quinta-feira, 20 de junho de 2024

FÉ NÃO É BLINDAGEM CONTRA A TEMPESTADE, MAS FORÇA PARA ENFRENTÁ-LA

 Missa do 12º dom. comum. Palavra de Deus: Jó 38,1.8-11; 2Coríntios 5,14-17; Marcos 4,35-41.

 

            Tempestade: quem nunca teve que enfrentar uma, chegará a hora em que terá de fazê-lo, pois ninguém atravessa o mar da vida sem ter que lidar em algum momento com uma tempestade. No mundo atual não faltam tempestades: guerras, conflitos, dificuldades econômicas, doenças, separações, perdas etc. O problema das tempestades não é só a angústia que elas nos causam, mas a sensação de que estamos sozinhos, a sensação de que Deus nos abandonou na hora em que mais precisávamos d’Ele. Muitas pessoas têm a sensação de que Deus abandonou a humanidade a si mesma.

            Jó viveu tranquilo por muito tempo em sua vida, com sua família, seus bens materiais e sua saúde. A impressão que dava para algumas pessoas é a de que Deus havia construído um muro ao redor de Jó, de modo que nada de mal acontecia a ele e à sua família; nenhuma tempestade os atingia. No entanto, Deus permitiu que esse muro caísse e Jó teve que enfrentar duas grandes tempestades: a perda dos bens materiais, juntamente com todos os seus filhos, e a perda da sua saúde. Sofrendo absurdamente, Jó passou a questionar uma crença que haviam lhe ensinado: a de que as tempestades só atingem as pessoas que vivem longe de Deus, o que não é verdade. O próprio Jesus deixaria claro, muito tempo depois, que, tanto a casa que foi construída sobre a areia como aquela que foi construída sobre a rocha, terão que enfrentar tempestades (cf. Mt 7,24-27).

            “O Senhor respondeu a Jó, do meio da tempestade” (Jo 38,1). Deus fala conosco em nossas tempestades. Ele sempre tem algo a nos dizer, a partir das tempestades que investem contra nós. O problema é silenciar o coração para ouvi-Lo; o problema é aceitar o que Ele quer nos ensinar nos momentos de tempestade, e um dos ensinamentos mais difíceis de aceitarmos é tomar consciência de que algumas tempestades são produzidas por nós mesmos, seja por causa de atitudes erradas, seja por falta de atitude, seja pela maneira como lidamos com as dificuldades da vida, fazendo tempestade em copo d’água, como se diz.

            A resposta que Deus deu a Jó pode ser traduzida dessa forma: “Eu coloquei um limite para o mar tempestuoso da sua vida. Quando eu permito que uma tempestade se lance sobre a vida de uma pessoa, eu a acompanho e a ajudo, porque sei do limite da sua capacidade de suportar a tempestade. Se eu permito os ventos contrários é para que a própria pessoa verifique o quanto ela mesma está levando a sério a travessia que desejou fazer até a outra margem. Além disso, eu, o Senhor, tenho o poder de usar também dos ventos contrários para conduzir você ao porto”.

            Da tempestade de Jó passamos agora para a tempestade que os discípulos e o próprio Jesus tiveram que enfrentar, enquanto passavam para a outra margem do mar da Galileia. Dois detalhes são importantes, nessa narrativa. O primeiro é o horário: “Ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: ‘Vamos para a outra margem!’” (Mc 4,35). O cair da tarde é a chegada da noite, onde não enxergamos direito onde estamos, nem o que está nos acontecendo. Se Deus é luz, a chegada da noite nos fala do sentimento de ausência d’Ele em nossa vida: Deus escondeu de nós o seu rosto; não fala mais conosco; parece ter nos abandonado a nós mesmos. Muitas pessoas estão vivendo uma noite que parece nunca terminar...

            Outro detalhe importante no Evangelho que ouvimos é o próprio mar: ele simboliza na Bíblia as forças do mal, forças que investem contra o ser humano e contra as quais ele nada pode. As forças do mal têm ceifado vidas, provocado inúmeros sofrimentos na humanidade, destruído famílias, a ponto de muitas pessoas desistirem de remarem contra a maré e deixarem a barca de sua vida ser engolida pela tempestade que se abateu sobre elas. Contudo, na barca da vida de quem crê está Jesus: os discípulos “levaram Jesus consigo (...) na barca” (Mc 4,36). E aqui o Evangelho nos torna conscientes de que a presença de Jesus junto a nós não significa ter uma vida poupada de tempestades, uma vida onde o vento sempre sopre a favor. Quem decide seguir Jesus deve se preparar para enfrentar os ventos contrários de um mundo contrário ao Evangelho.

            “Jesus estava na parte de trás, dormindo” (Mc 4,38). É aqui que a nossa fé entra em crise: sentir a ausência de Deus na hora em que mais precisamos d’Ele. Muitos homens de fé experimentaram essa aparente indiferença de Deus diante do sofrimento da humanidade: “Desperta! Por que dormes, Senhor? Levanta-te! Não nos rejeites até o fim! Por que escondes tua face, esquecendo nossa opressão e nossa miséria? (...) Levanta-te! Socorre-nos! Resgata-nos, por causa do teu amor!” (Sl 44,24-25.27). Mas o dormir de Jesus não é sinal de “ausência” junto aos discípulos e sim de absoluta confiança no Pai: “O teu guarda jamais dormirá! Sim, não dorme nem cochila o guarda de Israel” (Sl 121,3-4). Jesus dorme porque sabe que o Pai está conduzindo a barca na qual ele e seus discípulos se encontram.

            Diferente de Jesus, os discípulos entram em desespero e expressam a sua falta de fé em Jesus e no Pai: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” (Mc 4,38). No coração de muitas pessoas a fé deu lugar à descrença. A única certeza que elas têm é a de que Deus não se importa com o sofrimento pela qual estão passando. O medo e a angústia que se levantam em nosso coração, nos momentos de tempestade, nos fazem esquecer-nos das palavras do salmo que rezamos há pouco: “gritaram ao Senhor na aflição, e ele os libertou daquela angústia. Transformou a tempestade em bonança, e as ondas do oceano se calaram” (Sl 107,28-29).

            Jesus “se levantou e ordenou ao vento e ao mar: ‘Silêncio! Cala-te!’ O ventou cessou e houve uma grande calmaria. Então Jesus perguntou aos discípulos: ‘Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?’” (Mc 4,39-40). Enquanto nós entendemos a fé como garantia de que nenhuma tempestade nos atingirá, Jesus nos ensina que a fé é força para enfrentar os ventos contrários e não deixar de fazer a travessia para a outra margem só porque uma tempestade resolveu se levantar contra nós. Por esperarem de Jesus uma garantia de ausência de tempestade em sua vida, muitas pessoas decidiram pular fora do barco de Jesus, por ele não ter impedido a tempestade.

            Voltemos ao início do Evangelho: Jesus deseja que atravessemos para a outra margem. Essa travessia é necessária para a salvação nossa e daquilo que nós amamos. Nós somos livres e devemos fazer uma escolha: ficar na margem em que nos encontramos, para não termos que lidar com os ventos contrários, ou entrar na barca de Jesus e confiar que Ele tem o poder de ordenar ao vento e ao mar que se calem, que se acalmem, que não nos impeçam de chegar à outra margem. É hora de decidir.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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