Missa do 12º dom. comum. Palavra de Deus: Jó 38,1.8-11; 2Coríntios 5,14-17; Marcos 4,35-41.
Tempestade: quem nunca teve que
enfrentar uma, chegará a hora em que terá de fazê-lo, pois ninguém atravessa o
mar da vida sem ter que lidar em algum momento com uma tempestade. No mundo
atual não faltam tempestades: guerras, conflitos, dificuldades econômicas, doenças,
separações, perdas etc. O problema das tempestades não é só a angústia que elas
nos causam, mas a sensação de que estamos sozinhos, a sensação de que Deus nos
abandonou na hora em que mais precisávamos d’Ele. Muitas pessoas têm a sensação
de que Deus abandonou a humanidade a si mesma.
Jó viveu tranquilo por muito tempo
em sua vida, com sua família, seus bens materiais e sua saúde. A impressão que
dava para algumas pessoas é a de que Deus havia construído um muro ao redor de
Jó, de modo que nada de mal acontecia a ele e à sua família; nenhuma tempestade
os atingia. No entanto, Deus permitiu que esse muro caísse e Jó teve que
enfrentar duas grandes tempestades: a perda dos bens materiais, juntamente com
todos os seus filhos, e a perda da sua saúde. Sofrendo absurdamente, Jó passou
a questionar uma crença que haviam lhe ensinado: a de que as tempestades só
atingem as pessoas que vivem longe de Deus, o que não é verdade. O próprio
Jesus deixaria claro, muito tempo depois, que, tanto a casa que foi construída
sobre a areia como aquela que foi construída sobre a rocha, terão que enfrentar
tempestades (cf. Mt 7,24-27).
“O Senhor respondeu a Jó, do meio da
tempestade” (Jo 38,1). Deus fala conosco em nossas tempestades. Ele sempre tem
algo a nos dizer, a partir das tempestades que investem contra nós. O problema
é silenciar o coração para ouvi-Lo; o problema é aceitar o que Ele quer nos ensinar
nos momentos de tempestade, e um dos ensinamentos mais difíceis de aceitarmos é
tomar consciência de que algumas tempestades são produzidas por nós mesmos,
seja por causa de atitudes erradas, seja por falta de atitude, seja pela
maneira como lidamos com as dificuldades da vida, fazendo tempestade em copo d’água,
como se diz.
A resposta que Deus deu a Jó pode
ser traduzida dessa forma: “Eu coloquei um limite para o mar tempestuoso da sua
vida. Quando eu permito que uma tempestade se lance sobre a vida de uma pessoa,
eu a acompanho e a ajudo, porque sei do limite da sua capacidade de suportar a
tempestade. Se eu permito os ventos contrários é para que a própria pessoa
verifique o quanto ela mesma está levando a sério a travessia que desejou fazer
até a outra margem. Além disso, eu, o Senhor, tenho o poder de usar também dos
ventos contrários para conduzir você ao porto”.
Da tempestade de Jó passamos agora
para a tempestade que os discípulos e o próprio Jesus tiveram que enfrentar, enquanto
passavam para a outra margem do mar da Galileia. Dois detalhes são importantes,
nessa narrativa. O primeiro é o horário: “Ao cair da tarde, Jesus disse a seus
discípulos: ‘Vamos para a outra margem!’” (Mc 4,35). O cair da tarde é a
chegada da noite, onde não enxergamos direito onde estamos, nem o que está nos acontecendo.
Se Deus é luz, a chegada da noite nos fala do sentimento de ausência d’Ele em
nossa vida: Deus escondeu de nós o seu rosto; não fala mais conosco; parece ter
nos abandonado a nós mesmos. Muitas pessoas estão vivendo uma noite que parece
nunca terminar...
Outro detalhe importante no
Evangelho que ouvimos é o próprio mar: ele simboliza na Bíblia as forças do
mal, forças que investem contra o ser humano e contra as quais ele nada pode.
As forças do mal têm ceifado vidas, provocado inúmeros sofrimentos na
humanidade, destruído famílias, a ponto de muitas pessoas desistirem de remarem
contra a maré e deixarem a barca de sua vida ser engolida pela tempestade que
se abateu sobre elas. Contudo, na barca da vida de quem crê está Jesus: os discípulos
“levaram Jesus consigo (...) na barca” (Mc 4,36). E aqui o Evangelho nos torna
conscientes de que a presença de Jesus junto a nós não significa ter uma vida
poupada de tempestades, uma vida onde o vento sempre sopre a favor. Quem decide
seguir Jesus deve se preparar para enfrentar os ventos contrários de um mundo
contrário ao Evangelho.
“Jesus estava na parte de trás,
dormindo” (Mc 4,38). É aqui que a nossa fé entra em crise: sentir a ausência de
Deus na hora em que mais precisamos d’Ele. Muitos homens de fé experimentaram
essa aparente indiferença de Deus diante do sofrimento da humanidade: “Desperta!
Por que dormes, Senhor? Levanta-te! Não nos rejeites até o fim! Por que
escondes tua face, esquecendo nossa opressão e nossa miséria? (...) Levanta-te!
Socorre-nos! Resgata-nos, por causa do teu amor!” (Sl 44,24-25.27). Mas o dormir
de Jesus não é sinal de “ausência” junto aos discípulos e sim de absoluta
confiança no Pai: “O teu guarda jamais dormirá! Sim, não dorme nem cochila o
guarda de Israel” (Sl 121,3-4). Jesus dorme porque sabe que o Pai está
conduzindo a barca na qual ele e seus discípulos se encontram.
Diferente de Jesus, os discípulos
entram em desespero e expressam a sua falta de fé em Jesus e no Pai: “Mestre,
estamos perecendo e tu não te importas?” (Mc 4,38). No coração de muitas
pessoas a fé deu lugar à descrença. A única certeza que elas têm é a de que
Deus não se importa com o sofrimento pela qual estão passando. O medo e a
angústia que se levantam em nosso coração, nos momentos de tempestade, nos
fazem esquecer-nos das palavras do salmo que rezamos há pouco: “gritaram ao
Senhor na aflição, e ele os libertou daquela angústia. Transformou a tempestade
em bonança, e as ondas do oceano se calaram” (Sl 107,28-29).
Jesus “se levantou e ordenou ao
vento e ao mar: ‘Silêncio! Cala-te!’ O ventou cessou e houve uma grande
calmaria. Então Jesus perguntou aos discípulos: ‘Por que sois tão medrosos? Ainda
não tendes fé?’” (Mc 4,39-40). Enquanto nós entendemos a fé como garantia de
que nenhuma tempestade nos atingirá, Jesus nos ensina que a fé é força para
enfrentar os ventos contrários e não deixar de fazer a travessia para a outra
margem só porque uma tempestade resolveu se levantar contra nós. Por esperarem
de Jesus uma garantia de ausência de tempestade em sua vida, muitas pessoas
decidiram pular fora do barco de Jesus, por ele não ter impedido a tempestade.
Voltemos ao início do Evangelho:
Jesus deseja que atravessemos para a outra margem. Essa travessia é necessária
para a salvação nossa e daquilo que nós amamos. Nós somos livres e devemos
fazer uma escolha: ficar na margem em que nos encontramos, para não termos que
lidar com os ventos contrários, ou entrar na barca de Jesus e confiar que Ele
tem o poder de ordenar ao vento e ao mar que se calem, que se acalmem, que não
nos impeçam de chegar à outra margem. É hora de decidir.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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