Missa do 2º dom. de Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 4,32-35; 1João 5,1-6; João 20,19-31.
“Se
eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas
dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25). A
exigência de Tomé em ver para crer é o retrato da nossa época. Nós, humanos,
temos necessidade de tocar, de sentir, de “apalpar” Deus. Nossa fé é movida
pela necessidade de “experimentar” Deus. No entanto, só faz experiência de Deus
quem desiste de fazê-Lo caber dentro de uma ideia, de um sentimento, de uma
emoção ou de algo que possa ser visto ou tocado. O grande problema da nossa fé
é que Deus é sempre o Transcendente, ou seja, Ele é sempre mais do que podemos
compreender, sentir e experimentar. Além disso, não vê-Lo, não senti-Lo e não
experimentá-Lo não significa que Ele não exista ou não se interesse por nós.
Ele é absolutamente livre e é Ele quem decide quando e de que forma se
manifestar em nossa vida.
Desde
a pessoa de Abraão, chamado “pai da nossa fé” (cf. Rm 4,11), Deus se revelou
como Aquele que fala, Aquele que se manifesta por meio da Palavra. Por isso,
ter fé em Deus significa obedecer e confiar na sua Palavra. Essa Palavra ecoa
na Igreja, a mesma Igreja que disse a Tomé: “Vimos o Senhor!” (Jo 20,25), mas para
Tomé não bastou a Palavra da Igreja: ele exigiu ter uma experiência pessoal com
o Ressuscitado. Jesus lhe deu essa experiência, mas o advertiu: “Acreditaste,
porque me viste? Felizes os que creram sem terem visto!” (Jo 20,29). Enquanto
nós julgamos que os discípulos de Jesus foram felizes por terem convivido pessoalmente
com Ele, Jesus afirma que felizes são todos aqueles que, não convivendo pessoalmente
com Ele, creram na sua presença contida na Palavra do Evangelho e na Eucaristia
(cf. Lc 24,30-31).
Não há como negar que a nossa fé está
cansada, desencantada e ferida. Nosso mundo se alimenta de fortes emoções e de
constantes novidades, e isso “contamina” a nossa fé: nós também exigimos fortes
emoções e constantes novidades em nossa vida de fé. Além disso, a realidade à
nossa volta, marcada por dores, injustiças, sofrimentos e desigualdades, parece
negar tudo aquilo que cremos. Como afirma o Pe. Tomás Halík, “a cruz da fé é a
própria ambivalência da realidade” (A noite do confessor, p.34). Essa
ambivalência é como que o avesso de um bordado: o que vemos são muitos fios
trançados, misturados e aparentemente sem sentido; no entanto, quando olhamos o
bordado do lado direito, vemos que ele mostra uma realidade que faz sentido.
Por não suportarem a ambivalência da
realidade, muitos cristãos têm escolhido deformar a sua fé em fundamentalismo, não
entendendo que “o fundamentalismo é um distúrbio de uma fé que tenta
entrincheirar-se no meio das sombras do passado, defendendo-se da perturbadora
complexidade da vida” (Tomás Halík, A noite do confessor, p.35). São cristãos
que vivem a sua fé como fuga do mundo, traindo a própria vocação que lhes foi
dada por Jesus: “Vocês são o sal da terra... Vocês são a luz do mundo” (Mt
5,13.14). Esses cristãos querem uma Igreja protegida por uma doutrina, ao invés
de se deixar desafiar constantemente pelo Evangelho a se tornar a presença do
próprio Ressuscitado junto aos perdidos e feridos deste mundo.
A fé não é uma opção para nós, mas a
única condição de “sobrevivência”: “Quem não é correto vai morrer, mas o justo
viverá por sua fé” (Hab 2,4; cf. Rm 1,17). Quem não se mantiver firme na sua
fé, não sobreviverá a um mundo que cada dia mais afunda na sua própria
desorientação. Além disso, não podemos nos esquecer da experiência de “fracasso”
que Jesus viveu em sua própria cidade, Nazaré: Ele não pôde realizar ali nenhum
milagre, por causa da incredulidade deles (cf. Mc 6,5-6). O Pai não autorizou o
Filho a realizar nenhum milagre na vida de quem não crê na pessoa do Filho; de
quem, ao contrário, se escandaliza com a humanidade do Filho. Foi por isso que
São João afirmou que a nossa fé não é fé numa doutrina ou em algum espírito,
mas numa Pessoa concreta: Jesus Cristo, “o que veio pela água (batismo) e pelo
sangue (morte de cruz)” (1Jo 5,6).
A fé de Tomé morreu junto com Jesus
na cruz. Da mesma forma hoje, a fé “morre” no coração de muitas pessoas quando
Deus permite que elas sejam feridas por uma dura experiência de cruz. Elas se
esquecem de que o Ressuscitado só foi reconhecido pelos discípulos ao mostrar
suas mãos e o seu lado, isto é, as feridas da cruz em seu Corpo agora
glorificado pela ressurreição. As feridas do Ressuscitado nos recordam que não
existe fé sem luta. Nós não lutamos somente com um mundo contrário à fé e ao
Evangelho, mas lutamos também com Deus, como Jacó (cf. Gn 32,23-33). A fé nunca
vai funcionar em nós como um “calmante”, mas como um “energético”, para
olharmos a vida nos olhos e enfrentarmos os desafios que nos cabem enfrentar em
nome da nossa obediência à vontade de Deus.
Enquanto muitos entendem a fé como receita
para o seu sucesso pessoal e leem o Evangelho como um livro de autoajuda, a
Sagrada Escritura nos ensina que a fé é “obediência” (cf. Rm 1,5): nós nunca poderemos
usar a nossa fé para “dobrar” Deus aos nossos desejos. A fé só será força de
salvação em nós quando se tornar docilidade do nosso espírito ao que Deus quer
de nós, sabendo que a Sua vontade poderá às vezes nos ferir profundamente, mas é
uma ferida que produzirá ressurreição em nós. Enfim, tenhamos em conta que,
justamente por crerem na ressurreição e na vida eterna, os primeiros cristãos
abriam mão de suas posses e colocavam tudo “em comum”, para que entre eles não
houvesse necessitados (cf. At 4,32-35). A fé no Ressuscitado nos faz ver com
outros olhos o significado dinheiro em nossa vida.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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