quinta-feira, 27 de junho de 2024

PERTENCER A UMA IGREJA QUE NADA TEM A DIZER AO MUNDO ATUAL

 Missa de São Pedro e São Paulo. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 12,1-11; 2Timóteo 4,6-8.17-18; Mateus 16,13-19.

 

            “Creio na Santa Igreja Católica”. A fé na Igreja Católica está em pleno declínio no mundo atual, seja por causa dos escândalos humanos da mesma, seja por causa de uma fé no estilo “faça você mesmo” (muitas pessoas buscam ligar-se a Deus “diretamente”, sem a mediação da Igreja), seja também pela constante necessidade de experimentar fortes emoções, oferecidas pelas inúmeras igrejas neopentecostais. Além disso, muitos se recusam a proclamar que a Igreja Católica é Santa, por não entenderem que a santidade dela provém do seu Esposo, Jesus Cristo: “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de purificá-la... para apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha..., santa e irrepreensível” (Ef 5,25-27).

            A festa dos Apóstolos São Pedro e São Paulo é ocasião para tomarmos consciência da nossa pertença à Igreja que Jesus Cristo fundou sobre os apóstolos: “Já não sois estrangeiros e imigrantes, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus. Estais edificados sobre fundamento dos apóstolos e profetas, do qual Jesus Cristo é a pedra principal” (Ef 2,19-20). Em um mundo onde as certezas se tornam líquidas e escorrem pelo vão dos nossos dedos, nós temos um fundamento sólido: a nossa pertença àquela que Jesus chamou de “minha Igreja” (Mt 16,18). Essa pertença nasceu de uma escolha divina: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi” (Jo 15,16).

            Pertencer à Igreja que Jesus fundou sobre os apóstolos não é privilégio, mas responsabilidade, pois Jesus fundou a Igreja para salvar o mundo e não para manter-se distante dele. Se muitas pessoas hoje são indiferentes à Igreja é também porque nós, Igreja, não nos fazemos presentes na vida dessas pessoas, sobretudo na hora em que essa presença é mais necessária: a hora da dor. Aqui é importante recordar essa verdade: “A Igreja que vai salvar o mundo não é aquela em que você está indo, mas aquela que você está sendo” (autor desconhecido).

            A verdadeira Igreja fundada por Jesus Cristo não desfruta do reconhecimento do mundo; muito pelo contrário, sofre o desprezo, a rejeição e, sobretudo, a perseguição do mundo: “o rei Herodes prendeu alguns membros da Igreja, para torturá-los” (At 12,1). Houve um período em que o mundo se dobrava à Igreja (época da Cristandade), mas esse período passou e não voltará mais. Hoje temos que estar conscientes de que ser católico significa pertencer a uma Igreja que diminuirá cada vez mais e se tornará cada vez mais insignificante para as pessoas. A prova disso é a opinião que os jovens têm da nossa Igreja: ela não diz nada para a vida deles.

            Eis a grande diferença entre nós, Igreja do século XXI e a Igreja do século I: lá ela sofria perseguição; hoje ela “sofre” com a indiferença das pessoas. Lá, “enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja rezava continuamente a Deus por ele” (At 12,5); hoje grupos católicos conservadores atacam o Papa Francisco nas redes sociais. São pessoas que viraram as costas para esta verdade dita por Jesus: “Quem vos ouve a mim ouve, quem vos despreza a mim despreza, e quem me despreza, despreza aquele que me enviou” (Lc 10,16). Criticam tudo o que o Papa Francisco fala ou escreve, mas acolhem cegamente tudo o que seus “mentores espirituais” (os “guias cegos” de Mt 15,14) publicam nas redes sociais diariamente. Na prática, não são seguidoras de Jesus Cristo, mas do padre “A”, da irmã “B”, do instituto “C”, da Fundação “D”.

            Ao confirmar Pedro como líder da sua Igreja, Jesus garantiu que o poder do inferno nunca poderá vencê-la (cf. Mt 16,18). O poder do inferno tem nome: chama-se “diabo”, o divisor. Quando católicos alimentam divisões na Igreja, estão se comportando como pessoas diabólicas, esquecendo o que Jesus afirmou: “Se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não poderá subsistir. E se uma casa se dividir contra si mesma, tal casa não poderá se manter” (Mc 3,24-25).

            Olhemos para o exemplo do apóstolo Paulo. Depois de ter dedicado sua vida ao anúncio do Evangelho entre os pagãos, estando preso e sentindo-se próximo do martírio, declarou: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé” (2Tm 4,7). Pertencer à Igreja de Jesus Cristo significa “combater o bom combate”, isto é, lutar contra seus próprios pecados; lutar pela unidade da Igreja; lutar para salvar o maior número de pessoas possível. Pertencer à Igreja de Jesus Cristo também significa “completar a corrida”: independente dos tropeços e das quedas nossos e dos outros, devemos nos levantar e continuar a corrida, até alcançarmos a meta que nos foi proposta. Enfim, pertencer à Igreja de Jesus Cristo significa “guardar a fé”: mesmo diante dos escândalos humanos da Igreja, mesmo diante da indiferença do mundo atual, das perseguições e sofrendo por causa do Evangelho, guardar, conservar, manter a fé: “Nós não somos desertores, para a perdição. Somos homens de fé, para a conservação da nossa vida” (Hb 10,39).

São Pedro e São Paulo, rogai por nós!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 20 de junho de 2024

FÉ NÃO É BLINDAGEM CONTRA A TEMPESTADE, MAS FORÇA PARA ENFRENTÁ-LA

 Missa do 12º dom. comum. Palavra de Deus: Jó 38,1.8-11; 2Coríntios 5,14-17; Marcos 4,35-41.

 

            Tempestade: quem nunca teve que enfrentar uma, chegará a hora em que terá de fazê-lo, pois ninguém atravessa o mar da vida sem ter que lidar em algum momento com uma tempestade. No mundo atual não faltam tempestades: guerras, conflitos, dificuldades econômicas, doenças, separações, perdas etc. O problema das tempestades não é só a angústia que elas nos causam, mas a sensação de que estamos sozinhos, a sensação de que Deus nos abandonou na hora em que mais precisávamos d’Ele. Muitas pessoas têm a sensação de que Deus abandonou a humanidade a si mesma.

            Jó viveu tranquilo por muito tempo em sua vida, com sua família, seus bens materiais e sua saúde. A impressão que dava para algumas pessoas é a de que Deus havia construído um muro ao redor de Jó, de modo que nada de mal acontecia a ele e à sua família; nenhuma tempestade os atingia. No entanto, Deus permitiu que esse muro caísse e Jó teve que enfrentar duas grandes tempestades: a perda dos bens materiais, juntamente com todos os seus filhos, e a perda da sua saúde. Sofrendo absurdamente, Jó passou a questionar uma crença que haviam lhe ensinado: a de que as tempestades só atingem as pessoas que vivem longe de Deus, o que não é verdade. O próprio Jesus deixaria claro, muito tempo depois, que, tanto a casa que foi construída sobre a areia como aquela que foi construída sobre a rocha, terão que enfrentar tempestades (cf. Mt 7,24-27).

            “O Senhor respondeu a Jó, do meio da tempestade” (Jo 38,1). Deus fala conosco em nossas tempestades. Ele sempre tem algo a nos dizer, a partir das tempestades que investem contra nós. O problema é silenciar o coração para ouvi-Lo; o problema é aceitar o que Ele quer nos ensinar nos momentos de tempestade, e um dos ensinamentos mais difíceis de aceitarmos é tomar consciência de que algumas tempestades são produzidas por nós mesmos, seja por causa de atitudes erradas, seja por falta de atitude, seja pela maneira como lidamos com as dificuldades da vida, fazendo tempestade em copo d’água, como se diz.

            A resposta que Deus deu a Jó pode ser traduzida dessa forma: “Eu coloquei um limite para o mar tempestuoso da sua vida. Quando eu permito que uma tempestade se lance sobre a vida de uma pessoa, eu a acompanho e a ajudo, porque sei do limite da sua capacidade de suportar a tempestade. Se eu permito os ventos contrários é para que a própria pessoa verifique o quanto ela mesma está levando a sério a travessia que desejou fazer até a outra margem. Além disso, eu, o Senhor, tenho o poder de usar também dos ventos contrários para conduzir você ao porto”.

            Da tempestade de Jó passamos agora para a tempestade que os discípulos e o próprio Jesus tiveram que enfrentar, enquanto passavam para a outra margem do mar da Galileia. Dois detalhes são importantes, nessa narrativa. O primeiro é o horário: “Ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: ‘Vamos para a outra margem!’” (Mc 4,35). O cair da tarde é a chegada da noite, onde não enxergamos direito onde estamos, nem o que está nos acontecendo. Se Deus é luz, a chegada da noite nos fala do sentimento de ausência d’Ele em nossa vida: Deus escondeu de nós o seu rosto; não fala mais conosco; parece ter nos abandonado a nós mesmos. Muitas pessoas estão vivendo uma noite que parece nunca terminar...

            Outro detalhe importante no Evangelho que ouvimos é o próprio mar: ele simboliza na Bíblia as forças do mal, forças que investem contra o ser humano e contra as quais ele nada pode. As forças do mal têm ceifado vidas, provocado inúmeros sofrimentos na humanidade, destruído famílias, a ponto de muitas pessoas desistirem de remarem contra a maré e deixarem a barca de sua vida ser engolida pela tempestade que se abateu sobre elas. Contudo, na barca da vida de quem crê está Jesus: os discípulos “levaram Jesus consigo (...) na barca” (Mc 4,36). E aqui o Evangelho nos torna conscientes de que a presença de Jesus junto a nós não significa ter uma vida poupada de tempestades, uma vida onde o vento sempre sopre a favor. Quem decide seguir Jesus deve se preparar para enfrentar os ventos contrários de um mundo contrário ao Evangelho.

            “Jesus estava na parte de trás, dormindo” (Mc 4,38). É aqui que a nossa fé entra em crise: sentir a ausência de Deus na hora em que mais precisamos d’Ele. Muitos homens de fé experimentaram essa aparente indiferença de Deus diante do sofrimento da humanidade: “Desperta! Por que dormes, Senhor? Levanta-te! Não nos rejeites até o fim! Por que escondes tua face, esquecendo nossa opressão e nossa miséria? (...) Levanta-te! Socorre-nos! Resgata-nos, por causa do teu amor!” (Sl 44,24-25.27). Mas o dormir de Jesus não é sinal de “ausência” junto aos discípulos e sim de absoluta confiança no Pai: “O teu guarda jamais dormirá! Sim, não dorme nem cochila o guarda de Israel” (Sl 121,3-4). Jesus dorme porque sabe que o Pai está conduzindo a barca na qual ele e seus discípulos se encontram.

            Diferente de Jesus, os discípulos entram em desespero e expressam a sua falta de fé em Jesus e no Pai: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” (Mc 4,38). No coração de muitas pessoas a fé deu lugar à descrença. A única certeza que elas têm é a de que Deus não se importa com o sofrimento pela qual estão passando. O medo e a angústia que se levantam em nosso coração, nos momentos de tempestade, nos fazem esquecer-nos das palavras do salmo que rezamos há pouco: “gritaram ao Senhor na aflição, e ele os libertou daquela angústia. Transformou a tempestade em bonança, e as ondas do oceano se calaram” (Sl 107,28-29).

            Jesus “se levantou e ordenou ao vento e ao mar: ‘Silêncio! Cala-te!’ O ventou cessou e houve uma grande calmaria. Então Jesus perguntou aos discípulos: ‘Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?’” (Mc 4,39-40). Enquanto nós entendemos a fé como garantia de que nenhuma tempestade nos atingirá, Jesus nos ensina que a fé é força para enfrentar os ventos contrários e não deixar de fazer a travessia para a outra margem só porque uma tempestade resolveu se levantar contra nós. Por esperarem de Jesus uma garantia de ausência de tempestade em sua vida, muitas pessoas decidiram pular fora do barco de Jesus, por ele não ter impedido a tempestade.

            Voltemos ao início do Evangelho: Jesus deseja que atravessemos para a outra margem. Essa travessia é necessária para a salvação nossa e daquilo que nós amamos. Nós somos livres e devemos fazer uma escolha: ficar na margem em que nos encontramos, para não termos que lidar com os ventos contrários, ou entrar na barca de Jesus e confiar que Ele tem o poder de ordenar ao vento e ao mar que se calem, que se acalmem, que não nos impeçam de chegar à outra margem. É hora de decidir.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 13 de junho de 2024

EM LUGAR DA ANSIEDADE E DO IMEDIATISMO, CONFIANÇA E ESPERANÇA NO AGIR DE DEUS

 Missa do 11º. Dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 17,22-24; 2Coríntios 5,6-10; Marcos 4,26-34

 

            Como anda a nossa confiança em Deus? No momento em que o povo de Israel está exilado na Babilônia e o rei Nabucodonosor parece mandar no mundo, Deus promete retirar um galho do cedro mais alto, plantá-lo e cultivá-lo, na certeza de que “ele produzirá folhagem, dará frutos e se tornará um cedro majestoso” (Ez 17,23). Ora, plantar um galho e cultivá-lo, até que ele se torne um “cedro majestoso” leva tempo. Deus nos convida a confiar que Ele está agindo em nossa vida e na história do mundo. A nossa vida não está nas mãos dos homens, mas de Deus, cuja Palavra nos devolve confiança e esperança: “Eu sou o Senhor, que abaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa; faço secar a árvore verde e brotar a árvore seca. Eu, o Senhor, digo e faço” (Ez 17,24). A árvore alta – pessoa soberba e autossuficiente (Nabucodonosor) – será rebaixada, e a árvore baixa – pessoa humilde e pobre, que não tem em quem se apoiar, a não ser em Deus (Israel) – será elevada – socorrida pelo próprio Deus. 

            “Faço secar a árvore verde e brotar a árvore seca. Eu, o Senhor, digo e faço” (Ez 17,24). Essas palavras falam da justiça de Deus. Se algo está verde (vivo e forte) em nós e no mundo, mas às custas da injustiça e do sofrimento de outras pessoas, isso secará, porque as raízes não estão firmadas na verdade e na justiça de Deus. Por outro lado, aquilo que está seco em nós e no mundo pode voltar a brotar, desde que confiemos em Deus, nos esforcemos em viver segundo a sua vontade e não desistamos de esperar n’Ele, até que cumpra a sua Palavra: “Eu, o Senhor, digo e faço”.

            Olhemos para a árvore que somos; olhemos para a árvore da nossa vida: quais galhos estão secos? Quais áreas da nossa vida aparentam estar mortas? Nós confiamos que Deus pode fazer brotar a árvore seca? Nós esperamos em Deus, até que aquilo que aparentemente morreu volte a viver em nós? Depois de 50 anos no exílio, Israel foi liberto e voltou para a sua terra, e ali pôde reconstruir sua vida. Deus cumpriu sua Palavra. Aquilo que estava seco voltou a brotar. Qualquer que seja o nosso exílio neste momento, precisamos fortalecer nossa confiança e esperança no Senhor, que pode transformar a morte em vida.

            Jesus, através da parábola da semente que germina por si mesma, revela que a ação de Deus se dá tanto no silêncio da noite quanto no barulho do dia, e por mais que o mundo pareça ter força para matar toda a nossa esperança, por fim triunfará a vontade de Deus, vontade de salvação para a humanidade. A nossa ansiedade e o nosso imediatismo nos fazem viver correndo de um lado para o outro e nos enchem de angústia, porque, no fim, nos damos conta de que muitas vezes nadamos, nadamos, e acabamos por morrer na praia. No entanto, Jesus nos garante: a semente que lançamos no chão da nossa vida germina e cresce silenciosamente, sem o nosso controle, sem a necessidade da alguma intervenção da nossa parte. Em outras palavras, a nós cabe lançar a semente; o resto é por conta de Deus.

            É muito comum nós reclamarmos da falta de frutos na árvore da nossa vida. Mas a pergunta é: nós estamos lançando as sementes dos frutos que desejamos colher? Além disso, precisamos nos perguntar se nós respeitamos o tempo de Deus. Existe um processo a ser respeitado, desde quando a semente começa a germinar, até a planta se formar, crescer, para então produzir fruto. Nossa ansiedade e nosso imediatismo não têm o poder de forçar Deus a agir ou a apressar as coisas. Tudo tem seu tempo certo para acontecer.

Enfim, Jesus nos convida a rever a nossa forma de enxergar a ação de Deus em nossa história. Ela não se dá de forma espetacular ou grandiosa, mas acontece na rotina das pequenas coisas do nosso dia a dia. A imagem do grão de mostarda, a menor de todas as sementes, quer corrigir em nós a imagem que temos de Deus. Se nós damos importância ao grande, Deus valoriza o pequeno; se nós queremos nos sentir fortes, Deus se encontra naquilo que é fraco; se nós deixamos de ter pequenas atitudes para melhorar a nossa vida porque achamos que elas são insuficientes e não servem para nada, Deus nos mostra que as mudanças que desejamos não acontecem justamente porque não damos os pequenos passos que poderíamos dar; desse modo, a nossa vida não tem como sair do lugar.

Cada um de nós tem minúsculas sementes de mostarda guardadas dentro de si, esperando para serem lançada no chão da nossa vida. Jesus nos convida a lançar essas sementes, a confiar e a esperar, na certeza de que o Pai está agindo constantemente no coração de quem não se cansa de fazer o bem, de trabalhar e lutar por uma vida melhor, por uma Igreja melhor e também por uma humanidade melhor. Em suma, não nos esqueçamos dessa verdade bíblica: “Os que semeiam entre lágrimas, colherão com alegria” (Sl 126,5).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 7 de junho de 2024

TODOS OS NOSSOS PECADOS TÊM PERDÃO, COM EXCEÇÃO DE UM.

 Missa do 10º dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 3,9-15; 2Coríntios 4,13 – 5,1; Marcos 3,20-35.

 

            O Senhor Deus dirige a nós hoje a mesma pergunta que dirigiu a Adão: “Onde você está?” (Gn 3,9). Ora, Deus sabe todas as coisas e nos conhece por dentro. Por que Ele nos perguntaria “onde” nós estamos? Exatamente para tomarmos consciência do quê estamos fazendo conosco e com a vida que Ele nos deu. Diante dessa pergunta, Adão reconheceu que havia pecado, que estava tentando se esconder de Deus e que sentia vergonha da sua nudez.

            Onde eu estou nesse momento? Como estou lidando com os meus afetos e desejos? Como está minha vida familiar, profissional e espiritual? Eu estou em estado de pecado, de oposição à vontade de Deus, ou estou procurando viver segundo Sua vontade? Eu tenho consciência de que pecar significa fazer o que é mal aos olhos de Deus (cf. Sl 51,6), mesmo que aquilo pareça bom aos meus olhos? Adão transferiu a responsabilidade do seu pecado a Eva, e esta, por sua vez, à serpente. Eu assumo a responsabilidade pela minha vida, pelos meus atos, ou tenho a mania de transferir para os outros a responsabilidade por minha vida não estar dando certo?

            Todos nós pecamos. “A serpente me enganou e eu comi” (Gn 3,13). Todos nós nos enganamos, achando que aquilo que demos permissão para que entrasse em nossa vida nos fizesse feliz, mas só nos deu um momento de prazer que, depois, aumentou o nosso vazio e a nossa frustração. Aliás, a grande porta de entrada para o pecado em nossa vida é não saber lidar com a frustração. Por não estarmos dispostos a aprender a lidar com a frustração, assim que ela aparece buscamos formas erradas de compensá-la, fazendo mal a nós mesmos e aos outros. Não esqueçamos que a propaganda e as redes sociais despertam em nós constantes sentimentos de frustração, quando a verdade é uma só: “A felicidade não depende do que não temos, mas do bom uso que fazemos daquilo que temos” (provérbio chinês).

            Jesus nos dá uma grande consolação no Evangelho de hoje: “Tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito” (Mc 3,28). Também o salmista afirma: “Em vós se encontra o perdão” (Sl 130,4); “no Senhor se encontra toda graça e copiosa redenção. Ele vem libertar a Israel de toda a sua culpa” (Sl 130,7-8). Nenhum pecado nos aprisiona para sempre, a menos que nada façamos para nos libertar dele. Além disso, aquilo que não podemos o Senhor pode: “onde foi grande o pecado, muito maior foi a graça” (Rm 5,20); onde eu sou derrotado pelo meu pecado, ali a graça de Deus pode agir e me libertar do domínio do pecado.  

            Contudo, o mesmo Jesus que afirmou: “Tudo será perdoado aos homens” (Mc 2,28), também nos advertiu: “Quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno” (Mc 2,29). E São Marcos evangelista explica: “Jesus falou isso, porque diziam: ‘Ele está possuído por um espírito mau’” (Mc 2,30). Quando Jesus iniciou sua missão, disse: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção” (Lc 4,18). Se Jesus “passou por este mundo fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo diabo” (At 10,37), foi porque Ele estava investido do poder do Espírito Santo. Atribuir ao espírito do mal uma obra que foi realizada pelo Espírito Santo é um pecado que não tem perdão.

            A melhor forma de compreendermos o que é esse pecado que não tem perdão é recordar a função do Espírito Santo em relação ao mundo: “Quando o Espírito Santo vier, convencerá o mundo a respeito do pecado” (cf. Jo 16,8). Quando o Espírito Santo, o “Espírito da Verdade” (Jo 16,13) me convence de que eu estou errado, e a minha atitude de pecado está me afastando de Deus, e mesmo assim eu não aceito a Verdade do Espírito Santo e insisto em permanecer na mentira do meu pecado, estou me excluindo da salvação.

            Uma última palavra: o pecado entra em nós pelos olhos. Enquanto o apóstolo Paulo afirmou: “Voltamos os nossos olhares para as coisas invisíveis e não para as coisas visíveis. Pois o que é visível é passageiro, mas o que é invisível é eterno” (2Cor 4,18), a nossa geração só enxerga o que é ilusório, transitório e passageiro, mantendo-se cega para o que é invisível e eterno. Constantemente nossos olhos vivem distraídos pelas mentiras e seduções que o mundo inventa para desviar o nosso olhar d’Aquele que é “o Invisível” (Hb 11,27), “o Deus escondido” (Is 45,15). Portanto, se queremos nos libertar das armadilhas do pecado, precisamos reeducar os nossos olhos, a nossa maneira de ver a vida: como entendemos o nosso envelhecimento (a ruína do “homem exterior”), as tribulações momentâneas e a tenda temporária em que habitamos. O nosso olhar precisa “levantar-se” e se tornar capaz de enxergar nossa própria interioridade, a glória eterna que nos aguarda e a moradia no céu, construída pelo próprio Deus, para aqueles que buscam viver segundo a Sua vontade.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi