Missa do 30º dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 22,20-26; 1Tessalonicenses 1,5c-10; Mateus 22,34-40.
Qual é o sinal principal que nos diz que uma
determinada pessoa pratica uma religião? Se essa pergunta for feita a Jesus,
ele responderá: “Não é a maneira como a pessoa se veste; não é o fato de ela
usar um símbolo religioso; não é também o fato de ela falar em Deus ou citar
versículos bíblicos etc. O sinal que indica se uma pessoa verdadeiramente segue
uma religião é o amor: amor a Deus e amor ao próximo”.
Para Jesus, a religião existe para inserir a pessoa
num relacionamento. O primeiro relacionamento é com o Pai. Esse relacionamento
não deve ser pautado pelo medo, muito menos pela superstição – se eu me afastar
de Deus, tudo começará a dar errado. Embora nós, seres humanos, sejamos movidos
de certa forma por necessidades – eu procuro a Deus porque necessito d’Ele, da
sua ajuda, da sua proteção etc. –, Jesus deseja nos ensinar a buscar estar na
presença de Deus não simplesmente porque precisamos d’Ele, mas sobretudo porque
o amamos.
Porém, onde encontrar Deus? Na natureza? Numa igreja?
Na Sagrada Escritura? Também! Mas o Deus que Jesus veio anunciar como Pai,
embora seja Espírito (cf. Jo 4,24), tem pele! Ele está concreta e historicamente
presente no próximo, especialmente na pessoa que necessita de nós. É por isso
que Jesus coloca no mesmo grau de importância amar a Deus e amar ao próximo.
Isso significa que, segundo Jesus, qualquer forma de espiritualidade que
possamos ter só é boa, só é saudável, na medida em que nos torna próximos das
pessoas que necessitam de nós.
Justamente porque vivemos num mundo de valores
invertidos, cresce cada vez mais em nós a convicção de que afastar-nos das
pessoas e conviver com plantas e animais é muito mais fácil do que “lidar com o
ser humano”. Desse modo, muitas pessoas escolhem viver sua fé individualmente,
dentro de casa, sem vínculo concreto com uma comunidade, com uma igreja,
inclusive justificando essa postura pelo fato de terem se decepcionado com
pessoas nas igrejas. Embora essa atitude nos deixe instalados na zona de
conforto do nosso individualismo, ela é totalmente reprovada pela Sagrada
Escritura.
Sempre que caímos na tentação de separar Deus
(Espírito, o Transcendente) das pessoas concretas que estão à nossa volta, o
próprio Deus nos faz a mesma pergunta que fez a Caim: “Onde está teu irmão?”
(Gn 4,9). Como você tem tratado o estrangeiro, a viúva, o órfão, o pobre (cf.
Ex 22,20.21.24)? Onde você está quando o seu próximo fica doente, perde o
emprego, sofre um acidente, perde alguém da família, envelhece, passa a morar
sozinho, torna-se esquecido ou passa a ser ignorado por todos?
Muitas pessoas reclamam de que nunca tiveram um
encontro verdadeiro e profundo com Deus. Sabe onde esse encontro acontece?
Exatamente quando você esquece de si e encontra tempo para visitar um paciente que
está com câncer, um idoso que sofre de solidão, uma criança ou uma família que
passa fome, uma pessoa que perdeu um ente querido e precisa desabafar com
alguém... Esses encontros possibilitam que você faça uma verdadeira experiência
de Deus, o Deus que tem pele, que se fez ser humano na pessoa de seu Filho
Jesus, o qual, por sua vez, se identificou com toda pessoa que sofre algum tipo
de necessidade.
Quando
Jesus afirma que tudo o que está na Sagrada Escritura se resume no amor a Deus
e no amor ao próximo (cf. Mt 22,40), está nos questionando se a nossa religião
nos torna mais humanos ou menos humanos. Se a nossa vida de oração e de
sacramentos não nos tornar próximos de quem necessita de nós, algo está
profundamente errado em nossa maneira de entender Deus e a nossa própria fé. Além
disso, essa forma cada vez mais individualista de viver a fé, onde nos mantemos
distantes do drama da vida das pessoas que sofrem, nos afasta totalmente de
Jesus, cujo coração sempre esteve voltado para o Pai e para as pessoas que sofriam.
Se
Deus está morrendo no coração de muitas pessoas, é porque as mãos delas não
tocam mais na pele de nenhum ser humano. O contato humano tem sido cada vez
mais substuituido pelo contato virtual. Nossos dedos tocam diariamente e quase
o tempo todo uma tela de celular, mas raramente tocam na pele de uma pessoa
real. Essa falta de contato com pessoas reais não só nos desumaniza, como
também abre em nós um buraco doloroso chamado solidão, uma solidão que nos faz sentir
que ninguém se importa conosco, da mesma forma como nós também não nos
importamos com ninguém. Desse modo, quando o próximo começa a morrer dentro de
nós, Deus também começa a morrer, e a nossa fé perde o sentido, perde a razão
de ser.
Onde
está Deus? Ele está na pessoa do nosso próximo, exatamente naquela pessoa com
quem não escolhemos conviver, mas que a vida colocou em nosso caminho por algum
motivo. Jesus nos desafia a romper com o fechamento em nós mesmos, com o
individualismo, e voltarmos a dar vida à nossa pele, tocando na pele do nosso
próximo; concretamente, fazendo-nos próximos de pessoas que são sistematicamente
ignoradas pelo mundo atual, cada vez mais desumanizado e vazio de sentido. Sempre
que tocarmos na pele do outro ele sentirá que existe para nós, e nós sentiremos
o quanto Deus é real e o quanto amar – cuidar daquele que a vida está pedindo
para cuidarmos – é o que verdadeiramente dá sentido à nossa existência.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi