faz a mesma pergunta
que fez a Filipe: “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?” (Jo 6,5),
uma pergunta que se desdobra em muitas outras: Por que seu relacionamento está
definhando? O que você coloca da sua parte para alimentá-lo? Você identifica a
sua fome de sentido de vida, que vai muito além do seu estômago? Você
compreende que a sua relação conjugal não se alimenta somente de sexo, mas também
de afeto, de diálogo e de companheirismo? Você tem consciência de que “cada vez
mais as pessoas têm como viver (materialmente), mas elas não têm uma razão para
viver” (Victor Frankl)? Você identifica o grito de fome das pessoas que
necessitam do alimento da sua presença junto a elas?
Andando pelo meio da multidão
faminta, André descobriu um menino que tinha em sua bolsa cinco pães e dois
peixes: “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que
é isso para tanta gente?” (Jo 6,9). “Pães de cevada” – eles estavam presentes
na narrativa de Elias e reaparecem agora no Evangelho. Só os pobres comem pão
de cevada. Portanto, esse menino era pobre. E nós dizemos que, se tivéssemos
muito dinheiro, acabaríamos com a fome que há no mundo. Puro engano. Há coisas
em nossa vida que o dinheiro não pode comprar, nem alimentar, nem resolver.
“Jesus tomou os pães, deu graças e
distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com
os peixes” (Jo 6,11). Os mesmos olhos de Jesus, que se levantaram para enxergar
a multidão faminta (v.5), foram os olhos que se elevaram ao Pai para agradecer
pelos cinco pães e pelos dois peixes: “Todos os olhos, ó Senhor, em vós esperam
e vós lhes dais no tempo certo o alimento; vós abris a vossa mão prodigamente e
saciais todo ser vivo com fartura” (Sl 145,15-16). Nós temos o hábito de
agradecer a Deus pelo alimento que temos em nossa mesa? Depois de ter saciado
aquela imensa multidão, Jesus orientou os discípulos: “Recolhei os pedaços que
sobraram, para que nada se perca!” (Jo 6,12). Eis aqui outra causa da fome no
mundo: o desperdício de alimento. “Mais de 1 bilhão de refeições vão parar no
lixo diariamente no mundo; número é maior que o de pessoas que passam fome”
(G1). Outra forma de entender o desperdício: quanto tempo desperdiçado diante
do celular, dos jogos eletrônicos ou da TV? Quantas ocasiões desperdiçadas que
poderiam diminuir distâncias e favorecer o reencontro?
Após ter sido saciada pela partilha que
Jesus realizou, a multidão quis proclamá-lo rei. “Mas, quando notou que estavam
querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para
o monte” (Jo 6,15). Sempre que quisermos transferir para Jesus
responsabilidades que são nossas, ele vai se retirar e nos deixar falando
sozinhos. Ele pode transformar toda e qualquer situação da nossa vida, desde
que estejamos dispostos a fazer a nossa parte, a colocar em comum nossos cinco
pães e nossos dois peixes. Todo e qualquer milagre exige a nossa participação,
a nossa fé, a nossa disposição de mudar de atitude e o nosso esforço em colocar
algo da nossa parte para alimentar aquilo que não queremos que morra.
Enfim, não nos esqueçamos do apelo do
apóstolo Paulo: “Aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vínculo da
paz” (Ef 4,3). Ao invés de alimentarmos brigas e discussões, alimentemos diálogo,
respeito, perdão, aproximação e reconciliação, na família, no ambiente de
trabalho, em nossas comunidades paroquiais, nas escolas/faculdades, na vida do
dia a dia.
Naquele tempo, na China, um discípulo
perguntou ao mestre: - "Mestre, qual a diferença entre o Céu e o
inferno?" E o mestre respondeu: - "É muito pequena, mas com grandes
consequências." E o mestre explicou: - "Vi um grande monte de arroz,
cozido e preparado como alimento. Ao redor dele, havia muitos homens, quase
morrendo de fome. Eles não podiam se aproximar do monte de arroz, mas possuíam
longos palitos de 2 a 3 metros de comprimento. No entanto, embora conseguissem
apanhar o arroz, não conseguiam levá-lo até à boca porque os palitos, em suas
mãos, eram longos demais. Assim, famintos e moribundos, embora juntos,
permaneciam SOLITÁRIOS, curtindo uma fome eterna, diante de uma fartura
inesgotável. Meu amigo: isto é o inferno."
E o mestre prosseguiu: - "Vi outro
grande monte de arroz, cozido e preparado como alimento. Ao redor dele, havia,
também, muitos homens e mulheres famintos, mas cheios de vitalidade. Eles,
também, não podiam se aproximar do monte de arroz, pois possuíam longos palitos
de 2 a 3 metros de comprimento. Eles, também, encontravam as mesmas
dificuldades para levar à própria boca o arroz, já que os palitos eram longos
demais. Porém, eis a grande novidade: com seus longos palitos, em vez de
levarem à própria boca, eles serviam o arroz uns aos outros. Dessa forma, numa
grande comunhão fraterna, juntos e SOLIDÁRIOS, matavam sua fome. Meu amigo:
isso é o Céu."
Pe. Paulo Cezar Mazzi