Missa do 4º dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 4,8-12; 1João 3,1-2; João 10,11-18.
Ninguém de nós veio ao mundo a passeio.
Ninguém de nós nasceu para simplesmente desfrutar da vida, mas, sim, para
doá-la. Na verdade, o sentido da vida não está em desfrutá-la, mas em doá-la. Como
afirma o Papa Francisco, “o nosso caminho sobre esta terra nunca se reduz a uma
labuta sem objetivo nem a um vaguear sem meta; pelo contrário, cada dia,
respondendo ao nosso chamado, procuramos realizar os passos possíveis rumo a um
mundo novo, onde se viva em paz, na justiça e no amor” (Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações 2024). Em
outras palavras, todo ser humano foi chamado à vida para uma tarefa, e essa
tarefa consiste em cuidar de algo ou de alguém. Esse cuidado foi expresso por
Jesus na imagem do pastor. O verdadeiro pastor cuida das ovelhas que lhe foram
confiadas, e não desfruta delas. É por isso que Jesus contrapõe à imagem do
pastor a do mercenário.
Enquanto o verdadeiro pastor dá a
vida por suas ovelhas – dedica-se, esforça-se, sacrifica-se, doa-se diariamente
para cuidar delas –, o mercenário não se importa com as ovelhas; seu interesse
não está no bem-estar delas, mas no lucro que ele obtém ao “cuidar” das
ovelhas. Jesus nos dá uma pista para sabermos diferenciar o verdadeiro pastor
do mercenário: a hora da dor, da ameaça, a hora em que o lobo ataca as ovelhas.
Enquanto o verdadeiro pastor enfrenta o lobo, o mercenário abandona as ovelhas
e foge, pois a única coisa que ele visa é salvar sua própria pele.
A primeira pergunta que o Evangelho
nos coloca é esta: quais são as ovelhas que a vida tem colocado sob os meus
cuidados – filhos, pais, avós, subordinados no ambiente de trabalho, trabalho
pastoral na minha paróquia? Como eu me comporto quando chega a hora da dor, da
frustração com o “resultado” do trabalho realizado, com a ameaça dos lobos que
visam destruir o que eu construí com tanto sacrifício? Uma ressalva importante:
cuidar das ovelhas (filhos) nunca pode ser traduzido em superproteger, muito
menos em acobertar erros. Cuidar não é apenas proteger, mas educar, formar o
caráter, ensinar o filho a responsabilizar-se por suas atitudes.
Quem exerce a função de
pastor/cuidador precisa cuidar de si também. Ninguém é uma fonte inesgotável de
cuidado para os outros. Jesus disse que o bom pastor dá a vida por suas ovelhas,
e não que se deixa devorar por elas. Quem cuida precisa deixar-se cuidar
também. O nosso modelo de pastor/cuidador é Jesus: mesmo doando-se incansavelmente
pelas ovelhas perdidas do seu povo, ele se retirava com frequência para lugares
solitários a fim de descansar, rezar e deixar-se cuidar pelo Pai. Uma perigosa
armadilha para um pastor/cuidador é não saber dizer não às suas ovelhas e carregá-las
no colo quando elas podem andar por si mesmas.
Eis a segunda pergunta do Evangelho
de hoje: eu dedico tempo para cuidar de mim da mesma forma como dedico tempo
para cuidar dos outros? Sei reconhecer os meus limites? Consigo admitir que não
sou – e não tenho a obrigação de ser – uma fonte inesgotável de cuidado para os
outros? Eu dedico um tempo diário de oração para nela me deixar cuidar pelo
Pai, assim como Jesus?
Quando olhamos para o nosso mundo hoje,
percebemos que a presença de mercenários é muito maior do que a de bons
pastores. É cada vez menor o número de pessoas que se dedicam a trabalhos
voluntários. Esquece-se do que afirma o Papa Francisco: “Não somos ilhas
fechadas em si mesmas, mas partes do todo” (Mensagem
para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações 2024). A maioria das pessoas só se dispõe a fazer algo pelos outros
que isto lhes trouxer algum tipo de ganho, de benefício. Em outras palavras, perde-se
o senso de gratuidade. A consequência disso é o aumento de ovelhas perdidas –
pessoas abandonadas a si mesmas – enquanto que a grande maioria vive fechada no
seu mundo particular, esvaziando a sua vida de sentido por viverem fechadas
sobre si mesmas.
Ao descrever-se como bom pastor, Jesus
afirmou: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: também a elas
devo conduzir; escutarão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor”
(Jo 10,16). Há muito mais pessoas afastadas do Evangelho do que alcançadas por
ele. Aqui entra a missão de cada um de nós: fazer ecoar na vida dessas pessoas
a voz de Jesus, ajudando as pessoas que estão desorientadas a encontrarem no
Evangelho a orientação para a sua vida. No fundo, todo ser humano procura por
um salvador, por um cuidador, e nós precisamos ajudar as pessoas a terem a
convicção de que “não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens, pelo
qual possamos ser salvos” (At 4,12), a não ser o nome (a pessoa) de Jesus
Cristo.
O desejo de Jesus é que haja um só
rebanho e um só pastor; “formar uma só família, unida no amor de Deus e
interligada pelo vínculo da caridade, da partilha e da fraternidade” (Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial
de Oração pelas Vocações 2024). Como eu me relaciono com as pessoas de
outras igrejas e outras religiões? Eu consigo dialogar com quem crê diferente
de mim, mantendo-me firme nas minhas convicções? Nessa época em que a nossa
Igreja é ferida a partir de dentro, devido à polarização entre cristãos “de
direita” e cristãos “de esquerda”, minhas atitudes alimentam e aprofundam a
divisão interna da Igreja ou ajudam a derrubar muros e a construir pontes? Não
esqueçamos a advertência de Jesus: “Quem não ajunta comigo, dispersa” (Lc
11,23).
Abracemos o chamado que o Senhor Deus
nos faz, de sermos “peregrinos de esperança e construtores de paz”, fundando “a
própria existência sobre a rocha da ressurreição de Cristo, sabendo que todos
os nossos compromissos, na vocação que abraçamos e levamos adiante, não caiem
no vazio... Cada um de nós, no seu lugar próprio, no seu estado de vida, pode
ser, com a ajuda do Espírito Santo, um semeador de esperança e de paz... Apaixonemo-nos
pela vida e comprometamo-nos no cuidado amoroso daqueles que vivem ao nosso lado
e do ambiente que habitamos” (Papa
Francisco, Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações 2024).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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